Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é sócio da empresa Alfa, que
ajuizou uma ação milionária contra uma empresa concorrente.
Em uma ligação telefônica
interceptada com ordem judicial, João aparece conversando com Antônio, um juiz
aposentado muito conhecido na cidade.
João expôs a situação do processo
e Antônio disse que era muito amigo do juiz responsável pelo caso e que poderia
influenciá-lo para julgar favoravelmente à autora.
Para fazer isso, Antônio
solicitou R$ 100 mil.
João efetuou o pagamento e ficou
posteriormente demonstrado que Antônio não era amigo do juiz que estava com o
processo e que nunca conversou com ele a respeito.
João e Antônio foram denunciados
pelo crime de exploração de prestígio, delito previsto no art. 357 do Código
Penal:
Art. 357. Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra
utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público,
funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um terço, se o
agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a
qualquer das pessoas referidas neste artigo.
O MP afirmou que Antônio foi
autor do crime e João partícipe do crime.
A denúncia foi recebida.
João impetrou habeas corpus
argumentando que a sua conduta foi penalmente atípica, considerando que também
foi vítima, tendo sido enganado por falsa promessa de influência sobre decisão
judicial, o que lhe custou prejuízo econômico.
Alegou que não poderia ser
considerado coautor ou partícipe do crime de exploração de prestígio, pois
figuraria como sujeito passivo secundário, ou seja, como vítima da cilada perpetrada
pelo outro denunciado.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
SIM.
Em que consiste o crime de
exploração de prestígio?
O crime de exploração de
prestígio, basicamente, ocorre quando alguém pede ou recebe dinheiro (ou
qualquer outra coisa de valor) prometendo usar sua suposta influência sobre
pessoas que exercem uma função dentro do sistema de justiça — como juízes,
jurados, promotores, e outros funcionários — para beneficiar quem está pagando.
É como se alguém vendesse a ideia de que tem uma conexão especial que pode
ajudar em um processo judicial ou em qualquer situação que envolva o sistema de
justiça, mesmo quando essa conexão não existe de fato.
O importante aqui é entender que
o crime está na promessa de influenciar decisões ou ações dessas autoridades,
independentemente de o agente realmente ter ou não a capacidade de fazer o que
promete.
Além disso, a lei prevê que se o
criminoso sugerir que parte do dinheiro (ou da vantagem) que está pedindo vai
também para o funcionário do sistema de justiça que ele diz poder influenciar,
a pena para esse crime aumenta.
Este delito prejudica a confiança
na justiça, pois faz parecer que decisões judiciais podem ser compradas ou
influenciadas por interesses privados.
Quem “compra” o prestígio
não pratica o crime
Não se pode equiparar a conduta
de quem “compra” o prestígio com a de quem “vende” esse suposto prestígio. Ao
fazer essa equiparação, o Ministério Público violou o princípio da legalidade considerando
que o tipo penal não prevê isso.
Antônio agiu como um “vendedor de
fumaça” (venditio fumi), ou seja, como alguém que vendeu uma ilusão, uma
promessa vazia. Ele alegou influência para influenciar no resultado do
processo, em troca de pagamento, mas, na verdade, essa influência não existia.
Sua conduta se amolda perfeitamente ao tipo penal do art. 357 do CP.
João, por outro lado, foi um “comprador de fumaça” que
consiste em uma vítima secundária do crime, conforme explicava Magalhães
Noronha ao comentar quem são os sujeitos passivos do crime de exploração de
prestígio:
“Sujeito
passivo é o Estado, pois ofendida é a administração pública [rectius: da
Justiça]. Secundariamente
é também vítima o comprador de prestígio, mas prestígio vão, fraudulento e
inexistente. É ele que sofre prejuízo concreto ou material, com a
vantagem obtida pelo vendedor de fumo. Dá-se aqui o que se passa na fraude
bilateral, no estelionato [...] Não obstante a conduta ilícita do comprador de
influência, não pode ele ser também sujeito ativo do crime, como alguns
pretendem, conquanto sua conduta seja imoral. Realmente, ele se crê agente de
um crime de corrupção em co-autoria com o vendedor de prestígio, mas dito crime
não existe, é putativo. E co-autor do presente delito também não será, porque,
conquanto de certa maneira ele concorre para o descrédito administrativo, não
pode ser co-partícipe de obter vantagem quem a dá ou dela se despoja. Como
escreve Manzini, 'enquanto um quer vender fumo, o outro quer e supõe, ao
contrário, comprar um assado'” (NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Volume 4.
São Paulo. Ed. Saraiva, 2003, págs. 325/326).
Em suma:
O comprador da suposta influência não é sujeito ativo
do crime de exploração de prestígio.
STJ. 6ª Turma. RHC 55.940-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
julgado em 4/9/2018 (Info 17 – Edição Extraordinária).