Dizer o Direito

domingo, 17 de março de 2024

É nula a modificação do meio de intimação eletrônica, durante a tramitação processual, sem aviso prévio

Formas mais comuns de intimação

As duas formas mais comuns de intimação atualmente são as seguintes:

a) Diário da Justiça eletrônico;

b) Intimação eletrônica (por meio de Portal Eletrônico – portal de intimações).

 

Essas duas espécies de intimação estão previstas na Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Judicial Eletrônico).

 

Diário da Justiça eletrônico (DJe)

É como se fosse o antigo Diário Oficial, no entanto, agora não mais em papel e sim por meio de um site que divulga as intimações em pdf ou página de internet (html).

Apenas para você entender melhor, é como se fosse o papel, porém agora veiculado na internet. Assim, todos os dias úteis é publicado um Diário Oficial com os números dos processos e os nomes dos advogados.

Encontra-se previsto no art. 4º da Lei nº 11.419/2006:

Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

(...)

§ 2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.

 

Intimação eletrônica (Portal de Intimação eletrônica – Portal Eletrônico)

É um sistema criado pelos Tribunais por meio do qual o advogado se cadastra em um site e, a partir daí, recebe intimações sobre os processos em que atua.

Foi disciplinado pelo art. 5º da Lei nº 11.419/2006:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

§ 1º Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização.

§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte.

§ 3º A consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.

§ 4º Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3º deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço.

§ 5º Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz.

§ 6º As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.

 

Diário Eletrônico de Justiça (art. 4º)

Portal Eletrônico (art. 5º)

Envolve a inserção da informação em diário publicado periodicamente. O servidor insere a informação no jornal eletrônico do Tribunal, o qual é disponibilizado, em regra, ao final do dia.

Implica o envio da comunicação por intermédio de um sistema eletrônico de controle de processos, cada vez mais utilizado no âmbito do Poder Judiciário.

A comunicação do ato processual ocorre “por dentro” do sistema informatizado.

O advogado, devidamente cadastrado, acessa o processo judicial eletrônico e é intimado.

Há regra específica segundo a qual a publicação do ato judicial é considerada no dia seguinte ao da disponibilização, marcando o começo dos prazos processuais.

Os prazos são contados com a exclusão do dia do começo e com a inclusão do dia do término.

Logo, o primeiro dia do prazo ocorre apenas no dia seguinte ao considerado como data da publicação.

Há um prazo de 10 dias para acesso à informação. Após o envio da intimação pelo processo judicial eletrônico, a parte tem 10 dias para consultar o teor da informação.

Caso consulte a informação dentro desse lapso temporal, o ato judicial será considerado publicado no dia da consulta, dando-se início ao cômputo do prazo a partir do primeiro dia subsequente.

Caso não consulte nos 10 dias previstos, a intimação será automática, de maneira que será considerada realizada na data do término desse prazo, independentemente de consulta, iniciando-se, a seguir, a contagem do prazo processual.

 

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:

Regina ajuizou ação contra Madalena.

A ação foi distribuída e regularmente processada.

Durante a tramitação do processo, todas as intimações dos advogados de ambas as partes ocorreram por meio do Portal Eletrônico.

Ao final, o pedido foi julgado procedente.

Inconformada, Madalena interpôs apelação.

Na peça recursal, o advogado de Madalena requereu que o julgamento ocorresse, no Tribunal de Justiça, de forma presencial (e não virtual), para que pudesse realizar sustentação oral.

Esse pedido do advogado foi acolhido pelo Desembargador Relator, que determinou a inclusão do feito em pauta de julgamento presencial.

O advogado de Madalena tomou conhecimento dessa decisão do Relator por meio de intimação realizada pelo Portal Eletrônico (assim como havia ocorrido durante todo o processo).

Em seguida, o advogado ficou acompanhando o Portal Eletrônico e aguardando a intimação da pauta com a data do julgamento.

No entanto, para surpresa do advogado de Madalena, três meses depois, a intimação que ele recebeu no Portal Eletrônico foi a de que o julgamento da apelação havia ocorrido na semana anterior e que o Tribunal de Justiça havia desprovido o recurso, confirmando a sentença.

Inconformado, o advogado de Madalena preparou e deu entrada em embargos de declaração. Alegou que ficou esperando ser intimado, no Portal Eletrônico, do dia da sessão de julgamento da apelação. Como não foi intimado dessa data, não conseguiu realizar sustentação oral, o que gerou prejuízos à parte.

Requereu a anulação do acórdão e a designação de nova data para o julgamento, com prévia intimação pelo Portal Eletrônico.

O TJ rejeitou os embargos de declaração sob o argumento de que houve sim intimação do advogado a respeito da data de julgamento da apelação, mas esta intimação se deu por meio do Diário da Justiça Eletrônico. O acórdão destacou, ainda, que a publicação exclusiva no Diário Eletrônico se traduz em meio idôneo de intimação, de modo que não haveria que falar em nulidade, mesmo porque não há, no CPC, previsão legal que comine nulidade por intimação realizada por meio diverso do Portal Eletrônico.

 

Resumindo o que aconteceu até aqui:

Durante todo o processo, a intimação foi feita por meio do Portal Eletrônico.

A intimação da data do julgamento da apelação, contudo, foi realizada por meio do Diário Eletrônico;

 

Essa mudança na forma de intimação gerou nulidade? Houve vício na intimação da pauta de julgamento, uma vez que, no curso do processo, todas as intimações se deram por meio do Portal Eletrônico e a publicação da pauta de julgamento foi a única comunicação que se deu por meio diverso (DJe)?

SIM.

A 4ª Turma do STJ anulou o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no recurso de apelação determinando que a Corte estadual proceda a novo julgamento com a devida intimação do advogado por meio do Portal eletrônico.

Os principais fundamentos do acórdão são os seguintes:

 

Modalidades de intimação eletrônica e a jurisprudência do STJ

São modalidades de intimação eletrônica tanto as realizadas por meio dos Portais de Sistemas Eletrônicos disponibilizados pelos Tribunais quanto as efetivadas através do Diário de Justiça eletrônico, a primeira prevista na Lei nº 11.419/2006 e, a segunda, no Código de Processo Civil.

Interpretando esses dois dispositivos legais, a Corte Especial do STJ, no julgamento do ARESP n. 1.663.952/RJ, consolidou entendimento no sentido de que  “sempre que a modalidade de intimação pelo Portal Eletrônico (art. 5º da Lei 11.419/2006) for prevista e aplicável em determinado Tribunal para os advogados devidamente cadastrados, deve esta prevalecer sobre a tradicional intimação pelo DJe” (STJ. Corte Especial. EAREsp 1663952-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19/05/2021. Info 697).

Importante ressaltar que, nesse julgamento da Corte Especial, a controvérsia versava sobre uma dupla intimação. Isso significa que a parte tinha sido intimada tanto pelo Portal Eletrônico, como também pelo DJe. Assim, a partir do entendimento supramencionado, a Corte Especial estabeleceu que, em caso de dupla intimação, deveria prevalecer a intimação realizada pelo Portal eletrônico. O STJ decidiu assim para garantir a credibilidade e a eficiência dos sistemas eletrônicos, privilegiar a boa-fé e a confiança dos operadores jurídicos nos sistemas informatizados do processo eletrônico, aí incluindo a expectativa do advogado cadastrado de que as intimações do processo em que atua sejam efetivadas por meio do respectivo portal, dentre outras.

 

Caso concreto é diferente

O caso concreto aqui tratando (envolvendo o advogado de Madalena) é diferente daquele enfrentado pela Corte Especial no EAREsp 1663952-RJ. Isso porque na situação aqui analisada não se trata de dupla intimação em modalidades eletrônicas diversas. O que ocorreu na hipótese em exame foi a intimação realizada exclusivamente no DJe, a despeito de todas as intimações anteriores e posteriores terem ocorrido pelo meio eletrônico.

Em outras palavras, o que estava em discussão não era a validade de outros tipos intimação e, sim, se, durante a tramitação processual, havendo opção dentre as modalidades eletrônicas citadas - intimação pelo Portal ou pelo Diário eletrônico -, os Tribunais poderiam optar por qualquer delas ou mesmo alternar as modalidades, ora fazendo-as através dos respectivos portais, ora através de disponibilização da publicação no Diário de Justiça eletrônico, sem qualquer justificativa para tanto.

 

Alternância dos meios de intimação x princípios da boa-fé processual e da não surpresa

No caso concreto, o advogado de Madalena efetuou o cadastramento, a fim de viabilizar o seu acesso ao sistema de processos eletrônicos do TJ, habilitando-o a receber a intimação por meio do Portal Eletrônico. Tanto isso é verdade que a intimação da decisão que determinou a retirada do processo da sessão virtual para inclusão em pauta presencial foi realizada através do Portal. Isso significa que todas as intimações referentes a esse processo deveriam se dar da mesma forma, qual seja, pelo Portal, não se justificando a modificação ou a alternância de meio, sem um motivo justificável. Quando o Tribunal de Justiça alterou, sem aviso prévio e sem motivo justificável, a forma de intimação, ele violou o princípio da boa-fé processual, da previsibilidade e da não surpresa.

Frise-se que pode haver necessidade de que determinada intimação seja feita por Oficial de Justiça ou por carta e que outras, sejam por meios eletrônicos (Portal ou DJe). A legislação processual civil e a Lei de processos eletrônicos coexistem harmonicamente. O que não se pode admitir é que, tramitando um processo por meio eletrônico, o advogado que se cadastrou e esteja apto no Portal eletrônico seja intimado por meio dessa modalidade e, sem notícia da indisponibilidade do sistema ou de qualquer outro problema que justifique a mudança, seja intimado exclusivamente através do Diário de Justiça eletrônico.

 

Do princípio da não surpresa x regramento legal

Assim, dadas as peculiaridades fáticas do presente caso, resta evidente que a intimação realizada pelo DJe não alcançou sua finalidade por ter sido feita em substituição à forma de intimação até então realizada, qual seja, a intimação eletrônica feita pelo Portal de Processo eletrônico. Houve, portanto, uma quebra do padrão das intimações dos atos processuais sem qualquer justificativa.

Essa alternância injustificada causa imprevisibilidade, gera descrédito nos sistemas eletrônicos, e, no caso, prejuízo para o jurisdicionado, já que seu advogado, que estava aguardando a intimação pelo Portal, não proferiu sustentação oral na sessão de julgamento, cuja data só foi tornada pública quando da disponibilização do Diário de Justiça eletrônico.

Ora, a prática do ato por modo diverso do até então realizado permite o entendimento de que ele não alcançou sua finalidade, que era a de dar ciência inequívoca ao receptor da informação (parte ou advogado). O defeito foi alegado na primeira oportunidade que a recorrente teve para se manifestar, qual seja, após a publicação do acórdão proferido na apelação.

O que se extrai dos atos judiciais é que, especificamente para aquele ato - a intimação da data do julgamento do recurso -, o TJ modificou a sistemática até então adotada e intimou a parte apenas pelo Diário de Justiça eletrônico.

 

Em suma:

É nula a modificação ou alternância do meio de intimação eletrônica (Portal ou Diário eletrônico) pelos Tribunais, durante a tramitação processual, sem aviso prévio, causando prejuízo às partes. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.018.319-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/2/2024 (Info 801).


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