sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
O Congresso Nacional encontra-se em omissão inconstitucional por não ter ainda editado lei fixando o prazo da licença-paternidade; se a lei não for aprovada em 18 meses, o próprio Supremo irá definir o período dessa licença
Licença-paternidade
O art. 7º,
XIX, da CF/88 assegura aos trabalhadores o direito à licença-paternidade, nos
termos fixados em lei. Veja:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
A lei que
regulamenta esse inciso ainda não foi editada. Enquanto isso, o prazo da
licença paternidade é de 5 dias, conforme prevê o art. 10, § 1º do ADCT:
Art. 10 (...)
§ 1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da
Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de
cinco dias.
Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO)
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS
ajuizou ação direta de inconstitucionalidade por omissão alegando que, passados
muitos anos desde a edição da Constituição Federal, ainda hoje não houve a
regulamentação do inciso XIX do art. 7º da Constituição Federal.
O STF reconheceu a existência de omissão?
SIM. O STF julgou procedente o pedido para reconhecer a
existência de omissão inconstitucional na regulamentação da licença-paternidade
prevista no art. 7º, XIX, da CF/88.
A falta de
lei regulamentadora da licença-paternidade (art. 7º, XIX, CF/88) constitui
omissão inconstitucional por parte do Congresso Nacional.
STF. Plenário.
ADO 20/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Edson Fachin,
julgado em 14/12/2023 (Info 1121).
Com a promulgação da Constituição de 1988, a família
ganhou nova roupagem, deixando de se centrar, paulatinamente, numa visão de
família patriarcal e passando a admitir que os vínculos familiares se centram
no afeto das relações entre as pessoas.
Nessa
perspectiva, a Constituição consagrou, em seus arts. 226 e 227, essa nova
significação da família, centrada no afeto como valor preponderante, inclusive
no que tange ao reconhecimento e estabelecimento da paternidade:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim, os direitos fundamentais sociais à
licença-maternidade e à licença-paternidade não podem ser considerados como
benefícios da mãe ou do pai, porque, em sua essência, são
direitos de toda a comunidade social.
Portanto, todos os cidadãos brasileiros, indistintamente,
devem gozar do direito fundamental à licença-paternidade.
A regra provisória que fixa o prazo de cinco dias até que
a lei seja criada (art. 10, § 1º, ADCT) é insuficiente, pois não reflete os
ganhos históricos da igualdade de gênero com vistas à construção de uma
sociedade mais igualitária.
Nesse contexto, deve-se ponderar a evolução dos papéis
atualmente desempenhados por homens e mulheres na família e na sociedade.
O efeito dirigente dos direitos fundamentais impõe um
esforço coletivo dos agentes políticos e públicos, sempre de forma ativa e
prospectiva, com o objetivo de potencializar a eficácia das normas
constitucionais.
A efetivação do direito fundamental social à
licença-paternidade reflete a importância da proteção à família (arts. 226 e
227, CF/88) e à infância (arts. 6º e 203, CF/88), além de concretizar a
necessária divisão de responsabilidades entre homens e mulheres (art. 5º, I,
CF/88).
Ademais, os direitos à licença-maternidade e à
licença-paternidade merecem equiparação, notadamente porque as uniões estáveis
homoafetivas já são reconhecidas em nosso ordenamento jurídico-constitucional.
Qual foi a consequência do reconhecimento dessa omissão?
O STF estipulou um prazo de 18 meses para que o Congresso
Nacional legisle a respeito da matéria, sob pena de, esgotado este prazo, o
próprio STF fixar o período da referida licença.
Tese fixada pelo STF:
1. Existe
omissão inconstitucional relativamente à edição da lei regulamentadora da
licença-paternidade, prevista no art. 7º, XIX, da Constituição.
2. Fica
estabelecido o prazo de 18 meses para o Congresso Nacional sanar a omissão
apontada, contados da publicação da ata de julgamento.
3. Não
sobrevindo a lei regulamentadora no prazo acima estabelecido, caberá a este
Tribunal fixar o período da licença paternidade.
STF. Plenário.
ADO 20/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Edson Fachin,
julgado em 14/12/2023 (Info 1121).