Imagine a seguinte situação
hipotética:
A empresa Alfa Ltda adquiriu um
terreno para ali construir um posto de combustível.
O imóvel, segundo estudos
preliminares, está localizado em uma Área de Preservação Permanente (APP),
próximo a uma nascente subterrânea que alimenta um dos rios que cortam o
município.
Mesmo com essa informação, o
Instituto Ambiental estadual – uma autarquia estadual – concedeu a licença para
a construção do posto sob o argumento de que a nascente está canalizada e não
haveria impacto significativo no meio ambiente.
O Ministério Público não
concordou e ingressou com ação civil pública contra a empresa, o instituto
ambiental e os sócios da pessoa jurídica argumentando que a instalação do posto
de combustível em uma APP contraria as leis ambientais. O Parquet pediu:
• a paralisação das obras;
• a demolição das instalações já
construídas; e
• a recuperação da área afetada.
Sentença e acórdão do TJ
foram contrários ao MP
O juiz julgou os pedidos
improcedentes sob o argumento de que não foram produzidas provas da ilegalidade
de localização e instalação da empresa, diante do fato de que a licença foi
concedida muito antes da instalação do empreendimento.
Além disso, o magistrado alegou
que, antes da instalação do posto de gasolina, já havia sido concedida licença
ambiental para um outro empreendimento que funcionou no local. Assim, não foi o
posto de gasolina que teria provocado danos ambientais considerando que a área
já estava degradada.
A sentença foi mantida pelo
Tribunal de 2ª instância.
Ainda inconformado, o Ministério
Público interpôs recurso especial.
O que decidiu o STJ?
O STJ decidiu pela suspensão das
instalações e operações do posto de combustível, ordenando a desocupação e a
demolição das edificações.
Também determinou que todos os
réus fossem responsabilizados pela reparação dos danos ambientais causados.
Principais argumentos
O Tribunal de origem
contraditoriamente reconheceu que houve a instalação do empreendimento em área
de preservação permanente, porém, acabou por entender que, como a área já
estava degradada, deveriam ser mantidas as construções.
A consolidação da intervenção na
área de preservação permanente - antropização - não justifica, todavia, que
seja mantida a situação lesiva ao meio ambiente. Isso porque não existe direito
adquirido a poluir.
Nesse sentido:
A antropização consolidada da área não autoriza a permanência de
construções irregulares, erigidas à revelia do poder pública, com danos
ambientais inequivocamente afirmado na origem. Inexiste direito adquirido de
degradar o meio ambiente.
STJ. 2ª Turma. AgInt
no REsp 1.911.922/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/9/2021.
Antropização
refere-se ao processo pelo qual ambientes naturais são modificados pela ação ou
pela presença humana, resultando em alterações significativas nas paisagens e
nos ecossistemas. Este termo deriva do grego “anthropos”, que significa “humano”,
indicando que as transformações são consequência das atividades humanas.
Vale ressaltar, ainda, que é
irrelevante o fato de a área já ter sido degradada anteriormente por outra
empresa que era a antiga proprietária do imóvel. Isso porque a obrigação de
recuperar o meio ambiente é de natureza propter rem, nos termos do art.
2º, § 2º, do atual Código Florestal e da Súmula do STJ (Enunciado n. 623: “As
obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las
do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.”).
Em suma:
A antropização consolidada de área degradada não
autoriza a permanência de construções irregulares, erigidas à revelia do poder
público, inexistindo direito adquirido de degradar o meio ambiente.
STJ. 2ª
Turma. REsp 1.877.192-PR, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 9/11/2023
(Info 17 – Edição Extraordinária).
A violação das regras protetivas
do meio ambiente atrai a responsabilidade objetiva, informada pela teoria do
risco integral, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, com presunção
do prejuízo causado ao meio ambiente (dano in re ipsa), ensejando o dever de
indenizar.