Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina, advogada, deixou de pagar
a anuidade cobrada pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo –
OAB/SP.
A OAB/SP poderá ingressar
com execução cobrando as anuidades em atraso?
SIM. O art. 46, parágrafo único da Lei nº 8.906/1994
(Estatuto da OAB) prevê que a certidão exarada pelo Conselho da OAB de que o
advogado está em débito com a anuidade constitui título executivo
extrajudicial:
Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar,
de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.
Parágrafo único. Constitui título
executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho
competente, relativa a crédito previsto neste artigo.
Qual é o prazo
prescricional para essa cobrança?
5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I do CC/2002:
Art. 206. Prescreve:
§ 5º Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas
líquidas constantes de instrumento público ou particular;
(...)
É o entendimento do STJ: AgRg nos
EDcl no REsp 1267721-PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 11/12/2012 (Info
513).
A competência para julgar
essa execução é da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?
Justiça Federal.
Compete à justiça federal processar e julgar ações em que a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quer mediante o conselho federal, quer
seccional, figure na relação processual.
STF. Plenário. RE 595332/PR, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgado em 31/8/2016 (Repercussão Geral – Tema 258) (Info 837).
Voltando ao caso concreto:
A OAB/SP ajuizou ação de execução
de título extrajudicial contra Regina.
A credora endereçou a execução
para o juízo da vara federal cível comum.
O magistrado, contudo, entendeu
ser incompetente para apreciar a demanda, pois afirmou que o débito executado (anuidade
da OAB) tinha natureza tributária e, em razão disso, determinou a remessa do
feito à Vara Federal de Execuções Fiscais.
A OAB/SP não concordou com essa
declinação de competência e interpôs agravo de instrumento.
O TRF manteve a decisão afirmando
que o STF teria decidido, no RE 647885, que a anuidade da OAB teria natureza
tributária. Neste RE 647885, o STF fixou a seguinte tese:
É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de
fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por
inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em
matéria tributária.
STF. Plenário. RE 647885, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
27/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 732) (Info 978).
Recurso especial
Ainda inconformada, a OAB interpôs recurso especial
argumentando que as contribuições devidas à OAB não possuem natureza
tributária, pois se trata de entidade da sociedade civil que não pode ser
confundida com outros conselhos profissionais. Além disso, a OAB não integra a
administração direta ou indireta do Estado, razão pela qual não pode se
enquadrar no disposto no art. 1º da Lei nº 6.830/80:
Art. 1º A execução judicial para
cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e,
subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
O STJ concordou com os
argumentos da OAB?
SIM.
Anuidade da OAB não tem
natureza tributária
A contribuição profissional
devida à OAB (anuidade da OAB) não tem natureza tributária. Esse
entendimento é consolidado há muitos anos no STJ:
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 957.962/RJ, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 7/10/2019.
STJ. 2ª Turma. AREsp 2.379.060/SP, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 5/3/2024.
No RE 647.885/RS, mencionado pelo
Tribunal de origem, o STF debatia a possibilidade de a OAB suspender do
exercício profissional aqueles advogados que não pagassem a anuidade, no que a
Corte Suprema decidiu negativamente e fixou a seguinte tese: “É
inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização
profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de
anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária”. Essa
conclusão do Tribunal de origem foi formada porque uma das premissas utilizadas
pelo Min. Relator Edson Fachin foi justamente a natureza tributária das
anuidades cobradas pelos conselhos profissionais “lato sensu”, o que se
utilizou sem a corriqueira adjetivação que se dá especificamente à OAB como
entidade “sui generis”.
Em outras palavras, o Min. Edson
Fachin, ao falar sobre natureza tributária das contribuições, estava se
referindo apenas aos demais Conselhos Profissionais (e não à OAB).
Isso fica claro porque, algum tempo depois, no julgamento do
RE 1.182.189, o Min. Fachin afirmou expressamente que:
'Diferente dos
conselhos de fiscalização profissional, a OAB não recolhe contribuição natureza
tributária (...) A Ordem, a rigor, enquanto instituição que desempenha serviço
público mas não estatal, não se subordina à Administração não cobra tributos de
seus associados.'
Neste julgamento (RE 1.182.189),
o STF decidiu que a anuidade cobrada pela OAB não possui natureza jurídica
tributária e, por causa disso, ela não se submete ao Tribunal de Contas. Veja a
tese fixada:
O Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos
Advogados do Brasil não estão obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas
da União nem a qualquer outra entidade externa.
STF. Plenário. RE 1.182.189/BA, Rel. Min. Marco Aurélio,
redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2023 (Repercussão Geral –
Tema 1054) (Info 1091).
Como não tem natureza
tributária, não se aplica a LEF
Logo, a cobrança das anuidades
não pagas pelos advogados não estão sujeitas ao regime da Lei de Execuções
Fiscais (Lei nº 6.830/80). Nesse sentido:
As contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza
tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80.
STJ. 1ª Seção. EREsp 463.258/SC, Rel. Min. Eliana Calmon,
julgado em 10/12/2003.
As contribuições pagas pelos filiados à OAB não têm natureza
tributária.
O título executivo extrajudicial, referido no art. 46,
parágrafo único, da Lei n.º 8.906/94, deve ser exigido em execução disciplinada
pelo Código de Processo Civil, não sendo possível a execução fiscal regida pela
Lei n.º 6.830/80.
STJ. 1ª Seção. EREsp 503.252/SC, Rel. Min. Castro Meira,
julgado em 25/8/2004.
Em suma:
A anuidade cobrada pela Ordem dos Advogados do Brasil
não tem natureza jurídica tributária.
STJ. 2ª Turma. AREsp 2.451.645-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 9/4/2024 (Info 807).