Imagine a seguinte situação hipotética:
Regina teve seu cartão de crédito
furtado. Junto com o cartão, havia um papel no qual Regina havia anotado a
senha do cartão a fim de não esquecê-la.
O ladrão, aproveitando-se da
situação, realizou diversas compras em diferentes lojas do shopping.
Além disso, também realizou
compras na internet utilizando o cartão de Regina.
Nas compras presenciais, o ladrão
fez o uso regular da senha da titular. Nas compras online, o sujeito digitou
todos os dados necessários para a operação, incluindo o código de segurança de
três dígitos que fica na parte detrás do cartão.
Ao perceber o sumiço do cartão,
Regina ligou imediatamente para o banco para cancelá-lo. Ocorre que era tarde
demais porque as compras já haviam sido realizadas.
Regina ajuizou então ação de
indenização contra às lojas e empresas onde foram realizadas as compras
alegando que elas deveriam ter adotado procedimentos de segurança para evitar a
fraude exigindo a identidade do comprador para comparar com a titular do cartão.
A tese de Regina foi
acolhida pelo STJ? As empresas e lojas possuem responsabilidade civil pelas
compras indevidas neste caso?
NÃO.
É possível encontrar alguns
julgados mais antigos do STJ afirmando que:
Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de
fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e
estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras
realizadas com cartões magnéticos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.058.221/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 4/10/2011.
Essa não é mais a posição
jurisprudencial que vigora atualmente. Em verdade, esse entendimento era válido
em casos mais antigos, envolvendo cartão sem chip e sem a necessidade de senha,
haja vista que, nesse cenário, os lojistas tinham sim o dever de conferir, ao
menos, a identidade da pessoa que estava efetuando a compra e a sua assinatura
no boleto ou no canhoto. Atualmente, porém, a realidade das transações
comerciais é outra.
Hoje em dia, para a realização de
compras com cartão, é necessário apenas que a pessoa que o esteja portando
digite a sua senha pessoal, ou então, em compras realizadas pela internet,
digite todos os dados necessários para a operação, inclusive código de
segurança. No cenário atual, exigir do lojista, caso seja utilizada a senha
correta, que ele faça conferência extraordinária, para verificar se aquele
cartão foi emitido regularmente e não foi objeto de fraude ou furto não parece
razoável, até porque, enquanto não for registrada nenhuma ocorrência, é mesmo
impossível atestar a inexistência de irregularidades.
Assim, não é correto imputar
responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado o cartão extraviado,
furtado ou fraudado para a realização de compras, a não ser que se comprove que
o lojista também está envolvido na fraude, furto ou roubo, ou que o cartão
tenha sido emitido em razão de parceria comercial entre o estabelecimento
comercial e o banco administrador. Se os cartões de crédito estão livres de
restrição, ou seja, desbloqueados e sem impedimentos de ordem financeira, não
há como entender, pelo simples fato de autorizarem a compra, que os lojistas
estariam vinculados à fraude.
Em suma:
Não há como imputar responsabilidade à empresa ou à
loja em que foi utilizado cartão de crédito extraviado, furtado ou fraudado
para a realização de compras, especialmente se houve uso regular de senha ou,
então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de todos os
dados necessários para a operação.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.095.413-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
24/10/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).
No mesmo sentido:
Não comete ato ilícito o estabelecimento comercial que deixa de
exigir documento de identidade no momento do pagamento mediante cartão com uso
de senha, considerando que não existe lei federal que estabeleça obrigação
nesse sentido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.090/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 27/8/2019.