Dizer o Direito

sexta-feira, 19 de abril de 2024

O comprador da suposta influência é sujeito ativo do crime de exploração de prestígio?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é sócio da empresa Alfa, que ajuizou uma ação milionária contra uma empresa concorrente.

Em uma ligação telefônica interceptada com ordem judicial, João aparece conversando com Antônio, um juiz aposentado muito conhecido na cidade.

João expôs a situação do processo e Antônio disse que era muito amigo do juiz responsável pelo caso e que poderia influenciá-lo para julgar favoravelmente à autora.

Para fazer isso, Antônio solicitou R$ 100 mil.

João efetuou o pagamento e ficou posteriormente demonstrado que Antônio não era amigo do juiz que estava com o processo e que nunca conversou com ele a respeito.

João e Antônio foram denunciados pelo crime de exploração de prestígio, delito previsto no art. 357 do Código Penal:

Art. 357. Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Parágrafo único. As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.

 

O MP afirmou que Antônio foi autor do crime e João partícipe do crime.

A denúncia foi recebida.

João impetrou habeas corpus argumentando que a sua conduta foi penalmente atípica, considerando que também foi vítima, tendo sido enganado por falsa promessa de influência sobre decisão judicial, o que lhe custou prejuízo econômico.

Alegou que não poderia ser considerado coautor ou partícipe do crime de exploração de prestígio, pois figuraria como sujeito passivo secundário, ou seja, como vítima da cilada perpetrada pelo outro denunciado.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

 

Em que consiste o crime de exploração de prestígio?

O crime de exploração de prestígio, basicamente, ocorre quando alguém pede ou recebe dinheiro (ou qualquer outra coisa de valor) prometendo usar sua suposta influência sobre pessoas que exercem uma função dentro do sistema de justiça — como juízes, jurados, promotores, e outros funcionários — para beneficiar quem está pagando. É como se alguém vendesse a ideia de que tem uma conexão especial que pode ajudar em um processo judicial ou em qualquer situação que envolva o sistema de justiça, mesmo quando essa conexão não existe de fato.

O importante aqui é entender que o crime está na promessa de influenciar decisões ou ações dessas autoridades, independentemente de o agente realmente ter ou não a capacidade de fazer o que promete.

Além disso, a lei prevê que se o criminoso sugerir que parte do dinheiro (ou da vantagem) que está pedindo vai também para o funcionário do sistema de justiça que ele diz poder influenciar, a pena para esse crime aumenta.

Este delito prejudica a confiança na justiça, pois faz parecer que decisões judiciais podem ser compradas ou influenciadas por interesses privados.

 

Quem “compra” o prestígio não pratica o crime

Não se pode equiparar a conduta de quem “compra” o prestígio com a de quem “vende” esse suposto prestígio. Ao fazer essa equiparação, o Ministério Público violou o princípio da legalidade considerando que o tipo penal não prevê isso.

Antônio agiu como um “vendedor de fumaça” (venditio fumi), ou seja, como alguém que vendeu uma ilusão, uma promessa vazia. Ele alegou influência para influenciar no resultado do processo, em troca de pagamento, mas, na verdade, essa influência não existia. Sua conduta se amolda perfeitamente ao tipo penal do art. 357 do CP.

João, por outro lado, foi um “comprador de fumaça” que consiste em uma vítima secundária do crime, conforme explicava Magalhães Noronha ao comentar quem são os sujeitos passivos do crime de exploração de prestígio:

“Sujeito passivo é o Estado, pois ofendida é a administração pública [rectius: da Justiça]. Secundariamente é também vítima o comprador de prestígio, mas prestígio vão, fraudulento e inexistente. É ele que sofre prejuízo concreto ou material, com a vantagem obtida pelo vendedor de fumo. Dá-se aqui o que se passa na fraude bilateral, no estelionato [...] Não obstante a conduta ilícita do comprador de influência, não pode ele ser também sujeito ativo do crime, como alguns pretendem, conquanto sua conduta seja imoral. Realmente, ele se crê agente de um crime de corrupção em co-autoria com o vendedor de prestígio, mas dito crime não existe, é putativo. E co-autor do presente delito também não será, porque, conquanto de certa maneira ele concorre para o descrédito administrativo, não pode ser co-partícipe de obter vantagem quem a dá ou dela se despoja. Como escreve Manzini, 'enquanto um quer vender fumo, o outro quer e supõe, ao contrário, comprar um assado'” (NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Volume 4. São Paulo. Ed. Saraiva, 2003, págs. 325/326).

 

Em suma:

O comprador da suposta influência não é sujeito ativo do crime de exploração de prestígio. 

STJ. 6ª Turma. RHC 55.940-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 4/9/2018 (Info 17 – Edição Extraordinária).


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