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domingo, 10 de março de 2024

É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívida contraída para reforma deste imóvel

Espécies de bem de família

No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família:

a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil);

b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90).

 

Bem de família legal

O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar.

Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).

 

Proteção conferida ao bem de família legal

O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nos incisos do art. 3º da Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Regina contratou Maísa, arquiteta, para que a profissional elaborasse o projeto e ficasse responsável pela coordenação e execução da reforma do seu apartamento.

A contratante combinou de pagar R$ 10 mil à Maísa, que seriam, ainda, acrescidos de 10% do valor total da obra.

Maísa prestou os serviços, mas Regina não efetuou o pagamento.

Diante disso, a arquiteta ajuizou ação de cobrança contra Regina exigindo o pagamento de R$ 28 mil.

O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado.

A autora iniciou o cumprimento de sentença.

Como não foram encontrados bens ou créditos em nome da executada para satisfazer a dívida, a exequente requereu a penhora do próprio apartamento de Regina, local onde ela reside, no qual foi realizada a reforma.

A penhora foi deferida pelo Juízo.

A executada recorreu alegando que:

- o apartamento penhorado é bem de família, protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90;

- as regras que excepcionam a impenhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente; e

- a prestação de serviços de reforma e decoração residencial não autoriza o afastamento da proteção conferida ao imóvel.

 

A questão chegou até o STJ. A penhora sobre o imóvel foi mantida?

SIM.

A impenhorabilidade do bem de família não é absoluta.

O próprio art. 3º da Lei nº 8.009/90 prevê uma lista de exceções à impenhorabilidade.

O inciso II do art. 3º afirma que, se o devedor tomou dinheiro emprestado para financiar a construção ou a aquisição do imóvel, o credor (que emprestou essa quantia) poderá pedir a penhora do bem de família do mutuário:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

 

Verifica-se, portanto, que a situação descrita no inciso II do art. 3º não é idêntica ao caso acima narrado.

O STJ, no entanto, afirmou que, mesmo assim, é possível aplicar o raciocínio do inciso II para essa hipótese.

Ao se analisar o art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90, percebe-se que a finalidade da norma foi a de coibir que o devedor use a regra da impenhorabilidade do bem de família como um escudo para impedir a satisfação de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem.

Portanto, a dívida relativa a serviços de reforma residencial pode se enquadrar na referida exceção.

No inciso II do art. 3º o legislador demonstrou a preocupação de impedir que o benefício legal fosse deturpado e que o proprietário se utilizasse do serviço de terceiros para adquirir, construir ou melhorar o bem de família sem pagar a contraprestação devida.

 

Em suma:

É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívida contraída para reforma deste imóvel. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.082.860-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/2/2024 (Info 800).

 

DOD Plus – julgados relacionados

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.

Ex: João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar ali com a família. Ele contratou a empresa FB Engenharia para fazer a reforma. A empresa terminou o serviço e João passou a residir no local. Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo R$ 40 mil, materializado em notas promissórias. O imóvel onde João reside poderá ser penhorado para pagar a dívida, sendo essa uma exceção à impenhorabilidade do bem de família. Fundamento: art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90.

STJ. 4ª Turma. REsp 1221372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

 

Admite-se a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a construção do próprio imóvel

Exemplo hipotético: João tinha um terreno vazio e contratou uma construtora para edificar uma casa no local. O contrato celebrado foi do tipo “empreitada global”, ou seja, a empresa foi contratada para construir a casa fornecendo todo o material necessário. A casa foi entregue, mas João deixou de pagar as últimas parcelas do contrato. Diante disso, a empresa ajuizou execução contra o devedor e o juiz determinou a penhora da casa, mesmo sendo bem de família. Isso é permitido com base na inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90:

O intuito do legislador ao prever a exceção legal ora tratada foi o de evitar que aquele que contribuiu para a aquisição ou construção do imóvel ficasse impossibilitado de receber o seu crédito. Nesse cenário, é nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros.

STJ. 3ª Turma. REsp 1976743-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info 728).


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