sábado, 27 de abril de 2024
STJ autorizou a homologação da sentença estrangeira que condenou Robinho na Itália e determinou o cumprimento imediato da condenação aqui no Brasil
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O TEMA
O caso concreto foi o seguinte:
Segundo a Justiça Italiana, em 22
de janeiro de 2013, o jogador brasileiro Robson de Souza (conhecido pela alcunha Robinho) e mais quatro
amigos estupraram uma jovem no camarim de uma boate na Itália, época em que o
atleta atuava pelo Milan.
Robinho respondeu processo penal
e foi condenado pela Justiça da Itália a uma pena de 9 anos de prisão pelo
crime de estupro (art. 609-octies
do Código Penal italiano).
De acordo com
a acusação, julgada procedente pela Justiça italiana, Robinho e seu amigo
Ricardo, com intuito insidioso e fraudulento, em uma casa de festas na cidade
italiana Milão, ofereceram e induziram a jovem a ingerir bebida alcoólica ao
ponto de torná-la incapaz de oferecer resistência. Em seguida, eles a
conduziram para um cômodo isolado onde a constrangeram a praticar atos sexuais.
Prolatada em
novembro de 2017, a condenação se tornou definitiva em 19 de janeiro de 2022
perante o Poder Judiciário italiano.
Ocorre que Robinho encontra-se
morando no Brasil.
Primeira pergunta: Robinho,
que é brasileiro nato, pode ser extraditado para cumprir a pena na Itália?
NÃO.
Brasileiro nato não pode nunca ser extraditado pelo Brasil. Essa regra, que
está prevista no art. 5º, LI, da CF/88, não comporta exceções:
Art. 5º (...)
LI - nenhum brasileiro será extraditado,
salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização,
ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, na forma da lei;
Se Robinho viajar para a
Itália poderá ser preso e obrigado a cumprir pena lá?
SIM.
Se Robinho viajar para
outro país (sem ser a Itália), poderá ser preso e extraditado para a Itália?
SIM, desde que cumpridos dois
requisitos:
a) a Justiça Italiana inclua o
nome de Robinho na difusão vermelha (o que ocorreu);
b) o país para onde Robinho for
tenha tratado de extradição com a Itália.
“Red notice ou difusão vermelha é
o instrumento utilizado pela Interpol (Organização Internacional de Polícia
Internacional) com o objetivo de auxiliar as autoridades no cumprimento de
mandados de prisão de indivíduos que se encontram no exterior ou que, estando
no país, são procurados no estrangeiro. Configuram autênticos mandados de
capturas internacionais divulgados nos Estados-membros da Organização.”
(MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador:
Juspodivm, 2021, p. 754).
É possível homologar uma
sentença penal estrangeira para que a pena seja cumprida no Brasil? Existe essa possibilidade?
Se você ler apenas o Código
Penal, responderia que não. Isso porque o art. 9º do CP afirma que a sentença
penal estrangeira pode ser homologada para que, no Brasil, produza dois
efeitos:
a) obrigar o condenado à
reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
b) sujeitá-lo a medida de
segurança.
Veja a
redação do dispositivo:
Eficácia de sentença estrangeira
Art. 9º A sentença estrangeira, quando
a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode
ser homologada no Brasil para:
I - obrigar o condenado à reparação do
dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II - sujeitá-lo a medida de segurança.
Ocorre que, em 2017, com a edição
da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) foi inserida a possibilidade de se
homologar sentença penal estrangeira para uma terceira finalidade: que o
condenado cumpra pena no Brasil. Isso se dá mediante um instituto chamado
transferência de execução da penal (TEP), previsto nos arts. 100 a 102 da Lei
de Migração (Lei 13.445/2017). Assim, em vez de cumprir a pena no estrangeiro,
a sentença é homologada no Brasil para que o condenado aqui cumpra a sanção
imposta.
A Lei de Migração criou o
instituto da transferência de execução da pena a fim de que a sentença penal
condenatória a pena privativa de liberdade seja cumprida contra as pessoas que
estão fora das fronteiras do Estado que as condenou.
Ah, então, é possível que
se homologue a sentença penal da Itália e que Robinho cumpra aqui a pena
imposta pela Justiça italiana? É
possível aplicar o art. 100 da Lei de Migração para o caso de Robinho?
Antes da decisão do STJ, surgiram
duas interessantes e respeitáveis posições sobre o tema:
1ª corrente: NÃO. Posição
de Valério Mazzuoli
O art. 100 da Lei de Migração
(Lei 13.445/2017) prevê a possibilidade de se transferir a execução da pena
(TEP) do país estrangeiro para o Brasil, ou seja, o indivíduo condenado, em vez
de cumprir a pena no exterior, cumpre a reprimenda aqui.
Ocorre que a lei afirma que a TEP
só é admitida nos casos em que existe a possiblidade de extradição.
Essa interpretação é baseada na literalidade do caput do
art. 100 da Lei de Migração:
Art. 100. Nas hipóteses em que
couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá
solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado
o princípio do non bis in idem.
Assim, nas hipóteses em que
couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente terá duas
opções:
a) solicitar a extradição; ou
b) autorizar a transferência de
execução da pena.
Desse modo, a pena de Robinho só
poderia ser transferida para o Brasil se fosse possível, em tese, que ele fosse
extraditado para a Itália. Como essa extradição não é permitida, também não é
possível a transferência da execução.
Se quiser aprofundar nos
comentários dessa respeitável posição: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/robinho-por-que-a-transferencia-de-execucao-da-pena-nao-se-aplica-24012022
2ª corrente: SIM. Entendimento
de Vladimir Aras.
Estrangeiros condenados no
exterior e que estão no Brasil podem ser extraditados. Logo, neste cenário, o
Estado estrangeiro não precisará da transferência de sentença penal. Sua opção
preferencial será a extradição.
A transferência de execução penal
(TEP) é uma alternativa para os casos em que a extradição não é possível ou se
torna inviável.
O que o caput do art. 100 da Lei
13.445/2017 diz é que a TEP só tem lugar nos casos em que se cogita de
extradição executória (pena imposta no exterior a residente no Brasil). A TEP
não se aplica, é claro, a pedidos de extradição instrutória (ação penal em
curso no exterior).
Então, o primeiro ponto
interpretativo é o seguinte: não cabe TEP em extradição instrutória pelo fato
de que não há pena alguma a aplicar aqui. Só cabe TEP quando há a possibilidade
de executar a pena estrangeira, isto é, quando se cogitaria de um pedido de
extradição executória.
O segundo ponto é o seguinte: por
que um Estado recorreria à TEP, se pode obter o preso? Apenas se o caminho
preferencial (o da extradição) fosse obstado, o que ocorre com os brasileiros
natos. Os estrangeiros e os brasileiros naturalizados podem ser extraditados.
É por isto que se diz que a
transferência de execução penal (TEP), como espécie do reconhecimento de
decisões estrangeiras, funciona como uma alternativa à extradição, notadamente
quando esta não é factível.
Diversos tratados seguem esse
modelo de alternatividade. A lei brasileira, como não poderia deixar de ser,
adota esse padrão internacional em sede de cooperação.
No caso Robinho cabe solicitação
de extradição executória? Cabe, claro. A Itália pode pedir; o Brasil é que não
a pode dar. Um pedido dessa ordem, contra um nato, seria indeferido, mas
serviria como gatilho para o procedimento de transferência da execução penal.
Brasileiro nato que cometa crime
no exterior terá em seu favor o escudo da inextraditabilidade. Mas não há
nenhuma regra constitucional que o proteja da transferência de uma sentença
penal condenatória imposta no exterior com a observância do devido processo
legal.
Argumentos expostos no perfil do
Professor Aras na rede social X: https://twitter.com/VladimirAras
/status/1483956304574038018?s=20
DECISÃO DO STJ
Requerimento do governo italiano de transferência
da execução
Conforme já explicado, Robinho foi condenado a 9 anos de prisão,
pela Justiça Italiana, pelo crime de estupro (art. 609-octies do Código Penal
italiano).
Ocorre que, quando a condenação foi proferida, o jogador
já estava morando em nosso país.
Diante disso, inicialmente, a Itália pediu do Brasil a extradição
de Robinho para cumprir a pena lá.
O pedido, no
entanto, não teve êxito porque a Constituição do Brasil proíbe a
extradição de brasileiro nato (art. 5º, LI).
Com a recusa, a
República da Itália apresentou, perante o STJ, um pedido de homologação da
sentença estrangeira proferida na Itália e que condenou o jogador.
O Governo
italiano pretendia, com isso, que a execução da pena fosse transferida da
Itália para o Brasil e que assim Robinho cumprisse a pena aqui, em nosso país.
O pedido foi fundamentado no artigo 6º, 1, do Tratado de
Extradição firmado entre Brasil e Itália e que diz o seguinte:
1. Quando a pessoa reclamada [no
caso, Robinho], no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado
requerido, este não será obrigado a entregá-la [regra compatível com a
vedação constitucional de extradição do brasileiro nato]. Neste caso, não
sendo concedida a extradição, a Parte requerida [o Brasil], a pedido da
Parte requerente [a Itália], submeterá o caso às suas autoridades
competentes para eventual instauração de procedimento penal. Para tal
finalidade, a Parte requerente deverá fornecer os elementos úteis. A Parte
requerida comunicará sem demora o andamento dado à causa e, posteriormente, a
decisão final.
Em Nota Técnica, o Ministério da Justiça e Segurança Pública
brasileiro, manifestou-se pela possibilidade de “transferência de execução da
pena encontraria fundamento no artigo 100 da Lei nº 13.445/2017 (Lei de
Migração), bem como no artigo 6º do Tratado Bilateral de Extradição entre
Brasil e Itália”.
A controvérsia entregue ao STJ, portanto, dizia respeito
à possibilidade de homologação de sentença penal condenatória estrangeira,
contra brasileiro nato, para o fim de transferência da execução da pena no
Brasil.
O Subprocurador-Geral da República Carlos Frederico Santos,
que atuou no caso, bem resumiu a questão:
“Embora
um dos requisitos para aplicação do instituto seja a nacionalidade brasileira
do condenado, a repercussão do caso tratado no título homologando deu início a
notória discussão doutrinária acerca da possibilidade ou não de transferência
da execução da pena imposta a brasileiros natos.
De
um lado, defende-se que, por não ser possível a extradição de brasileiros
natos, a transferência da execução da pena também estaria vedada, uma vez que o
art. 100 da Lei nº 13.445/17 somente a permitira nas hipóteses em que couber o
pedido extradicional.
Outros
juristas, no entanto, a exemplo do professor Davi Tangerino, afirmam que a
referida norma apenas condicionou a transferência de execução da pena à mera
solicitação de extradição executória, razão pela qual o brasileiro nato pode
ser submetido à execução de pena privativa de liberdade estrangeira.”
Amici curiae
A União Brasileira de Mulheres, associação civil dedicada
aos direitos e à emancipação das mulheres, requereu o ingresso no feito na
condição de amicus curiae, o que foi deferido “para acompanhamento processual e
apresentação de memoriais e sustentação oral na data do julgamento”.
Associação Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM)
também requereu a sua participação como amicus curiae, buscando defender “a
irretroatividade da lei nº 13.445, de 2017, em desfavor de Brasileiro Nato”, o
que também foi deferido nos mesmos limites.
Contestação
Robinho apresentou
contestação ao pedido de transferência da pena para o Brasil. Argumentou que:
• Houve cerceamento do direito de defesa, já que o pedido
de homologação deveria ter vindo acompanhado da íntegra do processo originário,
de modo a possibilitar a averiguação de ilegalidades na sua condução;
• O pedido seria inconstitucional, por violar, de forma
transversa, a vedação de extradição de brasileiro nato (art. 5º, LI, da CF/88);
• O requerimento feito pelo Governo Italiano não conta
com previsão em nenhum tratado, de modo que “não existe a possibilidade da
execução de sentenças penais estrangeiras no território nacional contra
brasileiros natos”;
• A Lei de Migração não se aplica ao caso, já que rege
apenas direitos e deveres de migrantes e visitantes;
• Os arts. 100 e 102 da Lei de Migração que,
supostamente, autorizam o pedido de transferência da pena, só foram acrescidos
ao ordenamento em 2017, de modo que não podem retroagir para prejudicar o
condenado em sentença penal estrangeira;
O STJ concordou com o pedido do Governo da Itália?
Robinho terá que cumprir a pena no Brasil?
SIM. A Corte Especial do STJ julgou procedente o pedido
de homologação de sentença estrangeira e determinou o cumprimento imediato da
condenação.
Vejamos um resumo dos argumentos adotados pelo Tribunal.
Quais são os requisitos indispensáveis
à homologação da decisão estrangeira?
Segundo o art. 963 do CPC/2015, para
que a decisão estrangeira seja homologada, é necessário que:
I - tenha sido proferida no exterior
por autoridade competente;
II - as partes tenham sido citadas ou
que tenha havido legalmente a revelia;
III - seja eficaz no país em que foi
proferida;
IV - não ofenda a coisa julgada
brasileira;
V - esteja acompanhada de tradução
oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;
VI - não contenha manifesta ofensa à
ordem pública.
No Brasil, quem é o órgão competente
para análise e homologação de sentenças estrangeiras?
O Superior Tribunal de Justiça (art.
105, I, “i”, da CF/88).
O que o STJ analisa?
No procedimento de homologação de
sentença estrangeira, a competência do STJ (CF/88, art. 105, I, “i”) está
restrita à análise dos requisitos da homologação da sentença estrangeira,
dentre eles, a participação do requerido, sob pena de nulidade.
A homologação de sentença
estrangeira representa o reconhecimento pelo Poder Judiciário local de decisão
proferida por Tribunal estrangeiro, cumpridos os requisitos legais. Não se
trata de um novo julgamento do caso. O procedimento em questão busca analisar,
então, os requisitos formais, sem rediscussão do mérito da ação estrangeira.
Diz-se então que, em matéria de
homologação de sentença estrangeira, adota-se o sistema de contenciosidade
limitada, segundo o qual não se pode rediscutir o mérito da ação penal que
resultou na condenação do cidadão brasileiro.
O STJ concluiu que todos os
requisitos necessários para a homologação da sentença estrangeira estavam
preenchidos.
Transferência de execução
penal (TEP)
A transferência de execução penal
é instituto processual de cooperação internacional, previsto em tratados
internacionais dos quais o Brasil é parte e está positivado na Lei nº 13.445/2017.
Esse instituto serve para que...
- a pena imposta no exterior
- aplicada contra brasileiros ou
estrangeiros que tenham residência habitual no Brasil
- possa aqui ser cumprida
- após ser homologada pelo STJ
A transferência de execução
de pena não viola o art. 5º, LI, da CF/88
A defesa de Robinho alegava que o
pedido de transferência da execução penal para o Brasil seria inconstitucional
porque seria uma forma de burlar a regra constitucional que veda a extradição
de brasileiro nato (art. 5º, LI, da CF/88). O STJ não concordou com esse
argumento. A proibição do art. 5º, LI não impede o deferimento do pedido de
cooperação internacional, que se trata de instituto diverso.
A homologação de sentença
estrangeira não consistirá na entrega de nacional brasileiro condenado
criminalmente para cumprimento de pena em outro país. Logo, não é uma forma de
extradição. O brasileiro continuará no Brasil, cumprindo a pena aqui.
Nesse sentido, o próprio governo
brasileiro admitiu o processamento do pedido de transferência de pena,
formulado pelo Governo da Itália, pois, por meio de tratados internacionais, a
rede de proteção de cidadãos brasileiros foi fortalecida com a possibilidade de
cumprimento de pena no seu próprio país, com isso, além da transferência de
execução da pena, também se possibilita a própria transferência do preso que
cumpre pena fora do território nacional.
Dessa forma, não há
inconstitucionalidade na transferência de execução de pena, porque não há
violação do núcleo do direito fundamental contido no art. 5º, LI, da CF/88. Ao
contrário. Há um reforço do compromisso internacional do Brasil em adotar
instrumentos de cooperação eficientes para assegurar a eficácia da jurisdição
criminal.
STJ afastou a corrente que
defendia uma interpretação literal do caput do art. 100 da Lei de Migração
O art. 100 da Lei de Migração prevê que:
Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de
extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou
autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio
do non bis in idem.
Assim, em uma interpretação
literal do art. 100 nos levaria à conclusão de que a TEP só seria admitida nos
casos em que existe a possiblidade de extradição.
Se fossemos adotar uma
interpretação literal, concluiríamos que, nas hipóteses em que couber
solicitação de extradição executória, a autoridade competente terá duas opções:
a) solicitar a extradição; ou
b) autorizar a transferência de
execução da pena.
Desse modo, com base nessa
interpretação, a pena de Robinho só poderia ser transferida para o Brasil se
fosse possível, em tese, que ele fosse extraditado para a Itália. Como essa
extradição não é permitida, também não é possível a transferência da execução.
O STJ, contudo, rejeitou essa
corrente.
Nas palavras do Ministro Relator:
“Ademais,
descabida a interpretação segundo a qual se aplicaria a transferência apenas
nos casos em que cabível a extradição, pois praticamente seria letra morta na
legislação. Naturalmente que o país requerente sempre daria preferência à
extradição, relegando à inutilidade a previsão de transferência da execução.
De outro lado,
esse modelo de solução alternativa está posto em diversos Tratados
Internacionais (como as Convenções de Viena, Palermo e Mérida), nos quais há
previsão expressa de transferência da execução sempre que a extradição for
recusada pelo critério da nacionalidade.”
O objetivo final desse art. 100 é
o de possibilitar o cumprimento da pena imposta a nacionais (e estrangeiros que
aqui residam com habitualidade), e não, como tenta fazer crer a defesa, sua
exclusão do âmbito de alcance.
Se fosse negada a
homologação e a TEP, haveria uma impossibilidade completa de nova persecução
Destaca-se, ainda, que a negativa
em homologar a sentença estrangeira geraria a impossibilidade completa de nova
persecução penal, na medida em que não poderá ser novamente processado e
julgado pelo mesmo fato que resultou em sua condenação na Itália.
Trata-se do instituto do non
bis in idem, também contemplado no art. 100 da Lei nº 13.445/2017.
Sobre o tema, a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal, no HC 171118 de relatoria do ministro Gilmar Mendes,
ao interpretar os arts. 5º, 6º e 8º do Código Penal, assentou que a proibição
da dupla incriminação também incide no âmbito internacional. Assim, no Brasil,
não se admite que um cidadão seja novamente processado e julgado pelos mesmos
fatos que resultaram em sua condenação definitiva no exterior:
O agente não pode responder à ação penal no Brasil se já foi
processado criminalmente, pelos mesmos fatos, em um Estado estrangeiro.
O art. 5º do Código Penal afirma que a lei brasileira se aplica
ao crime cometido no território nacional, mas ressalva aquilo que for previsto
em “convenções, tratados e regras de direito internacional”.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) proíbem de forma expressa a
dupla persecução penal pelos mesmos fatos.
Desse modo, o art. 8º do CP deve ser lido em conformidade com os
preceitos convencionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), vedando-se a dupla persecução penal por idênticos fatos.
STF. 2ª Turma.
HC 171118/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/11/2019 (Info 959).
Não há que se falar em
irretroatividade pela aplicação da Lei nº 13.445/2017 para um caso ocorrido em
2013; a norma de cooperação internacional não tem natureza penal e, portanto,
pode ser imediatamente aplicável seja em benefício, seja em prejuízo do
extraditando
A defesa de Robinho argumentou,
ainda, que os arts. 100 e 102 da Lei de Migração, que autorizam o pedido de
transferência da pena, só foram acrescidos ao ordenamento em 2017, de modo que
não podem retroagir para prejudicar o condenado em sentença penal estrangeira.
O STJ igualmente afastou essa
alegação.
O argumento de que a aplicação da
Lei nº 13.445/2017 violaria o “princípio constitucional da irretroatividade da
nova lei penal mais gravosa” não subsiste ante a natureza jurídica da
cooperação internacional.
O STF já decidiu que as normas sobre cooperação
internacional em matéria penal não têm natureza criminal, o que permite a
aplicação imediata conforme art. 6º da LINDB:
Art. 6º A Lei em vigor terá
efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido e a coisa julgada.
Com isso, a norma de cooperação
internacional pode ser “imediatamente aplicável, seja em benefício, seja em
prejuízo do extraditando” (STF, EXT 938, Rel. Min. Ayres Britto, 3/3/2005). No
mesmo sentido: STF, EXT 1.675, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 8/2/2022.)
Art. 100 da Lei de Migração
é uma mitigação do princípio da territorialidade das penas
Com a edição do art. 100 da Lei nº
13.445/2017, não há mais dúvida acerca da possibilidade da transferência da
execução da pena, pois houve mitigação do princípio da territorialidade das
penas previsto no art. 9º do Código Penal.
Como o novo instituto veda a
propositura de nova ação penal sobre o mesmo fato no território nacional,
assegurou-se maior efetividade da jurisdição criminal. Reconhece-se, assim, o
princípio do non bis in idem no plano internacional.
Não se reanalisa a
condenação proferida no exterior segundo as leis brasileiras
Por fim, não é possível declarar
a nulidade da ação penal que tramitou na Itália por inobservância de normas da
legislação penal e processual brasileira.
Nos tratados internacionais
celebrados entre o Brasil e a Itália, não há norma que imponha o dever de o
Poder Judiciário italiano aplicar as normas procedimentais brasileiras em
processo que apura responsabilidade criminal de brasileiro.
Direitos humanos das
vítimas
A homologação da transferência de
execução da pena ao efetivar a cooperação internacional, tem o condão de,
secundariamente, resguardar os direitos humanos das vítimas. A homologação da
sentença não é um fim em si mesmo, mas um instrumento efetivação dos direitos
fundamentais tanto do condenado como da vítima.
Em suma:
A transferência da execução de pena de brasileiro
nato para ser cumprida no Brasil, imposta em outro país, não viola o núcleo do
direito fundamental contido no art. 5º, inciso LI, da Constituição
Federal.
STJ. Corte
Especial. HDE 7.986-EX, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 20/3/2024 (Info
805).