Dizer o Direito

quinta-feira, 7 de março de 2024

As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/92 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado

A explicação desse julgado envolve três partes distintas:

1) Inicialmente, temos que entender o que o STF decidiu no Tema 1.199 de Repercussão Geral;

2) Em seguida, será necessário analisar as mudanças que a Lei nº 14.230/2021 promoveu no art. 11 da Lei nº 8.429/92, em especial a revogação do inciso I do art. 11;

3) Por fim, iremos examinar a decisão do STJ que afirmou que o raciocínio desenvolvido pelo STF no Tema 1.199 pode ser aplicado também para a revogação do inciso I do art. 11 da Lei de Improbidade.

 

PARTE 1: ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF NO TEMA 1.199

Lei nº 14.230/2021

A Lei nº 14.230/2021 promoveu a maior reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) desde que esse diploma foi editado.

No Tema 1199, julgado em 18/08/2022 o STF analisou dois pontos da Lei nº 14.230/2021:

1) a supressão da modalidade culposa de improbidade administrativa; e

2) a modificação das regras sobre prescrição.

 

O STF examinou principalmente se essas mudanças podem ser aplicadas retroativamente, ou não.

 

1º ponto: supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa

A partir a Lei nº 14.230/2021 (26/10/2021), deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.

• Antes da Lei nº 14.230/2021: os atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º, 10-A e 11 exigiam dolo. Havia, contudo, uma hipótese de improbidade que poderia ser praticada com culpa: o art. 10.

• Depois da Lei nº 14.230/2021: todos os atos de improbidade administrativa exigem dolo. Não existe mais a possibilidade de ser praticado ato administrativo com culpa.

 

Essa alteração retroage para absolver pessoas que já tenham sido condenadas com trânsito em julgado. Imagine que um indivíduo, antes da Lei nº 14.230/2021, tenha sido condenado definitivamente pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa. Essa alteração retroage e ele agora será considerado absolvido? Há uma espécie de abolitio?

NÃO.

O art. 5º, XXXVI, da CF/88 afirma que a lei não pode prejudicar (ofender) a coisa julgada.

Logo, o STF decidiu que:

Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/88, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei nº 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).

 

Se a condenação por ato de improbidade administrativa culposo já tiver transitado em julgado, a Lei nº 14.230/2021 não irá retroagir para “absolver” o condenado. E se o processo ainda estiver em curso? Imagine que Gustavo foi condenado por ato culposo de improbidade administrativa. Houve recurso para o Tribunal de Justiça. Antes que o recurso fosse julgado, entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021. Essa novidade deverá ser imediatamente aplicada?

SIM. Incide a Lei nº 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei nº 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado.

 

Isso significa Gustavo será obrigatoriamente absolvido?

NÃO. O juízo competente (em nosso exemplo, o TJ) não poderá mais manter a condenação por ato culposo de improbidade administrativa. Contudo, a condenação ainda poderá ser mantida se ficar comprovado que o sujeito agiu com dolo eventual. Logo, essa absolvição não é automática nem obrigatória.

Foi o que decidiu o STF:

Incide a Lei nº 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei nº 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).

 

Assim, diante da revogação expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente.

Entretanto, a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo:

• se houver culpa, não se prosseguirá com o feito;

• se houver dolo, pode prosseguir.

 

Essa medida é necessária porque, na vigência da Lei nº 8.429/92, como não se exigia a definição de dolo ou culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar qual era o elemento subjetivo do tipo.

Nesse contexto, todos os atos processuais até então praticados são válidos, inclusive as provas produzidas, as quais poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal, assim como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário.

 

2º ponto: mudanças promovidas pela Lei 14.230/2021 no regime de prescrição

A Lei nº 14.230/2021 previu novos prazos prescricionais e instituiu a possibilidade de prescrição intercorrente. Indaga-se: os prazos prescricionais previstos na Lei nº 14.230/2021 retroagem?

NÃO.

Os prazos prescricionais previstos na Lei nº 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26/10/2021).

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).

 

Isso se dá em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.

Com efeito, a inércia nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível, isto é, que, retroativamente, o poder público — que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes — cumpra algo até então inexistente.

Por outro lado, a teor do que decidido pela Corte no Tema 897 de repercussão geral, permanecem imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na LIA.

 

Teses fixadas pelo STF:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo — DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).

 

 

PARTE 2: MUDANÇAS NO ART. 11

A Lei nº 14.230/2021 alterou o art. 11 da Lei nº 8.429/92.

A principal mudança foi na natureza do rol do art. 11.

• Antes da Lei nº 14.230/2021: os atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 caracterizavam-se como um rol exemplificativo. Isso significa que, mesmo se a situação não se enquadrasse perfeitamente em um dos incisos do art. 11, ainda assim poderia ser ato de improbidade com base no caput do art. 11 desde que violasse qualquer princípio administrativo.

• Depois da Lei nº 14.230/2021: os atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 caracterizavam-se como um rol taxativo. Somente será considerado ato de improbidade com base no art. 11 se a situação se amoldar em uma das hipóteses dos incisos desse artigo. Não é mais possível dizer que houve ato de improbidade administrativa com base no caput do art. 11.

 

LEI Nº 8.429/92

Antes da Lei n.º 14.230/2021

Depois da Lei nº 14.230/2021

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

I - (revogado);

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

II - (revogado);

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei;

V - frustrar a licitude de concurso público;

 

V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; (...)

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (...)

IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.

IX - (revogado);

X - transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.               (Incluído pela Lei nº 13.650, de 2018).

X - (revogado);

Não havia previsão de mais incisos.

XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;

XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.

Não havia previsão de parágrafos.

§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.

§ 3º O enquadramento de conduta funcional na categoria de que trata este artigo pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas.

§ 4º Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.

§ 5º Não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente.

 

Segundo a doutrina, a expressão “qualquer” utilizada no caput do art. 11 demonstrava que o rol dos atos de improbidade administrativa era exemplificativo (numerus apertus). No entanto, a Lei nº 14.230/2021 modificou a redação do caput do art. 11 para inserir a expressão “caracterizada por uma das seguintes condutas”. Logo, agora, pode-se dizer que os incisos do art. 11 encerram uma lista exaustiva.

 

Essa alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021 no art. 11 da Lei nº 8.429/92 é retroativa?

O STF não tratou sobre o art. 11 no Tema 1.199.

O STJ, contudo, disse que o mesmo raciocínio desenvolvido no Tema 1.199 poderia ser aplicado também para o art. 11. É o que veremos no próximo tópico.

 

PARTE 3: EXPLICAÇÃO DO JULGADO DO STJ

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2018, João foi condenado, em 1ª instância, por ato de improbidade administrativa, com base no inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (obs: redação anterior à Lei nº 14.230/2021).

(...)

 

O condenado interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça, em 2020, manteve a sentença.

Ainda irresignado, João interpôs recurso especial.

Antes que o STJ julgasse o recurso especial, entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021, que revogou o inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

Diante disso, João peticionou ao Ministro Relator pedindo que o raciocínio construído pelo STF no Tema 1.199 fosse também aplicado para a presente situação, que trata da revogação do inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

João argumentou o seguinte:

- sei que no Tema 1.199 não foi discutida a revogação do inciso I do art. 11;

- no entanto, as mesmas conclusões ali alcançadas podem ser aplicadas no presente caso;

- logo, requeiro que seja aplicado o item 3 da Tese firmada pelo STF no Tema 1.199: “3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;” (STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022. Repercussão Geral – Tema 1.199).

- assim, como não houve condenação transitada em julgado, deve-se reconhecer, no presente processo, que o inciso I do art. 11 foi revogado e, portanto, eu devo ser absolvido.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

SIM.

O STF, no Tema 1.199, concluiu que as alterações benéficas da Lei nº 14.230/2021 poderiam ser aplicadas aos processos em curso, mesmo que já houvesse condenação, desde que ainda não tivesse coisa julgada.

Desse modo, o STF autorizou a aplicação da Lei nº 14.230/2021 aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada.

Não há dúvidas de que no Tema 1.199 não se discutiu especificamente sobre o art. 11 da Lei nº 8.429/92. No entanto, o raciocínio ali construído pode também ser aplicado para este caso. É o que o próprio STF vem afirmando. Confira:

(...) 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal.

2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade.

3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.

4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente.

5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto.

6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente.

STF. Plenário. ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Rel. Min. LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/08/2023.

 

(...) I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado.

II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. (...)

STF. 1ª Turma. RE 1452533 AgR, Rel. Min. Cristiano Zanin, julgado em 08/11/2023.

 

A propósito do tema, vale transcrever excerto do voto proferido pelo Ministro Alexandre Moraes, por ocasião do julgado do RE 1452533 AgR, acima referido:

“No presente processo, os fatos datam de 2012 - ou seja, muito anteriores à Lei 14.230/2021, que trouxe extensas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, e o processo ainda não transitou em julgado. Assim, tem-se que a conduta não é mais típica e, por não existir sentença condenatória transitada em julgado, não é possível a aplicação do art. 11 da Lei 8.429/1992, na sua redação original. Logo, deve se aplicar ao caso a tese fixada no Tema n. 1.199, pois, da mesma maneira que houve abolitio criminis no caso do tipo culposo houve, também, nessa hipótese, do artigo 11”.

 

No caso concreto, João foi condenado por violação ao inciso I do art. 11, da Lei nº 8.429/92. Ocorre que esse inciso foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. Logo, a conduta tornou-se atípica e, como ainda não havia condenação transitada em julgado, essa revogação deve retroagir para que o pedido formulo na ação de improbidade seja julgado improcedente.

 

Em suma:

Ao julgar o Tema 1.199, o STF decidiu que as alterações benéficas ao réu previstas na Lei nº 14.230/2021 não poderiam incidir caso já houvesse condenação transitada em julgado. Por outro lado, o STF decidiu que as alterações benéficas da Lei nº 14.230/2021 poderiam ser aplicadas aos processos em curso, mesmo que já houvesse condenação, desde que ainda não tivesse coisa julgada.

Desse modo, o STF autorizou a aplicação da Lei nº 14.230/2021 aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada.

O que estava sendo discutido no Tema 1.199 era a supressão da modalidade culposa de improbidade administrativa pela Lei nº 14.230/2021. Assim, no Tema 1.199 não se debateu a respeito das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 no art. 11 da Lei nº 8.429/92. A despeito disso, o raciocínio ali construído também ser aplicado para o art. 11 da Lei de Improbidade.

Assim, o entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei nº 8.429/92, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. Ou seja, a revogação do inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92 pode ser reconhecida para os processos que estavam em curso quando a Lei nº 14.230/2021 entrou em vigor, desde que não haja trânsito em julgado.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 2.380.545-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 6/2/2024 (Info 800).

 

Mudança de entendimento

Vale ressaltar que se trata uma mudança de entendimento. Isso porque o STJ possuía julgados afirmando que se deveria “conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, restringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.” (STJ. 1ª Turma. PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 23/5/2023. Info 776).

Como o STF, contudo, estendeu a aplicação do Tema 1.199, o STJ acompanhou o entendimento.


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