Dizer o Direito

sábado, 3 de fevereiro de 2024

É possível responsabilizar a loja ou a empresa por compras feitas com cartão de crédito perdido, roubado ou fraudulento?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina teve seu cartão de crédito furtado. Junto com o cartão, havia um papel no qual Regina havia anotado a senha do cartão a fim de não esquecê-la.

O ladrão, aproveitando-se da situação, realizou diversas compras em diferentes lojas do shopping.

Além disso, também realizou compras na internet utilizando o cartão de Regina.

Nas compras presenciais, o ladrão fez o uso regular da senha da titular. Nas compras online, o sujeito digitou todos os dados necessários para a operação, incluindo o código de segurança de três dígitos que fica na parte detrás do cartão.

Ao perceber o sumiço do cartão, Regina ligou imediatamente para o banco para cancelá-lo. Ocorre que era tarde demais porque as compras já haviam sido realizadas.

Regina ajuizou então ação de indenização contra às lojas e empresas onde foram realizadas as compras alegando que elas deveriam ter adotado procedimentos de segurança para evitar a fraude exigindo a identidade do comprador para comparar com a titular do cartão.

 

A tese de Regina foi acolhida pelo STJ? As empresas e lojas possuem responsabilidade civil pelas compras indevidas neste caso?

NÃO.

É possível encontrar alguns julgados mais antigos do STJ afirmando que:

Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.058.221/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/10/2011.

 

Essa não é mais a posição jurisprudencial que vigora atualmente. Em verdade, esse entendimento era válido em casos mais antigos, envolvendo cartão sem chip e sem a necessidade de senha, haja vista que, nesse cenário, os lojistas tinham sim o dever de conferir, ao menos, a identidade da pessoa que estava efetuando a compra e a sua assinatura no boleto ou no canhoto. Atualmente, porém, a realidade das transações comerciais é outra.

Hoje em dia, para a realização de compras com cartão, é necessário apenas que a pessoa que o esteja portando digite a sua senha pessoal, ou então, em compras realizadas pela internet, digite todos os dados necessários para a operação, inclusive código de segurança. No cenário atual, exigir do lojista, caso seja utilizada a senha correta, que ele faça conferência extraordinária, para verificar se aquele cartão foi emitido regularmente e não foi objeto de fraude ou furto não parece razoável, até porque, enquanto não for registrada nenhuma ocorrência, é mesmo impossível atestar a inexistência de irregularidades.

Assim, não é correto imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado o cartão extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, a não ser que se comprove que o lojista também está envolvido na fraude, furto ou roubo, ou que o cartão tenha sido emitido em razão de parceria comercial entre o estabelecimento comercial e o banco administrador. Se os cartões de crédito estão livres de restrição, ou seja, desbloqueados e sem impedimentos de ordem financeira, não há como entender, pelo simples fato de autorizarem a compra, que os lojistas estariam vinculados à fraude.

 

Em suma:

Não há como imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado cartão de crédito extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, especialmente se houve uso regular de senha ou, então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de todos os dados necessários para a operação. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.095.413-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/10/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária). 

 

No mesmo sentido:

Não comete ato ilícito o estabelecimento comercial que deixa de exigir documento de identidade no momento do pagamento mediante cartão com uso de senha, considerando que não existe lei federal que estabeleça obrigação nesse sentido.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.090/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/8/2019.


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