terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
Profissionais de enfermagem não precisam quitar anuidade para renovar carteira do Conselho
Qual é a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais
(exs.: CREA, CRM, COREN, CRO etc.)?
Os Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica de
autarquias federais.
Exceção: a OAB que, segundo a concepção majoritária, é um
serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades
jurídicas existentes no direito brasileiro.
Anuidades
Os Conselhos podem cobrar um valor todos os anos dos
profissionais que integram a sua categoria. A isso se dá o nome de anuidade
(art. 4º, II, da Lei nº 12.514/2011).
Qual é a natureza jurídica dessas anuidades?
Conforme jurisprudência do STF (ADI 4697/DF, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 06/10/2016), a anuidade devida aos conselhos
profissionais são tributos da espécie contribuições de interesse das categorias
profissionais (art. 149, CF/88):
O entendimento
iterativo do STF é na direção de as anuidades cobradas pelos conselhos
profissionais caracterizarem-se como tributos da espécie “contribuições de
interesse das categorias profissionais”, nos termos do art. 149 da Constituição
da República.
STF. Plenário.
ADI 4697, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 06/10/2016.
Essa é também a posição do STJ:
As anuidades
devidas aos conselhos profissionais constituem contribuições de interesse das
categorias profissionais e estão sujeitas a lançamento de ofício, o qual apenas
se aperfeiçoa com a notificação do contribuinte para efetuar o pagamento do
tributo e o esgotamento das instâncias administrativas, em caso de recurso,
sendo necessária a comprovação da remessa da intimação.
STJ. 2ª Turma.
AgInt no AREsp 1689783/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 26/10/2020.
Feita essa revisão, veja o caso concreto enfrentado pelo
STF:
A Resolução nº 560/2017, do Conselho Federal de
Enfermagem (COFEN) previa que a(o) enfermeira(o) somente pode obter, suspender
e reativar a sua inscrição no COFEN se estiver em dia com o pagamento das
anuidades.
Da mesma forma, a Resolução proibia a renovação e a
segunda vida da carteira profissional em caso de inadimplência caso ele
estivesse devendo anuidade.
Se tiver
curiosidade – não é indispensável para concursos – veja a redação dos
dispositivos:
Art. 16. O requerimento será instruído com os seguintes documentos:
(...)
II - Original e cópia do comprovante de recolhimento da taxa de emissão
de carteira e inscrição definitiva, bem como a anuidade do exercício. Se o
pedido for protocolizado até 31 de março a anuidade deverá ser paga integral.
Após esta data a anuidade deverá ser cobrada proporcionalmente aos meses que
restam para o fim do exercício fiscal;
Art. 32 A suspensão da inscrição será efetuada, mediante requerimento do
inscrito, nos casos de afastamento do exercício da atividade profissional.
(...)
§ 2º Para obter a suspensão de inscrição o profissional deverá estar
regular com as obrigações pecuniárias perante a Autarquia, bem como não
responder a processo ético.
Art. 34 Relativo à anuidade do ano em exercício, se o pedido for
protocolizado até 31 de março o inscrito ficará isento do pagamento da mesma.
(...)
§ 2º O profissional que desejar retomar a atividade profissional deverá
reativar sua inscrição e efetuar o pagamento da anuidade proporcional aos meses
que restam para o fim do exercício fiscal.
Art. 46 O requerimento de inscrição será instruído com os documentos
previstos nos artigos 16, 17 e 18, conforme o caso, aditando-se:
(...)
II - cópia da taxa de inscrição secundária, emissão de carteira e
anuidade. Se o pedido for protocolizado até 31 de março o inscrito deverá
efetuar o pagamento integral da anuidade. Após esta data deverá efetuar o
pagamento proporcional aos meses que restam para o fim de exercício;
(...)
IV - certidão de regularidade eleitoral e ética perante o sistema, bem
como prova de quitação das anuidades por certidão de regularidade, ou, havendo
os mesmos efeitos, certidão da qual conste a existência de créditos não
vencidos ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
Art. 48 A segunda via e renovação da carteira profissional de identidade
será solicitada através de requerimento firmado pelo inscrito.
(...)
§ 6º Quanto à situação financeira o inscrito deverá estar regular com as
anuidades, inclusive com a anuidade do ano em exercício.
O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esses
dispositivos.
O autor alegou que as normas impugnadas são
inconstitucionais, pois, ao exigirem que os profissionais da enfermagem quitem
suas anuidades junto ao Conselho Regional para obterem, renovarem, manterem
ativas e suspenderem suas inscrições e carteiras profissionais de identidade –
instrumentos considerados pela legislação de regência como imprescindíveis para
o exercício das profissões –, as normas impugnadas acabam por condicionar o
desempenho das profissões de enfermagem ao pagamento de tributos, o que configura
meio coercitivo indireto e sanção política em matéria tributária incompatíveis
com a Constituição Federal.
Primeira pergunta: a ação foi conhecida? É possível a
propositura de ADI contra Resolução de Conselho Profissional?
SIM. A jurisprudência do STF admite as ações de controle
abstrato de constitucionalidade para impugnar atos normativos infralegais, nos
casos em que o conteúdo impugnado apresente incompatibilidade direta com a
Constituição da República e sejam dotados de generalidade e abstração.
Em situação análoga ao presente caso, o STF admitiu ADI
ajuizada contra resolução editada pelo Conselho Federal de Psicologia. Veja:
É possível o uso
das ações do controle concentrado de constitucionalidade para o exame de atos
normativos infralegais, nos casos em que a tese de inconstitucionalidade
articulada pelo autor propõe o cotejo da norma impugnada diretamente com o
texto constitucional.
No caso, a
Resolução do Conselho não tratou de mero exercício de competência regulamentar,
mas expressou conteúdo normativo que lida diretamente com direitos e garantias
tutelados pela Constituição. Por esse motivo, cabe ADI para questionar a norma.
STF. Plenário.
ADI 3481/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/3/2021 (Info 1008).
As normas questionadas, presentes na Resolução nº
560/2017 do Conselho Federal de Enfermagem, dispõem de generalidade e abstração
suficientes a autorizar o exame de constitucionalidade, sem necessidade de
apreciação de normas infraconstitucionais interpostas.
E quanto ao mérito, o STF concordou com o pedido
formulado na ADI? A Resolução do COFEN é inconstitucional?
SIM.
O que é sanção política?
Os tributos em atraso devem ser cobrados pelos meios
judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário, protesto
de CDA) legalmente previstos. Existem, portanto, instrumentos legais para
satisfazer os créditos tributários.
Justamente por isso, não se pode fazer a cobrança de
tributos por meios indiretos, impedindo, cerceando ou dificultando a atividade
econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor. Quando isso ocorre, a
jurisprudência afirma que foram aplicadas “sanções políticas”, ou seja, formas
“enviesadas de constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento
do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.: apreensão de mercadorias, não
liberação de documentos, interdição de estabelecimentos.
A cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções
políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ:
Súmula 70-STF: É
inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança
de tributo.
Súmula 323-STF: É
inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de
tributos.
Súmula 547-STF:
Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira
estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades
profissionais.
Súmula 127-STJ: É
ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da
qual o infrator não foi notificado.
Desse modo, a orientação jurisprudencial do STF e do STJ
é a de que não se pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela
utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício
da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento de
tributos em atraso.
Tema 732/STF
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 647.885,
submetido à sistemática da repercussão geral, Tema 732, o STF fixou a tese no
sentido de que:
É
inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização
profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de
anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária.
STF. Plenário. RE
647885, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 27/04/2020 (Repercussão Geral – Tema
732) (Info 978).
Também no julgamento da ADI 7.020, o Supremo Tribunal
reconheceu que a suspensão de exercício profissional em razão de não pagamento
de anuidade da OAB configura sanção política:
É
inconstitucional o inciso XXIII do art. 34 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da
Advocacia), que prevê constituir infração disciplinar o não pagamento de
contribuições, multas e preços de serviços devidos à Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), depois de regular notificação para fazê-lo.
Também é
inconstitucional a aplicação aos advogados inadimplentes do que dispõe o art.
37 da mesma norma, que institui, como pena, a suspensão, a qual acarreta, por
conseguinte, a interdição do exercício profissional.
São
constitucionais o art. 134, § 1º, do Regulamento do Estatuto da Advocacia e da
OAB, bem assim os arts. 1º e 15, I, do Provimento 146/2011 do Conselho Federal
da OAB, que instituem a exigência do adimplemento das anuidades para que os
advogados possam votar e/ou serem candidatos nas eleições internas da OAB.
A exigência do
adimplemento das anuidades para que os advogados possam votar nas eleições
internas da OAB não configura sanção política em matéria tributária. Trata-se
de norma de organização do processo eleitoral da entidade, a qual se afigura
razoável e justificada.
Não é
desproporcional, muito menos irrazoável, exigir de um candidato a dirigente e
de seu eleitor o cumprimento de todos os deveres que possuem perante o órgão.
STF. Plenário.
ADI 7020/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 17/12/2022 (Info 1081).
Ao exigir que os profissionais da categoria comprovem a
quitação das anuidades para requererem a inscrição e a carteira profissional, a
norma impugnada impede o exercício regular da enfermagem e de suas atividades
auxiliares, em ofensa direta a diversos dispositivos constitucionais.
A Lei nº
7.498/86, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, prevê
que a inscrição no Conselho Regional de Enfermagem constitui requisito indispensável
para exercício regular da enfermagem e de suas atividades auxiliares:
Art. 2º A enfermagem e suas atividades auxiliares somente podem ser
exercidas por pessoas legalmente habilitadas e inscritas no Conselho Regional
de Enfermagem com jurisdição na área onde ocorre o exercício.
De outro
lado, a Lei nº 5.905/73, que dispõe sobre a criação dos Conselhos Federal e
Regionais de Enfermagem, estabelece que a carteira profissional de enfermagem,
expedida pelo respectivo Conselho, é documento indispensável ao desempenho da
profissão, a ser renovada a cada cinco anos pelos respectivos profissionais,
nos termos do art. 2º do Anexo da Resolução 560/2017:
Art. 15. Compete aos Conselhos Regionais:
(...)
VII - expedir a carteira profissional indispensável ao exercício da
profissão, a qual terá fé pública em todo o território nacional e servira de
documento de identidade;
Portanto, os óbices postos nas normas impugnadas para o
exercício profissional daqueles por elas regidos, pela inadimplência de
anuidades devidas ao Conselho Profissional, configuram meio coercitivo indireto
e sanção política incompatível com a reiterada jurisprudência do STF e por
ofensa ao disposto no inciso IV do art. 1º e nos incisos II, XIII e LIV do art.
5º da Constituição Federal.
Em suma:
São inconstitucionais
— por instituírem sanção política como meio coercitivo indireto para pagamento
de tributo — normas de conselho profissional que exigem a quitação de anuidades
para a obtenção, a suspensão e a reativação de inscrição, inscrição secundária,
bem como a renovação e a segunda via da carteira profissional.
STF. Plenário.
ADI 7423/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2023 (Info 1121).
Com base nesses entendimentos, o Plenário do STF, por
unanimidade, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade
dos arts. 16, II; 32, § 2º; 46, II e IV; e 48, § 6º, todos do Anexo da
Resolução nº 560/2017 do Conselho Federal de Enfermagem.
DOD Plus –
informação complementar
Sobre o tema, vale a pena recordar que o STF já possuía
uma recente decisão em sentido semelhante:
É
inconstitucional o art. 64 da Lei nº 5.194/66, considerada a previsão de
cancelamento automático, ante a inadimplência da anuidade por dois anos
consecutivos, do registro em conselho profissional, sem prévia manifestação do
profissional ou da pessoa jurídica, por violar o devido processo legal.
Art. 64. Será
automaticamente cancelado o registro do profissional ou da pessoa jurídica que
deixar de efetuar o pagamento da anuidade, a que estiver sujeito, durante 2
(dois) anos consecutivos sem prejuízo da obrigatoriedade do pagamento da
dívida.
O dispositivo
viola o livre exercício profissional (art. 5º, XIII, da CF/88), o devido
processo legal (art. 5º, LIV), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV).
Há ofensa também
à Súmula 70 do STF, que considera inadmissível a interdição de estabelecimento
como meio coercitivo para cobrança de tributo. O conselho dispõe de meio legal
para receber os valores devidos, não sendo razoável o cancelamento automático do
registro.
STF. Plenário. RE
808424, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2019 (Repercussão Geral –
Tema 757).
Depois do
julgado acima, a Lei nº 14.195/2021 inseriu o parágrafo único ao art. 4º da Lei
nº 12.514/2011 prevendo expressamente que não é possível a suspensão do
exercício profissional em razão do inadimplemento de anuidades devidas à
entidade de classe:
Art. 4º (...) Parágrafo único. O inadimplemento ou o atraso no pagamento
das anuidades previstas no inciso II do caput deste artigo não ensejará a
suspensão do registro ou o impedimento de exercício da profissão.