Imagine a seguinte situação hipotética:
Regina e Ângela vivem em união estável homoafetiva.
Elas decidiram ter um filho por meio de inseminação
artificial.
Regina doou o óvulo e o embrião foi implantado em sua
companheira Ângela, que ficou grávida.
Ângela é considerada como a mãe gestante enquanto Regina
é a mãe não gestante.
Regina é servidora pública municipal. Ela requereu
licença-maternidade do Município, mas o pedido foi indeferido. A Administração
Pública argumentou que ela não ficou gestante nem deu à luz e, portanto, não
poderia gozar da licença-maternidade.
Inconformada, Regina ingressou com ação contra o
Município pedindo a concessão da licença-maternidade.
A discussão chegou até o STF. Regina tem direito à
licença-maternidade?
SIM.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os casais
formados por pessoas do mesmo sexo devem receber a mesma proteção dada pela
Constituição às famílias formadas por casais heteroafetivos (ADI 4.277 e ADPF
132, rel. Min. Ayres Britto, julgado em 05/05/2011).
Além disso, a jurisprudência do STF adotou interpretação
não reducionista do conceito de família, incorporando uma concepção plural,
baseada em vínculos afetivos. Isso em homenagem aos princípios da dignidade da
pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como à doutrina da
proteção integral da criança e do adolescente.
Nesse contexto, o Estado tem o dever de assegurar
especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação
ou da configuração familiar.
A licença-maternidade é um benefício previdenciário
destinado à proteção da maternidade e da infância, motivo pelo qual também deve
ser garantido à mãe não gestante.
Negar esse benefício à mãe não gestante ofende o
princípio constitucional da isonomia considerando que o ordenamento jurídico
confere licença-paternidade aos pais que adotam uma criança. Além disso, ao se
negar a licença quem também está sendo prejudicada é a criança, de forma que se
observa uma violação ao princípio do melhor interesse do menor.
Qual é o tempo de duração da licença-maternidade concedida
à mãe não gestante?
Depende:
• Se a mãe gestante tiver recebido licença-maternidade:
neste caso, a mãe não gestante terá direito à licença-maternidade com a mesma
duração da licença-paternidade (5 dias*).
• Se a mãe gestante não tiver recebido
licença-maternidade: neste caso, a mãe não gestante terá direito à
licença-maternidade com prazo integral (120 dias**).
Ex1: suponhamos que Ângela, mulher que gestou a criança,
era uma arquiteta autônoma e afirmou não ter condições/interesse de parar de
trabalhar para ficar exclusivamente cuidando do bebê. Diante disso, não tirou licença-maternidade.
Neste caso, Regina, mãe não gestante, terá direito à licença-maternidade de 120
dias.
Ex2: imaginemos situação diferente agora. Ângela, mulher
que gestou a criança, era servidora pública estadual. Foi a ela deferida
licença-maternidade de 180 dias (conforme previsão na lei estadual). Neste
caso, Regina, mãe não gestante, terá direito à licença-maternidade de 5 ou 20
dias (conforme previsão ne legislação).
Entendimento se aplica para a iniciativa privada ou para
a Administração Pública
Vale ressaltar que o entendimento acima explicado se
aplica tanto para mães não gestantes que sejam servidoras públicas como também
para mães não gestantes que sejam empregadas da iniciativa privada.
Entendimento se aplica também para casamento
O STF, na tese fixada, falou em união estável
homoafetiva. Contudo, o entendimento se aplica também para a hipótese de
casamento homoafetivo.
Em suma:
Na hipótese
de gravidez em união homoafetiva, a mãe servidora pública ou trabalhadora do
setor privado não gestante faz jus à licença-maternidade ou, quando a sua
companheira já tenha utilizado o benefício, a prazo análogo ao da
licença-paternidade.
STF. Plenário.
RE 1.211.446/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/03/2024 (Repercussão Geral –
Tema 1.072) (Info 1128).
Foi fixada a seguinte tese sobre o tema:
A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união
homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira
tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da
licença-paternidade.
STF. Plenário.
RE 1.211.446/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/03/2024 (Repercussão Geral –
Tema 1.072) (Info 1128).
Observações:
* O prazo da licença-paternidade é de 5 dias, de acordo
com o que está estabelecido no art. 10, § 1º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT). No entanto, a Lei nº 13.257/2016 prevê a
possibilidade de prorrogação desse prazo para um total de 20 dias. Para que
essa prorrogação ocorra, a empresa na qual o pai trabalha deve aderir ao
programa “Empresa Cidadã”, conforme é disciplinado pela Lei nº 11.770/2008. Na
Administração Pública a extensão para 20 dias também é possível e depende de
lei ou regulamentação interna do órgão ou entidade.
** O prazo da licença-maternidade é de 120 dias como
regra geral, conforme estabelecido no art. 7º, XVIII, da CF/88. No entanto, foi
mencionado que existe um programa chamado “Empresa Cidadã”, criado em 2008
através da Lei nº 11.770/2008, que permite às empresas concederem uma
licença-maternidade estendida de 180 dias para suas empregadas que se tornaram
mães. Na Administração Pública a extensão para 180 dias também é possível e
depende de lei ou regulamentação interna do órgão ou entidade.