Lei nº 14.230/2021
A Lei nº 14.230/2021 promoveu a
maior reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) desde que esse diploma
foi editado.
Um dos pontos alterados pela Lei
nº 14.230/2021 foi o regime de indisponibilidade de bens.
A Lei nº 14.230/2021 entrou em
vigor no dia 26/10/2021.
Indisponibilidade de bens
A Lei nº
8.492/92 prevê a possibilidade de ser decretada a indisponibilidade de bens do
réu da ação de improbidade.
Vale
ressaltar que essa indisponibilidade não tem caráter sancionador, sendo uma medida
cautelar.
Assim, a
indisponibilidade não é uma pena acessória. Seu escopo é perpetuar a existência
de bens que asseguram o integral ressarcimento do dano, com inegável caráter
preventivo (REsp 139.187-DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 24/02/2000).
A indisponibilidade de bens está prevista no art. 16 da Lei
nº 8.429/92:
LEI 8.429/92 |
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Antes da Lei nº 14.230/2021 |
Depois da Lei nº 14.230/2021 |
Art. 16. Havendo fundados
indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público
ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação
do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente
ou causado dano ao patrimônio público. |
Art. 16. Na ação por
improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou
incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a
integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de
enriquecimento ilícito. |
§ 1º O pedido de sequestro será
processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo
Civil. |
Revogado. |
Uma das principais alterações promovidas pela Lei nº
14.230/2021 foi a inclusão da exigência expressa no sentido de que a
indisponibilidade de bens somente pode ser decretada se houver alguma situação
de urgência. Vejamos:
Quais são
os pressupostos para se decretar a indisponibilidade de bens do réu? |
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Antes da Lei nº 14.230/2021 |
Depois da Lei nº 14.230/2021 |
Bastava a
demonstração do fumus boni iuris (indícios de que o réu praticou o ato
de improbidade). Sendo isso comprovado, o juiz era obrigado a deferir a
medida. E o periculum
in mora? O periculum in mora era presumido (implícito). Assim, na
prática, a decretação de indisponibilidade de bens dispensava a demonstração
do periculum in mora, bastando a comprovação do fumus boni juris.
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Passou a
ser indispensável a demonstração do: a) fumus
boni iuris (juiz deve estar convencido da probabilidade da ocorrência dos
atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de
instrução); e do b) periculum
in mora (deve estar demonstrado, no caso concreto, o perigo de dano
irreparável ou de risco ao resultado útil do processo. Veja o
novo § 3º que foi incluído: Art. 16
(...) § 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput
deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano
irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o
juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição
inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva
do réu em 5 (cinco) dias. |
Veja a tese fixada pelo STJ: É possível a decretação da indisponibilidade de bens do promovido em
Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, quando ausente (ou
não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a
conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens
do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro
(STJ. 1ª Seção. REsp 1.366.721/BA, relator para acórdão Min. Og Fernandes,
julgado em 26/2/2014) (Tema 701) |
Essa tese
está superada. A Lei
agora exige expressamente a “demonstração no caso concreto de perigo de dano
irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”. Assim, o
MP deve demonstrar que o réu está se desfazendo do seu patrimônio e, por essa
razão, seria necessária a decretação da indisponibilidade. |
Imagine agora
a seguinte situação hipotética:
Em 2019, João, na época prefeito, fez uma
contratação indevida na Administração Pública.
No dia 21 de março de 2021,
o Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa contra João.
Na Inicial, o Promotor de Justiça pediu que o
juiz decretasse a indisponibilidade de bens do requerido sob o argumento de que
estava presente o fumus boni iuris, considerando a
existência de indícios de que o réu praticou o ato de improbidade.
Em 01 de abril de 2021, o juiz negou o pedido
de indisponibilidade sob o argumento de que o membro do Parquet não demonstrou,
no caso concreto, a existência do periculum in mora.
O Ministério Público recorreu alegando que a
decisão do magistrado violou a jurisprudência pacificada considerando que a
existência do periculum in mora é presumida, na
forma do que decidiu o STJ no REsp 1.366.721/BA (Tema 701).
Antes que o Tribunal analisasse o recurso, entrou em vigor,
no dia 26 de outubro de 2021, a Lei nº 14.230/2021 que, como vimos, alterou o art.
16 da Lei nº 8.429/92 e passou a exigir, expressamente, a demonstração do
requisito da urgência para a indisponibilidade de bens:
Art. 16 (...)
§ 3º O pedido de indisponibilidade de
bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a
demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao
resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da
ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos
elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias. (Incluído pela
Lei nº 14.230, de 2021)
Diante disso, João peticionou ao Tribunal
pedindo que fosse aplicada imediatamente a nova regra do § 3º do art. 16 da Lei
nº 8.429/92 e, portanto, que fosse mantida a decisão do magistrado.
Os argumentos de João foram
acolhidos pelo STJ? A nova previsão do § 3º do art. 16, incluído pela Lei nº
14.230/2021, pode ser aplicada imediatamente para os processos que estavam em
curso quando a reforma da Lei de Improbidade entrou em vigor?
SIM.
Realmente, o juiz decidiu em
sentido contrário à jurisprudência do STJ firmada no REsp 1.366.721/BA (Tema
701). Isso porque, como vimos, antes da Lei nº 14.230/2021, o STJ dispensava o
exame do requisito da urgência para o deferimento da medida cautelar de
indisponibilidade de bens.
Contudo, o novo § 3º do art. 16
da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir, além da
plausibilidade do direito invocado, a demonstração do requisito da urgência
para o deferimento da indisponibilidade de bens.
A decisão que analisa o pedido de indisponibilidade de bens
possui natureza de tutela provisória de urgência cautelar. Essa decisão pode ser
revogada ou modificada a qualquer tempo. Trata-se de decisão de caráter
processual. De acordo com o art. 14 do CPC/2015, as normas processuais possuem aplicação
imediata aos processos em curso:
Art. 14. A norma processual não
retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados
os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a
vigência da norma revogada.
Logo, o Tribunal deverá manter a
decisão do magistrado que indeferiu a indisponibilidade de bens, mas agora por
fundamento diversa, estando agora baseada no texto expresso do § 3º do art. 16
da Lei nº 8.429/92.
Em suma:
A demonstração do requisito da urgência para a
indisponibilidade de bens, prevista no art. 16 da Lei de Improbidade
Administrativa (com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021), tem aplicação
imediata ao processo em curso dado o caráter processual da medida.
STJ. 1ª Turma. AREsp 2.272.508-RN, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
6/2/2024 (Info 800).