Dizer o Direito

quinta-feira, 18 de abril de 2024

O que é a antropização? Ela justifica que seja mantida a situação lesiva ao meio ambiente?

Imagine a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa Ltda adquiriu um terreno para ali construir um posto de combustível.

O imóvel, segundo estudos preliminares, está localizado em uma Área de Preservação Permanente (APP), próximo a uma nascente subterrânea que alimenta um dos rios que cortam o município.

Mesmo com essa informação, o Instituto Ambiental estadual – uma autarquia estadual – concedeu a licença para a construção do posto sob o argumento de que a nascente está canalizada e não haveria impacto significativo no meio ambiente.

O Ministério Público não concordou e ingressou com ação civil pública contra a empresa, o instituto ambiental e os sócios da pessoa jurídica argumentando que a instalação do posto de combustível em uma APP contraria as leis ambientais. O Parquet pediu:

• a paralisação das obras;

• a demolição das instalações já construídas; e

• a recuperação da área afetada.

 

Sentença e acórdão do TJ foram contrários ao MP

O juiz julgou os pedidos improcedentes sob o argumento de que não foram produzidas provas da ilegalidade de localização e instalação da empresa, diante do fato de que a licença foi concedida muito antes da instalação do empreendimento.

Além disso, o magistrado alegou que, antes da instalação do posto de gasolina, já havia sido concedida licença ambiental para um outro empreendimento que funcionou no local. Assim, não foi o posto de gasolina que teria provocado danos ambientais considerando que a área já estava degradada.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de 2ª instância.

Ainda inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial.

 

O que decidiu o STJ?

O STJ decidiu pela suspensão das instalações e operações do posto de combustível, ordenando a desocupação e a demolição das edificações.

Também determinou que todos os réus fossem responsabilizados pela reparação dos danos ambientais causados.

 

Principais argumentos

O Tribunal de origem contraditoriamente reconheceu que houve a instalação do empreendimento em área de preservação permanente, porém, acabou por entender que, como a área já estava degradada, deveriam ser mantidas as construções.

A consolidação da intervenção na área de preservação permanente - antropização - não justifica, todavia, que seja mantida a situação lesiva ao meio ambiente. Isso porque não existe direito adquirido a poluir.

Nesse sentido:

A antropização consolidada da área não autoriza a permanência de construções irregulares, erigidas à revelia do poder pública, com danos ambientais inequivocamente afirmado na origem. Inexiste direito adquirido de degradar o meio ambiente.

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.911.922/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/9/2021.

 

Antropização refere-se ao processo pelo qual ambientes naturais são modificados pela ação ou pela presença humana, resultando em alterações significativas nas paisagens e nos ecossistemas. Este termo deriva do grego “anthropos”, que significa “humano”, indicando que as transformações são consequência das atividades humanas.

 

Vale ressaltar, ainda, que é irrelevante o fato de a área já ter sido degradada anteriormente por outra empresa que era a antiga proprietária do imóvel. Isso porque a obrigação de recuperar o meio ambiente é de natureza propter rem, nos termos do art. 2º, § 2º, do atual Código Florestal e da Súmula do STJ (Enunciado n. 623: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.”).

 

Em suma:

A antropização consolidada de área degradada não autoriza a permanência de construções irregulares, erigidas à revelia do poder público, inexistindo direito adquirido de degradar o meio ambiente. 

STJ. 2ª Turma. REsp 1.877.192-PR, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 9/11/2023 (Info 17 – Edição Extraordinária).

 

A violação das regras protetivas do meio ambiente atrai a responsabilidade objetiva, informada pela teoria do risco integral, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, com presunção do prejuízo causado ao meio ambiente (dano in re ipsa), ensejando o dever de indenizar.


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