quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024
Há legitimidade das vítimas para executar individualmente o TAC firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos
O caso concreto, com
adaptações, foi o seguinte:
Após um desastre ambiental de
grandes proporções causado pelo rompimento de uma barragem no município de
Brumadinho, Minas Gerais, administrada pela empresa Vale S.A., inúmeras pessoas
foram afetadas, sofrendo perdas materiais e abalos psicológicos.
A Defensoria Pública do Estado de
Minas Gerais, representando os interesses das vítimas, firmou um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vale S.A. Este TAC previa indenizações para
as pessoas lesadas, incluindo pagamentos específicos para determinados tipos de
danos.
João, uma das vítimas do
desastre, que sofreu danos emocionais severos, decidiu buscar a indenização
prevista no TAC. Ele ingressou com ação de execução de título extrajudicial
contra a Vale S.A., reivindicando a quantia estipulada no acordo para o dano específico
que sofreu.
O juízo de primeira instância
indeferiu a petição inicial de João e extinguiu o processo sem resolução de
mérito, argumentando falta de legitimidade ativa ad causam.
A decisão do magistrado foi
mantida?
NÃO.
Rompimento da Barragem do
Córrego do Feijão
A tragédia do rompimento da
Barragem do Córrego do Feijão, ocorrida em 25 de janeiro de 2019 no Município
de Brumadinho/MG, acarretou inúmeras mortes e incomensuráveis prejuízos na vida
dos indivíduos atingidos - de ordem material e moral -, bem como devastador e
irreparável dano ambiental na região. Ou seja, a partir de um único evento
danoso, foram violados, simultaneamente, direitos difusos, direitos coletivos
stricto sensu e direitos individuais homogêneos.
Nesse contexto, a Defensoria
Pública do Estado de Minas Gerais firmou Termo de Ajustamento de Conduta com a
empresa Vale S/A, por meio do qual esta se comprometeu a indenizar
extrajudicialmente as vítimas do acidente ocorrido na cidade de Brumadinho/MG.
Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC)
O Compromisso ou Termo de
Ajustamento de Conduta é um ato administrativo consensual, por meio do qual
determinado ente público, autorizado pelo art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85,
estabelece negociações com determinada(s) pessoa(s) jurídica(s) a fim de que
ajuste(m) suas condutas às exigências legais, bem como repare(m) eventuais
danos causados à coletividade.
O TAC possui eficácia jurídica de
título executivo extrajudicial, sendo desnecessário ato homologatório pelo
Judiciário para sua exigibilidade.
Legitimados para celebrar o
TAC
O art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347/85 trata sobre os
legitimados para o TAC:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a
ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública,
fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que,
concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1
(um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades
institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos
raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.
(...)
§ 6º Os órgãos públicos legitimados
poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial.
O § 6º do art. 5º fala nos
legitimados para celebrar o TAC. Quem tem legitimidade para executá-lo?
A lei não prevê expressamente
quem tenham legitimidade para executar o TAC. Essa questão sempre foi polêmica
na doutrina e na jurisprudência.
Todavia, a interpretação mais
recente e consentânea com a finalidade das normas protetivas do microssistema
de demandas coletivas correlaciona a legitimidade para executar o Termo de
Ajustamento de Conduta à natureza do direito tutelado. Isso significa que:
• se o TAC tratou sobre direitos
difusos e coletivos stricto sensu, os órgãos públicos são legitimados
para executar o acordo;
• por outro lado, tratando-se de
direitos individuais homogêneos, nada impede que os próprios lesados executem o
título extrajudicial individualmente.
Assim, há legitimidade dos
indivíduos para executar individualmente o Termo de Ajustamento de Conduta
firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos.
Em suma:
As vítimas de evento danoso possuem legitimidade para
executar individualmente o Termo de Ajustamento de Conduta firmado por ente
público que verse sobre direitos individuais homogêneos.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.059.781-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2023 (Info
15 – Edição Extraordinária).