Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi denunciado e pronunciado
por homicídio doloso.
Foi designado o dia do julgamento
pelo Tribunal do Júri.
Vale ressaltar que João respondeu
todo o processo preso e, portanto, iria diretamente do presídio para o seu
julgamento no plenário do júri no fórum da cidade.
A defesa de João peticionou ao
juiz pedindo autorização para que João se apresentasse ao júri vestindo roupas
civis, em vez do uniforme do presídio.
O advogado argumentou que o uso
de roupas civis seria crucial para garantir a plenitude da defesa e evitar
qualquer estigma junto aos jurados.
O pedido, contudo, foi negado
pelo magistrado sob a justificativa de que o uso do uniforme prisional não
viola o direito de defesa e é uma prática comum, não afetando a imparcialidade
dos jurados.
Além disso, argumentou que permitir
que o preso trocasse de roupa traria riscos à segurança, dada a insuficiente
escolta policial disponível no fórum.
Diante disso, João permaneceu com
o uniforme do presídio durante todo o seu julgamento.
Ao final, ele foi condenado pelos
jurados.
O réu interpôs apelação alegando
nulidade pelo fato de não ter sido permitido que ele usasse suas próprias
roupas, em vez do uniforme do sistema carcerário.
O Tribunal de Justiça negou
provimento à apelação.
A defesa impetrou habeas corpus
junto ao STJ insistindo na tese de nulidade por ofensa à ampla defesa.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
SIM.
O Tribunal do Júri é o juiz
natural e soberano para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo
instituição que desempenha o exercício direto da participação da sociedade no
Poder Judiciário, nos termos preceituados no art. 5º, XXXVIII, da Constituição
Federal.
O conselho de sentença, no uso de
suas prerrogativas constitucionais, adota o sistema da íntima convicção, no
tocante à valoração das provas, de forma que “a decisão do tribunal do júri,
soberana, é regida pelo princípio da livre convicção, e não pelo art. 93, IX,
da CF.” (HC n. 82.023/RJ, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ
de 7/12/2009).
Na visão da doutrina, o tribunal
do júri é um ritual, ou seja “a instituição da sociedade existe enquanto
materialização desse magma de significações imaginárias sociais, traduzível por
meio do simbólico. A relação dos agentes sociais com a realidade (que aparece)
é intermediada por um mundo de significações” (STRECK, Lenio Luiz. Tribunal
do Júri: símbolos e rituais. 44ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001). Em suma, o ritual e seus simbolismos serão levados em conta pelo jurado,
juiz natural do júri, para tomar a decisão final.
Partindo de tais premissas, no
caso, verifica-se que o acusado foi submetido a julgamento pelo conselho de
sentença com a utilização do uniforme prisional. Contudo, constata-se que a
decisão que indeferiu o pedido da defesa para apresentação do réu com roupas
civis em plenário não apontou um risco concreto de fuga especificamente do
acusado, mas apenas de modo geral e hipotético, devido à insuficiência de
vigilância no fórum.
A utilização de roupas sociais
pelo réu durante seu julgamento pelo tribunal do júri é um direito e não traria
qualquer insegurança ou perigo, tendo em vista a existência de ostensivo
policiamento nos fóruns do estado.
O indeferimento do pleito da
defesa de troca do uniforme prisional para vestimentas civis, sem nenhum
fundamento legítimo, configura violação aos princípios fundamentais,
acarretando influência em sua condenação. Deve ser possibilitado aos julgadores
um olhar de imparcialidade e serenidade para com o réu, através da abolição de
qualquer símbolo de culpa, tal como a vestimenta carcerária, que constrói, por
óbvio, um estigma sociocultural de culpado em torno do custodiado,
influenciando de forma indevida o ânimo dos jurados.
Ressalte-se,
ainda, que é possível a utilização das Regras de Mandela ao caso concreto
(Regra 19), que dispõe:
Regra 19:
(...)
3. Em circunstâncias
excepcionais, sempre que um preso se afastar do estabelecimento prisional, por
motivo autorizado, deverá ter permissão de usar suas próprias roupas ou outra
que seja discreta (o
acórdão mencionou expressamente a Regra 19.3).
As “Regras de
Mandela” são um conjunto de diretrizes promulgadas pela Assembleia Geral das
Nações Unidas para a gestão do tratamento de prisioneiros.
O STJ já se manifestou no sentido
de que “havendo razoabilidade mínima no pleito da defesa, como se vislumbra do
pedido pela apresentação do réu em Plenário com roupas civis, resta eivada de
nulidade a decisão que genericamente o indefere.” (STJ. 5ª Turma. RMS
60.575/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 19/8/2019).
Em suma:
É nula a decisão que, genericamente, indefere o
pedido de apresentação do réu em plenário do júri com roupas civis.
STJ. 5ª Turma. HC 778.503-MG, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em
12/3/2024 (Info 804).