sábado, 10 de fevereiro de 2024
O advogado de núcleo de prática jurídica designado para atuar como defensor dativo, ante a impossibilidade da Defensoria Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados pelo juiz e pagos pelo Estado
O que são os Núcleos de Prática
Jurídica?
O Núcleo de Prática Jurídica, também chamado
de “escritório modelo”, é um espaço mantido pelas faculdades de direito no qual
os alunos, geralmente finalistas do curso, sob a supervisão de um Professor que
é advogado, oferecem assistência jurídica gratuita às pessoas economicamente
carentes.
O Núcleo funciona, portanto, como uma prática
jurídica real, matéria curricular obrigatória dos cursos de Direito.
Esta atividade tem duplo objetivo:
a) finalidade pedagógica: considerando que os
alunos irão aplicar, na prática, os conhecimentos teóricos que receberam ao
longo do curso, atuando como se fossem advogados, sempre com a supervisão e sob
a responsabilidade de um Professor advogado;
b) finalidade social: contribuindo com a
sociedade carente ao oferecer assistência jurídica gratuita.
Guardadas as devidas proporções, apenas para
que você entenda o sentido geral, os núcleos de prática jurídica prestam um
serviço assemelhado ao da Defensoria Pública. Vale ressaltar, contudo, que o
modelo oferecido pela Defensoria Pública é o ideal para o assistido porque se
trata de um serviço mais organizado, estruturado e com garantias institucionais
que os núcleos infelizmente não possuem.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João é advogado e desempenha a função de Professor orientador do
Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Alfa.
Ele foi designado para atuar em uma ação de guarda e regulamentação de
visitas, representando os interesses do réu (Pedro) citado por edital.
O juiz designou João para patrocinar a causa desse réu revel tendo em
vista que, na comarca, não havia Defensoria Pública.
Ao final do processo, na sentença, o juiz arbitrou honorários
advocatícios em favor de João no valor de R$350,00, a serem pagos pelo Estado-membro.
O Estado-membro interpôs apelação pedindo a exclusão dos honorários
arbitrados.
O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para excluir os
honorários arbitrados, sob o fundamento de que “o advogado ligado ao núcleo de
prática jurídica não faz jus ao recebimento de honorários advocatícios, eis que
já é remunerado pela instituição de ensino da qual faz parte”.
João interpôs recurso especial, alegando violação ao art. 22, §§ 1º e
2º, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), sob o fundamento de que, “sua
atuação e nomeação nos autos se dá nos moldes da advocacia dativa, sendo que o
fato de integrar o quadro de advogados do Núcleo de Prática Jurídica de
Universidade local, não lhe retira o direito à contraprestação por parte do
Estado”.
Ao final, requereu fosse restabelecida a sentença prolatada pelo juízo
de origem, que arbitrou honorários advocatícios.
O STJ concordou com os argumentos do advogado? Cabe ao advogado do
núcleo de prática jurídica o direito à remuneração pelo trabalho desempenhado
como defensor dativo, com pagamento a ser realizado pelo Estado?
SIM.
Da relevância da Defensoria Dativa
A defensoria dativa possui um papel de relevância na
promoção da justiça e na garantia dos princípios constitucionais do devido
processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do tratamento isonômico das
partes. Nesse aspecto, quando o múnus público é desempenhado por advogado, que
aceitou designação do Magistrado para defesa de réu hipossuficiente ou citado
por edital, cabe ao Estado o pagamento dos honorários, de acordo com o que
dispõe o art. 22, § 1º, da Lei nº 8.906/94:
Art. 22 (...)
§ 1º O advogado, quando indicado para
patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da
Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários
fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e
pagos pelo Estado.
Isso decorre do dever
constitucional do Estado de fornecer assistência judiciária aos réus
necessitados e organizar as entidades necessárias e suficientes para cumprir
essa missão, conforme estabelecido no art. 134 da Constituição Federal.
Portanto, o Estado não
pode se locupletar do trabalho desempenhado por advogado, que somente atendeu
ao chamado da Justiça em colaboração com o Poder Público.
É entendimento pacífico do STJ no
sentido de que “são devidos pelo Estado os honorários advocatícios do curador
especial nomeado em razão da ausência de Defensoria Pública para a defesa dos
interesses do réu revel citado por edital” (STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp
658.146/PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 16/5/2017).
Além disso, não é razoável
considerar que a responsabilidade pela remuneração do advogado pelo múnus
público prestado recaia sobre uma terceira parte - a instituição particular
de ensino superior -, com base numa relação de trabalho na qual o Estado não
teve nenhum envolvimento.
Os honorários advocatícios devem
ser reconhecidos como a devida remuneração do trabalho desenvolvido pelo
advogado e, como tal, são protegidos pelo princípio fundamental do valor social
do trabalho, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Defensoria dativa e os núcleos de prática jurídica
O fato de o advogado ser remunerado pela instituição educacional de
nível superior, na qualidade de orientador do Núcleo de Prática Jurídica, não
impede que ele receba honorários advocatícios na condição de defensor dativo.
Isso ocorre porque são funções distintas e não se confundem. Enquanto a
supervisão dos estudantes de direito é atividade interna corporis, o
trabalho de advogado dativo refere-se ao exercício de um múnus público por
determinação judicial.
É incontestável que os Núcleos de Prática Jurídica desempenham papel social
significativo na busca pela universalização do acesso à Justiça, auxiliando na
prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados,
trabalho essencial diante da elevada demanda enfrentada pelas Defensorias
Públicas em todo o país no atendimento à população mais carente.
No entanto, a remuneração concedida pelas instituições de ensino
superior privadas aos orientadores dos Núcleos de Práticas se deve ao trabalho
realizado na coordenação e supervisão dos estudantes de Direito,
proporcionando-lhes o primeiro contato com a prática advocatícia. Logo, a
promoção do acesso à Justiça é uma consequência do caráter pedagógico inerente
à função de orientador.
Além disso, não seria razoável considerar que a responsabilidade pela remuneração
do advogado pelo múnus público prestado recaia sobre uma terceira parte – a
instituição particular de ensino superior –, com base numa relação de trabalho
na qual o Estado não teve nenhum envolvimento.
Violação ao Estatuto da OAB
Os honorários advocatícios devem ser reconhecidos como a devida
remuneração do trabalho desenvolvido pelo advogado e, como tal, são protegidos
pelo princípio fundamental do valor social do trabalho, previsto no art. 1º,
IV, da Constituição Federal.
Por conseguinte, ao cassar a decisão que condenou o Estado-membro
ao pagamento de honorários advocatícios remuneratórios pela função de defensor
dativo, o Tribunal de Justiça deixou de aplicar o disposto no art. 22, § 1º, da
Lei nº 8.906/94:
Art. 22 (...)
§1º. O advogado, quando indicado para
patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da
Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários
fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e
pagos pelo Estado.
Em suma:
O advogado de núcleo de prática jurídica, quando
designado para patrocinar causa de juridicamente necessitado ou de réu revel,
ante a impossibilidade de a prestação do serviço ser realizada pela Defensoria
Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados pelo juiz e pagos
pelo Estado.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.848.922/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
12/12/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).
DOD Plus
– julgados correlatos
Havendo convênio entre a Defensoria e a OAB possibilitando a
atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os
honorários podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver
participado da ação de conhecimento
Caso concreto: advogado atuou como defensor dativo em ação de
alimentos. Esse advogado atuou porque na localidade não há Defensoria Pública e
existe um convênio com a OAB para que esse serviço seja realizado por advogados
que receberão honorários pagos pelo Estado. Na sentença, o magistrado arbitrou
a verba honorária conforme disposto na tabela do convênio. Porém, o Estado
pagou só uma parte.
Neste caso, o STJ afirmou que o advogado poderá executar
(cobrar) os honorários do Estado, nos próprios autos, mesmo o Estado não tendo
participado da ação de conhecimento.
Se for exigido que os advogados promovam uma ação específica
contra a Fazenda Pública para poderem receber seus honorários, isso fará com
que eles sejam muito resistentes em aceitar a função de advogado dativo, porque
terão de trabalhar não só na ação para a qual foram designados, mas também em
outra ação que terão de propor contra a Fazenda Pública.
O fato de o Estado não ter participado da lide na ação de
conhecimento não impede que ele seja intimado a pagar os honorários, que são de
sua responsabilidade em razão de convênio celebrado entre a Defensoria Pública
e a Ordem dos Advogados do Brasil, em cumprimento de sentença.
STJ. Corte Especial. EREsp 1698526-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 05/02/2020 (Info 673).
A prerrogativa de intimação pessoal conferida à Defensoria Pública se
aplica aos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou
privadas
Os prazos para as manifestações processuais da Defensoria
Pública são contados em dobro e têm início com a intimação pessoal do defensor
público (art. 186, caput e § 1º, do CPC).
O benefício da intimação pessoal se assenta no princípio da
isonomia material (art. 5º, caput, da CF) e constitui mecanismo voltado à
concretização do acesso à Justiça e do contraditório pelos hipossuficientes.
A interpretação sistemática das normas - art. 5º, § 5º, da Lei
nº 1.060/50 e art. 186, § 3º, do CPC - conduz à conclusão de que a prerrogativa
de intimação pessoal dos atos processuais também se estende aos escritórios de
prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas.
Os núcleos de prática jurídica vinculados às universidades de
ensino superior prestam assistência judiciária aos hipossuficientes, razão pela
qual é razoável crer, assim como a Defensoria Pública, recebem um alto número
de demandas, circunstância que dificulta o controle dos prazos processuais.
Assim, a intimação pessoal constitui uma ferramenta imprescindível para o
desempenho das atividades por eles desenvolvidas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.747/AM, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/11/2023 (Info
794).
A prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais
também se aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas
de ensino superior
A partir da entrada em vigor do art. 186, § 3º, do CPC/2015, a
prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais também se
aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino
superior.
Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para
todas as suas manifestações processuais. (...) § 3º O disposto no caput
aplica-se aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito
reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica
gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública.
STJ. Corte Especial. REsp 1986064-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 01/06/2022 (Info 740).