Espécies de bem de família
No Brasil, atualmente, existem duas espécies
de bem de família:
a) bem de família convencional ou voluntário
(arts. 1711 a 1722 do Código Civil);
b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90).
Bem de família legal
O bem de família legal consiste no imóvel
residencial próprio do casal ou da entidade familiar.
Considera-se residência um único imóvel
utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Na hipótese de o casal, ou entidade familiar,
ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade
recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse
fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família
convencional).
Proteção conferida ao bem de
família legal
O bem de família legal é impenhorável e não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus
proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nos incisos do art.
3º da Lei nº 8.009/90:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível
em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou
de outra natureza, salvo se movido:
I - Revogado pela Lei Complementar nº
150, de 2015
II - pelo titular do crédito
decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no
limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor da pensão
alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que,
com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em
que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV - para cobrança de impostos,
predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel
familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o
imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com
produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de
fiança concedida em contrato de locação.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Regina contratou Maísa, arquiteta, para que a
profissional elaborasse o projeto e ficasse responsável pela coordenação e
execução da reforma do seu apartamento.
A contratante combinou de pagar R$ 10 mil à Maísa, que
seriam, ainda, acrescidos de 10% do valor total da obra.
Maísa prestou os serviços, mas Regina não efetuou o
pagamento.
Diante disso, a arquiteta ajuizou ação de cobrança contra
Regina exigindo o pagamento de R$ 28 mil.
O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado.
A autora iniciou o cumprimento de sentença.
Como não foram encontrados bens ou créditos em nome da
executada para satisfazer a dívida, a exequente requereu a penhora do próprio apartamento
de Regina, local onde ela reside, no qual foi realizada a reforma.
A penhora foi deferida pelo Juízo.
A executada recorreu alegando que:
- o apartamento penhorado é bem de
família, protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90;
- as regras que excepcionam a
impenhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente; e
- a prestação de serviços de
reforma e decoração residencial não autoriza o afastamento da proteção
conferida ao imóvel.
A questão chegou até o STJ. A penhora sobre o
imóvel foi mantida?
SIM.
A impenhorabilidade do bem de família não é absoluta.
O próprio art. 3º da Lei nº 8.009/90 prevê uma lista de
exceções à impenhorabilidade.
O inciso II do art. 3º afirma que, se o devedor tomou
dinheiro emprestado para financiar a construção ou a aquisição do imóvel, o
credor (que emprestou essa quantia) poderá pedir a penhora do bem de família do
mutuário:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível
em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou
de outra natureza, salvo se movido:
(...)
II - pelo titular do crédito
decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no
limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
Verifica-se, portanto, que a situação descrita no inciso II
do art. 3º não é idêntica ao caso acima narrado.
O STJ, no entanto, afirmou que, mesmo assim, é possível
aplicar o raciocínio do inciso II para essa hipótese.
Ao se analisar o art. 3º, II, da
Lei nº 8.009/90, percebe-se que a finalidade da norma foi a de coibir que o
devedor use a regra da impenhorabilidade do bem de família como um escudo para impedir
a satisfação de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do
próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o
próprio bem.
Portanto, a dívida relativa a
serviços de reforma residencial pode se enquadrar na referida exceção.
No inciso II do art. 3º o legislador
demonstrou a preocupação de impedir que o benefício legal fosse deturpado e que
o proprietário se utilizasse do serviço de terceiros para adquirir, construir
ou melhorar o bem de família sem pagar a contraprestação devida.
Em suma:
É possível a penhora do bem de família para assegurar
o pagamento de dívida contraída para reforma deste imóvel.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.082.860-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/2/2024 (Info
800).
DOD Plus – julgados relacionados
O crédito oriundo de contrato de empreitada para a
construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções
legais à impenhorabilidade do bem de família
O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção,
ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à
impenhorabilidade do bem de família.
Ex: João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar
ali com a família. Ele contratou a empresa FB Engenharia para fazer a reforma.
A empresa terminou o serviço e João passou a residir no local. Ocorre que ele
não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo R$ 40
mil, materializado em notas promissórias. O imóvel onde João reside poderá ser
penhorado para pagar a dívida, sendo essa uma exceção à impenhorabilidade do
bem de família. Fundamento: art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90.
STJ. 4ª Turma. REsp 1221372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado
em 15/10/2019 (Info 658).
Admite-se a penhora do bem de família para saldar o
débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a
construção do próprio imóvel
Exemplo hipotético: João tinha um terreno vazio e contratou uma
construtora para edificar uma casa no local. O contrato celebrado foi do tipo
“empreitada global”, ou seja, a empresa foi contratada para construir a casa
fornecendo todo o material necessário. A casa foi entregue, mas João deixou de
pagar as últimas parcelas do contrato. Diante disso, a empresa ajuizou execução
contra o devedor e o juiz determinou a penhora da casa, mesmo sendo bem de
família. Isso é permitido com base na inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90:
O intuito do legislador ao prever a exceção legal ora tratada
foi o de evitar que aquele que contribuiu para a aquisição ou construção do
imóvel ficasse impossibilitado de receber o seu crédito. Nesse cenário, é
nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do
benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a
aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem
nenhuma contrapartida, à custa de terceiros.
STJ. 3ª Turma. REsp 1976743-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 08/03/2022 (Info 728).