terça-feira, 6 de fevereiro de 2024
Em caso de vício redibitório não resolvido no prazo de 30 dias, se o consumidor optar por rescindir o contrato e receber de volta o valor pago, ele deverá receber integralmente o preço, sem qualquer abatimento pelo fato de ter usado o bem durante um período
Imagine a seguinte situação hipotética:
João comprou uma moto 0km
diretamente da concessionária.
Após três anos de uso, ele
percebe um problema no motor, que se revela um “defeito” de fábrica, melhor
dizendo um vício redibitório.
João levou a moto para a concessionária, que propôs reparar
o problema substituindo o motor. Ocorre que essa providência levaria mais de 60
dias para ser efetivada, ultrapassando assim o prazo legal de 30 dias para
solução do vício previsto no § 1º do art. 18 do CDC:
Art. 18. Os fornecedores de produtos
de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de
qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a
que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da
disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem
ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza,
podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo
máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua
escolha:
I - a substituição do produto por
outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia
paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do
preço.
(...)
Insatisfeito com a demora e
preocupado com a segurança, João ingressou com ação redibitória contra a
concessionária, pedindo a rescisão do contrato e devolução integral do valor
pago pela motocicleta, conforme a nota fiscal.
A concessionária contestou
argumentando que a motocicleta foi utilizada por três anos sem problemas.
Diante disso, sustentou que a eventual devolução do valor deveria considerar o
desgaste do bem, sugerindo o uso da Tabela FIPE para determinar o valor de
mercado da motocicleta na data de sua devolução.
Em outras palavras:
• João pediu para devolver a
moto, recebendo o valor integralmente o valor que pagou (R$ 50 mil, conforme
consta na nota fiscal);
• a concessionária argumentou
que, como houve a depreciação da moto, ele deveria receber o valor atual do bem
segundo a Tabela FIPE (R$ 30 mil).
Abrindo um parêntese:
Tabela FIPE
FIPE é a sigla de “Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas”, uma organização de direito privado ligada
ao Departamento de Economia da USP. Esta fundação elabora, mensalmente, uma
tabela prevendo os preços médios dos veículos usados que são vendidos no
mercado nacional.
Ex: segundo a tabela FIPE, um
Fiat Palio City 1.0 4p, ano 2000, custa em, em julho de 2016, R$ 10.435,00.
Os valores estabelecidos na
tabela variam em função da região, conservação, cor, acessórios ou qualquer
outro fator que possa influenciar as condições de oferta e procura por um
veículo específico.
Vale ressaltar que o preço dos
carros, em regra, vai diminuindo com o passar dos meses. Ex: em maio de 2016, o
valor do mesmo Fiat Palio City 1.0 4p, ano 2000, era de R$ 10.516,00 na tabela
FIPE. Já em julho de 2016, caiu para R$ 10.435,00, como vimos acima.
Voltando ao caso concreto.
Para o STJ, quem tem razão: o consumidor ou a concessionária?
O consumidor.
Segundo a jurisprudência do STJ:
A opção pela restituição da quantia paga nada mais é do que o
exercício do direito de resolver o contrato em razão do inadimplemento, sendo
que um dos efeitos da resolução da avença consiste no retorno dos contraentes
ao status quo ante.
Para que o regresso ao estado anterior efetivamente se
verifique, o fornecedor deve restituir ao consumidor o valor despendido por
este no momento da aquisição do produto viciado.
O abatimento da quantia correspondente à desvalorização do bem,
haja vista a sua utilização pelo adquirente, não encontra respaldo na
legislação consumerista.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.000.701/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 30/8/2022.
No mesmo sentido:
A aplicação da Tabela FIPE, em casos como o presente, não
encontra guarida na jurisprudência desta Corte Superior.
STJ. 3ª Turma. AREsp 2.242.191/GO, Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 27/2/2023.
Ao estabelecer, no caso concreto, a devolução ao consumidor, não
do valor por ele efetivamente pago, mas de um valor a menor, considerando a
utilização do bem viciado durante o lapso temporal até a solução da
controvérsia, o TJDFT contrariou o disposto no art. 18, § 1º, II, do CDC, bem
como a jurisprudência desta Corte Superior, criando critério diverso daquele
previsto na lei de regência.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.845.875/DF, Rel. Min. Moura
Ribeiro, julgado em 4/5/2020.
Assim, no que tange a objeto que
teve vício redibitório reconhecido, ultrapassado o prazo para sanar o vício,
nos termos do art. 18 do CDC, não é cabível a restituição de seu valor como
usado, sendo devida a devolução integral do valor atualizado pago pelo produto.
Em suma:
É devida a devolução integral do valor atualizado
pago pelo produto, não sendo cabível a restituição de seu valor como usado, no
caso de objeto que teve vício redibitório reconhecido, ultrapassado o prazo
para sanar o vício, nos termos do art. 18 do CDC.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 2.233.500-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado
em 11/9/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).