Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas e Mariana são arquitetos e desenvolveram
um curso online no qual ensinam a execução e administração financeira de obras,
além de captação de clientes e elaboração de propostas e orçamentos.
Esse curso passou a ser vendido
em uma plataforma de venda de cursos online.
Ocorre que, alguns meses depois
do lançamento, Lucas e Mariana descobriram que o curso que criaram estava sendo
comercializado por uma pessoa que não conheciam no Mercado Livre.
Explicando melhor: alguém comprou
o curso na plataforma, fez o download de todo o conteúdo e agora está vendendo
esse material no Mercado Livre. Trata-se, portanto, de um curso “pirata”.
Lucas e Mariana fizeram um
boletim de ocorrência na polícia e entraram em contato, por diversas vezes, com
o Mercado Livre para retirar essa venda do site.
O Mercado Livre retira os
anúncios denunciados pelos autores, mas logo em seguida já surge outra oferta
do mesmo curso com outro perfil de usuário.
Diante desse cenário, Lucas e
Mariana ajuizaram ação contra o Mercado Livre pedindo que ele seja condenado:
a) a monitorar sempre que alguém
tentar vender o curso a fim de impedir que isso ocorra, sob pena de multa
diária;
b) a pagar indenização pelos
danos morais e materiais sofridos.
Após a tramitação nas
instâncias ordinárias, o caso chegou até o STJ. Os pedidos dos autores foram
acolhidos?
NÃO.
De acordo com o entendimento
consolidado do STJ, se um terceiro publica algum conteúdo ofensivo na internet,
o provedor de conteúdo ou de serviços, que armazena a página, somente tem a
obrigação de remover o conteúdo impugnado depois que a pessoa prejudicada
informa, de maneira clara e precisa, a URL's ou o link da postagem. Isso para
permitir que o provedor faça a individualização e localização e,
consequentemente, a sua adequada remoção:
Para a remoção de conteúdo digital na internet, deve haver a
indicação pelo requerente do respectivo localizador URL do conteúdo apontado
como infringente.
STJ. 3ª Turma. REsp 1654221/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy
Andrighi, julgado em 22/10/2019.
Logo, não se afigura viável impor
ao site de intermediação de vendas uma prévia fiscalização sobre a origem ou a
legalidade dos produtos anunciados:
O serviço de intermediação virtual de venda e compra de produtos
caracteriza uma espécie do gênero provedoria de conteúdo, pois não há edição,
organização ou qualquer outra forma de gerenciamento das informações relativas
às mercadorias inseridas pelos usuários.
Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a
prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos anunciados, na medida
em que não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1383354/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 27/08/2013.
Ressalta-se, ademais, que o art. 19 do Marco Civil da
Internet, estabelece que o provedor de aplicação de internet não será
responsabilizado por danos decorrentes de conteúdos produzidos por terceiros,
salvo se após ordem judicial específica, não adotar providências para tornar
indisponível o conteúdo apontado como danoso:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a
liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de
internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes
de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar
as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro
do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente,
ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1º A ordem judicial de que trata o
caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do
conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do
material.
(...)
Nesse sentido, a mera citação no
processo e consequente ciência dos documentos dos autos não é suficiente apara
configurar a responsabilidade do provedor:
(...) 3. Os provedores de aplicações de internet possuem
regramento próprio acerca da responsabilização pela publicação de anúncios no
ambiente digital, o que afasta a incidência da Lei n. 9.610/1998 e atrai o
disposto no art. 19, § 1º, da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
4. A ordem que determina a retirada de um conteúdo da internet
deve ser proveniente do poder judiciário e, como requisito de validade, deve
ser identificada claramente. O Marco Civil da Internet elenca, entre os
requisitos de validade da ordem judicial para a retirada de conteúdo
infringente, a 'identificação clara e específica do conteúdo', sob pena de
nulidade, sendo necessário, portanto, a indicação do localizador URL. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1.763.517/SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 5/9/2023;
(...) 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está
amplamente consolidada no sentido de afirmar que a responsabilidade dos
provedores de aplicação da internet, por conteúdo gerado de terceiro, é
subjetiva e solidária, somente nas hipóteses em que, após ordem judicial, negar
ou retardar indevidamente a retirada do conteúdo.
5. A motivação do conteúdo divulgado de forma indevida é
indiferente para a incidência do art. 19, do Marco Civil da Internet. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1.993.896/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 17/5/2022.
Em suma:
Não se pode impor aos sites de intermediação de venda
e compra a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos anunciados,
na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado.
STJ. 4ª
Turma. AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1.890.786-DF, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 30/10/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).