quinta-feira, 14 de março de 2024
Admite-se a intervenção de terceiros no processo de habeas corpus?
Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal.
Salvador: Juspodivm, 2024) explica que existem três espécies de ação penal
privada:
ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL PRIVADA |
||
a) ação penal
exclusivamente privada (ou propriamente dita) |
b) ação penal privada
personalíssima |
c) ação penal
privada subsidiária da
pública |
É a ação penal privada que pode ser iniciada
ou acompanhada por todos legitimados reconhecidos em lei: a) o ofendido (regra geral); b) seu representante legal (sendo o ofendido
incapaz – art. 30 do CPP); c) seus sucessores, no rol do CADI (no caso
de morte ou declaração judicial de ausência do ofendido – art. 31do CPP); ou d) seu curador especial (nas hipóteses do
art. 33 do CPP). |
É aquela na qual a legitimidade ativa
exclusiva é da pessoa ofendida, não se admitindo que o representante legal, seus
sucessores ou o curador especial dela ocupem o polo ativo. Atualmente, o único exemplo de ação penal
privada personalíssima é o crime de induzimento a erro essencial e ocultação
de impedimento ao casamento (art. 236, parágrafo único, CP). |
É a espécie de ação penal privada ajuizada
pelo particular em hipóteses de crimes que, na origem, são de ação penal pública, mas para
os quais o Ministério Público deixou transcorrer in albis (em branco) o
prazo para o oferecimento da denúncia. É prevista no art. 5º, LIX, da CF e no art.
29 do CPP. |
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Francisco, Delegado de Polícia,
teria praticado abuso de autoridade contra João.
O Ministério Público não ofereceu
denúncia contra Francisco no prazo legal.
João, ofendido, ingressou, então,
com ação penal privada subsidiária da pública contra Francisco.
A queixa foi recebida pelo juiz.
Inconformado, Francisco impetrou
habeas corpus pedindo o trancamento da ação penal.
Diante desse cenário,
indaga-se: João (querelante) poderá intervir no habeas corpus impetrado por Francisco
(querelado) com o objetivo de trancar a ação penal?
SIM.
O habeas corpus é uma espécie de
ação constitucional que, em regra, não admite intervenção de terceiros.
Essa regra é flexibilizada nos
casos em que a ação de fundo se consubstancia em ação penal privada ou privada
subsidiária da pública.
Assim, se o querelado impetrar
habeas corpus com o objetivo de questionar a queixa proposta (inclusive a subsidiária),
deve-se assegurar ao querelante o direito de resguardar o seu interesse - o
qual se concretiza na entrega jurisdicional final - em todos os graus de
jurisdição.
O querelante, mesmo não sendo
parte no habeas corpus, é parte na relação processual principal e, por isso
mesmo, deve ser admitido como terceiro interessado em demanda que visa ao
trancamento do processo, cuja marcha processual somente teve início devido a
sua iniciativa.
O que define a existência do interesse de agir de terceiro
em um processo de habeas corpus não é apenas a natureza dessa ação, mas
especialmente a legitimidade ad causam do querelante para dar início ao
processo penal, com base nos arts. 29 e 30 do CPP:
Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação
pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério
Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir
em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso
e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como
parte principal.
Art. 30.
Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar
a ação privada.
Em suma:
É cabível a intervenção do querelante no habeas
corpus impetrado pelo querelado com o objetivo de trancar a ação penal
privada ou privada subsidiária da pública.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 1.956.757/SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em
6/2/2024 (Info 800).
No mesmo sentido:
O STJ e o STF têm se
manifestado quanto à possibilidade excepcional de intervenção do querelante em
julgamento de habeas corpus, tendo em vista que a decisão a ser tomada
repercute em seu interesse de agir.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.413.879/DF, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, DJe de 18/11/2014.
No mesmo norte, colhe-se o
seguinte julgado com repercussão geral do Supremo Tribunal Federal:
Os querelantes têm legitimidade e interesse para intervir em
ação de habeas corpus buscando o trancamento da ação penal privada e recorrer
da decisão que concede a ordem.
STF. Plenário. ARE 859.251 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de
21/05/2015.