OS VALORES DO FUNDO PARTIDÁRIO SÃO IMPENHORÁVEIS
Imagine a seguinte situação
hipotética:
A empresa de publicidade Alfa ajuizou ação de
cobrança contra o Partido Beta em virtude do não pagamento pela prestação de
serviços de marketing eleitoral realizados na campanha.
O pedido foi julgado procedente, determinando
o pagamento de R$ 3 milhões.
Como não houve pagamento voluntário após a
condenação, iniciou-se a fase de cumprimento de sentença.
O juiz determinou a busca pelo Sisbajud e a
quantia devida foi penhorada em uma conta bancária em nome do partido político.
Após a penhora, o partido apresentou
impugnação alegando que a conta bancária onde os valores foram penhorados é
utilizada exclusivamente para o recebimento de repasse oriundo do Fundo
Partidário e, portanto, trata-se de verba impenhorável.
Está correta a tese do partido?
SIM. O CPC estabelece um rol de bens que não podem ser
objeto de penhora. Dentre esses bens impenhoráveis, encontram-se previstos os
“recursos do fundo partidário”. Veja o que diz o art. 833, XI, do CPC/2015:
Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
XI - os recursos públicos do fundo
partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
O que é o fundo partidário?
O Fundo Partidário é um valor pago aos
partidos políticos para que estes se mantenham. Esse valor provém de várias
fontes. A maior parte desses recursos é oriunda do orçamento da União (isso
mesmo: a União dá dinheiro aos partidos políticos) e o restante vem de multas,
penalidades, doações e outros recursos financeiros previstos na lei.
Para que serve o dinheiro do
fundo partidário?
Segundo o art. 44 da Lei nº 9.096/95, os
recursos oriundos do Fundo Partidário serão utilizados pelos partidos políticos
para:
I - na manutenção das sedes e serviços do
partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, observado, do
total recebido, os seguintes limites:
a) 50% (cinquenta por cento) para o órgão
nacional;
b) 60% (sessenta por cento) para cada órgão
estadual e municipal;
II - na propaganda doutrinária e política;
III - no alistamento e campanhas eleitorais;
IV - na criação e manutenção de instituto ou
fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação
de, no mínimo, vinte por cento do total recebido.
V - na criação e manutenção de programas de
promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados
pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com
personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível
nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção
partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total;
VI - no pagamento de mensalidades, anuidades e
congêneres devidos a organismos partidários internacionais que se destinem ao
apoio à pesquisa, ao estudo e à doutrinação política, aos quais seja o partido
político regularmente filiado;
VII - no pagamento de despesas com
alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes;
VIII - na contratação de serviços de
consultoria contábil e advocatícia e de serviços para atuação jurisdicional em
ações de controle de constitucionalidade e em demais processos judiciais e
administrativos de interesse partidário, bem como nos litígios que envolvam
candidatos do partido, eleitos ou não, relacionados exclusivamente ao processo
eleitoral;
IX - (VETADO);
X - na compra ou locação de bens móveis e
imóveis, bem como na edificação ou construção de sedes e afins, e na realização
de reformas e outras adaptações nesses bens;
XI - no custeio de impulsionamento, para
conteúdos contratados diretamente com provedor de aplicação de internet com
sede e foro no País, incluída a priorização paga de conteúdos resultantes de
aplicações de busca na internet, inclusive plataforma de compartilhamento de
vídeos e redes sociais, mediante o pagamento por meio de boleto bancário, de
depósito identificado ou de transferência eletrônica diretamente para conta do
provedor, proibido, nos anos de eleição, no período desde o início do prazo das
convenções partidárias até a data do pleito.
Voltando ao exemplo hipotético:
A dívida contraída pelo Partido foi oriunda de
despesas realizadas com a campanha eleitoral. De acordo com o art. 44, III, os
recursos do Fundo Partidário são destinados ao pagamento de gastos com a
campanha eleitoral.
Diante disso, a empresa de publicidade alegou
o seguinte: ora, se a própria Lei afirma que os recursos do Fundo Partidário
são utilizados para pagamento de despesas eleitorais isso significa que, se a
execução estiver cobrando o pagamento de despesas eleitorais, então, neste
caso, seria possível a penhora das verbas do Fundo Partidário.
Essa tese da empresa de
publicidade foi aceita pelo STJ? É possível a penhora dos recursos do Fundo
Partidário se a execução estiver cobrando alguma das despesas do art. 44 da Lei
n 9.096/95?
NÃO. A tese não foi aceita. O STJ decidiu que:
Os recursos do Fundo Partidário são impenhoráveis, inclusive na
hipótese em que a origem do débito esteja relacionada às atividades previstas
no art. 44 da Lei nº 9.096/95.
O CPC não faz essa distinção, não sendo permitido que seja
realizada pelo intérprete.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.474.605-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 7/4/2015 (Info 562).
STJ. 4ª Turma. REsp 1891644/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 06/10/2020.
O Tribunal Superior Eleitoral, em precedentes
recentes, admitiu a mitigação da regra da impenhorabilidade do fundo partidário
nas situações em que a Justiça Eleitoral constata a malversação dos recursos de
mesma natureza, a fim de garantir a efetividade de suas decisões (TSE, EDcl no
REspe 060021630, DJE de 04/10/2023; TSE, REspe 060021630, DJe de 30/03/2023).
O PARTIDO POLÍTICO PODE RENUNCIAR À IMPENHORABILIDADE DO
FUNDO PARTIDÁRIO, DESDE QUE PARA O PAGAMENTO DE DÍVIDA DO ART. 44 DA LEI
9.096/95
Imagine outra situação
hipotética:
A empresa de publicidade Alfa ajuizou ação de
cobrança contra o Partido em virtude do não pagamento pela prestação de
serviços de marketing eleitoral realizados na campanha.
Houve acordo entre as partes. O
partido político reconheceu a dívida e se obrigou a pagar a quantia faltante em
30 parcelas mensais, mediante o repasse de parte do fundo partidário recebido
mensalmente pelo Diretório Estadual.
Previsão no acordo de que o
partido renunciava a impenhorabilidade do fundo partidário
Ficou consignado no acordo que,
em caso de inadimplemento, além do vencimento antecipado e da incidência de
multa, o partido devedor renunciava a impenhorabilidade do fundo partidário.
Assim, no acordo ficou expressamente previsto que, havendo inadimplemento,
seria possível a penhora dos recursos recebidos pelo partido do fundo
partidário.
As partes pediram a homologação
do acordo pelo juiz.
O magistrado recusou-se a
homologar o acordo alegando que os recursos do fundo partidário possuem
natureza pública e que não é possível que o partido renunciasse à garantia de
sua impenhorabilidade.
Agiu corretamente o juiz?
NÃO.
Na primeira parte da explicação,
vimos que os recursos do fundo partidário têm natureza pública, razão pela qual
são impenhoráveis (art. 833, XI, do CPC). Além disso, eles somente podem ser
destinados para as despesas previstas no art. 44 da Lei nº 9.096/95. Em outras
palavras, são verbas com vinculação específica.
Vale ressaltar, contudo, que a
natureza pública dos recursos do fundo partidário não os torna indisponíveis,
já que os partidos podem dispor dessas verbas em conformidade com aquilo que é
previsto na lei.
Assim, o partido político pode
renunciar à proteção da impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário,
desde que o faça para viabilizar o pagamento de dívida contraída para os fins
previstos no art. 44 da Lei nº 9.096/95.
No caso concreto, no curso da
ação de cobrança, as partes celebraram acordo, no qual o partido renunciou à
impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário na hipótese de
descumprimento da avença. Considerando que a dívida se enquadra no disposto no
art. 44, II, da Lei nº 9.096/95 (“propaganda doutrinária e política”), a
renúncia é válida.
Em suma:
O partido político pode renunciar à impenhorabilidade
dos recursos do fundo partidário, desde que o faça para viabilizar o pagamento
de dívida contraída, conforme art. 44 da Lei nº 9.096/95.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.101.596-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/3/2024 (Info
804).