Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,
Já está disponível a revisão para o concurso de Delegado da Polícia Civil de Pernambuco (PC/PE).
Boa prova.
Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,
Já está disponível a revisão para o concurso de Delegado da Polícia Civil de Pernambuco (PC/PE).
Boa prova.
O julgado trata sobre o regime
obrigatório de separação de bens para pessoas maiores de 70 anos.
Antes de explicar o que decidiu o STF,
irei fazer uma breve revisão sobre diversos aspectos dessa previsão.
Caso esteja sem tempo, pode ir
diretamente para os comentários ao julgado.
NOÇÕES GERAIS
SOBRE O ART. 1.641, II, DO CC (REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS PARA
MAIORES DE 70 ANOS)
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, 71 anos de idade, decidiu se casar com Andressa.
Dez anos depois, Andressa pediu o divórcio.
Andressa requereu a partilha dos bens que foram adquiridos
onerosamente durante o casamento (o apartamento e o carro que foram comprados durante
o casamento e que foram adquiridos unicamente em nome de João).
João contestou alegando que não tinha
que dividir o patrimônio considerando que, quando o casamento foi contraído,
ele possuía mais de 70 anos de idade, de forma que o regime patrimonial que
regulou a relação dos dois foi o regime legal da separação
obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II, do Código Civil de 2002:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da
separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com
inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar,
de suprimento judicial.
Pessoa maior de 70 anos
Ao maior de 70 anos é imposto o regime de separação
obrigatória de bens. O objetivo do legislador foi o de proteger o idoso e seus
herdeiros de casamentos realizados por interesse estritamente econômico.
Trata-se de “prudência legislativa em favor das pessoas e
de suas famílias, considerando a idade dos nubentes. É de lembrar que, conforme
os anos passam, a idade avançada acarreta maiores carências afetivas e,
portanto, maiores riscos corre aquele que tem mais de setenta anos de
sujeitar-se a um casamento em que o outro nubente tenha em vista somente
vantagens financeiras, ou seja, em que os atrativos matrimoniais sejam pautados
em fortuna e não no afeto” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 295).
Nomenclatura
O art. 1.641 trata sobre a separação obrigatória de bens
(também chamada de separação legal de bens).
Havendo dissolução de casamento que era regulado pelo
regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como deve ser
feita a partilha dos bens?
Deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos
onerosamente na constância da união estável ou casamento, e desde que
comprovado o esforço comum na sua aquisição.
Desse modo, em nosso exemplo, Andressa
terá direito à meação dos bens adquiridos durante o casamento, desde que comprovado o esforço comum. Esse é o entendimento
pacificado do STJ:
No regime de
separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento,
desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.
STJ. 2ª Seção.
EREsp 1.623.858-MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF
5ª Região), julgado em 23/05/2018 (Info 628).
Assim, se Andressa comprovasse que pagou parcelas do
apartamento com seu dinheiro, ela poderia argumentar que esse bem foi adquirido
com esforço comum e que, portanto, ela tem direito à metade do imóvel (meação).
Obs: esse esforço comum não é necessariamente financeiro. Ela poderia
demonstrar, por exemplo, que auxiliou na empresa do ex-marido.
Esse “esforço
comum” pode ser presumido?
NÃO. O esforço
comum deve ser comprovado.
Quando o STJ fala
“desde que comprovado o esforço comum”, ele está dizendo que não se pode
presumir. Deve ser provado pelo cônjuge supostamente prejudicado.
Se fosse adotada a
ideia de que o esforço comum deve ser presumido isso levaria à ineficácia do
regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a
presunção, o interessado teria que fazer prova negativa, comprovar que o
ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de
determinado bem. Isso faria com que fosse praticamente impossível a separação
dos aquestos*.
Para o STJ, o entendimento
de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o
esforço comum, é mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do
casamento, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens.
Assim, caberá ao
interessado (em nosso exemplo, Andressa) comprovar que teve efetiva e relevante
(ainda que não financeira!) participação no esforço para aquisição onerosa de
determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).
* Aquestos é uma
palavra utilizada no Direito Civil que significa os bens onerosamente
adquiridos na constância do casamento ou da união estável e que se comunicam,
ou seja, tornam-se copropriedade dos cônjuges/companheiros.
E a Súmula 377 do
STF?
O STF possui uma
súmula antiga sobre o tema (editada em 1964, na época em que não havia o STJ e
que, portanto, o Supremo também julgava, em recurso extraordinário, matérias de
natureza infraconstitucional).
Veja a redação do
enunciado:
Súmula 377-STF:
No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância
do casamento.
O entendimento
manifestado na Súmula 377 do STF permanece válido?
SIM. No entanto,
ela deve ser interpretada da seguinte forma:
“No regime de
separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento”, desde que comprovado o esforço comum para sua
aquisição.
Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.689.152/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017.
Essa regra do art.
1.641, II, do CC fala em “casamento”. É possível estendê-la também para a união
estável?
SIM. Foi editado,
inclusive, um enunciado explicitando essa conclusão:
Súmula 655-STJ: Aplica-se à união estável contraída por
septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os
adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum.
Veja como o
tema foi cobrado em prova:
(DPE/MG Fundep 2019) Na união estável de pessoa maior de 70 anos de
idade, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. (certo)
Separação LEGAL (obrigatória) ≠ Separação ABSOLUTA
Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA) |
Separação ABSOLUTA |
Separação LEGAL (obrigatória) é aquela prevista nas
hipóteses do art. 1.641 do Código Civil. |
Separação ABSOLUTA é a separação convencional, ou seja,
estipulada voluntariamente pelas partes (art. 1.687 do CC). |
No regime de separação legal de bens, comunicam-se os
adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum
para sua aquisição. |
Na separação absoluta (convencional), não há
comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Assim, somente haverá separação absoluta
(incomunicável) na separação convencional. |
Aplica-se a Súmula 377 do STF. |
Não se aplica a Súmula 377 do STF. |
(...) 3.
Inaplicabilidade, in casu, da Súmula 377 do STF, pois esta se refere à
comunicabilidade dos bens no regime de separação legal de bens (prevista no
art. 1.641, CC), que não é caso dos autos.
3.1. O aludido
verbete sumular não tem aplicação quando as partes livremente convencionam a
separação absoluta dos bens, por meio de contrato antenupcial. (...)
STJ. 4ª Turma.
REsp 1481888/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/04/2018.
Veja como o
tema foi cobrado em prova:
ý (Juiz TJDFT 2015 CESPE) No regime de separação
obrigatória de bens, é vedada a comunicação de bens adquiridos na constância do
casamento. (errado)
ý (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) O pacto antenupcial é
indispensável na celebração do casamento pelo regime da separação obrigatória
de bens. (errado). Obs: a separação obrigatória ocorre por força de lei (e não
por causa de pacto antenupcial).
ENTENDENDO O
QUE O STF DECIDIU SOBRE O ART. 1.641, II, DO CC
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro, 71 anos, possui dois filhos: Carlos
e Ricardo.
Pedro conheceu Regina, de 65 anos.
Eles se apaixonaram e decidiram, já no mês seguinte, morar juntos.
Apesar de não serem casados
formalmente, mantinham uma relação pública, contínua e duradoura como casal.
Viviam, portanto, em indiscutível união estável.
Dez anos depois, Pedro faleceu
deixando, como herança, cinco imóveis, sendo que dois deles foram adquiridos depois
de iniciada a união estável.
O inventário foi aberto por Carlos e
Regina se habilitou pedindo para ter participação nos dois imóveis adquiridos
durante a união estável.
Carlos se
opôs alegando que ela não teria direito a nada considerando que, quando a união
estável foi iniciada, o falecido possuía mais de 70 anos de idade, de forma que
o regime patrimonial que regulou a relação dos dois foi o regime legal da
separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II, do Código Civil de
2002:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da
separação de bens no casamento:
(...)
II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
(...)
Argumentou também que Regina não
demonstrou esforço comum para a aquisição dos imóveis.
O juiz declarou inconstitucional o art. 1.641, II, do CC
e, em consequência, decidiu que a herança deveria ser dividida entre Regina e
os filhos do falecido.
Inconformados, os filhos interpuseram recurso.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo excluiu a
companheira da divisão da herança, aplicando o art. 1.641, II, do CC, que, na
visão do Tribunal, é constitucional.
Regina interpôs recurso extraordinário pedindo para
participar da divisão da herança sob o argumento de que o art. 1.641, II, do CC
é inconstitucional.
O STF deu provimento ao recurso de Regina? O art. 1.641,
II, do CC foi declarado inconstitucional?
NÃO.
O STF deu apenas interpretação conforme a Constituição ao art. 1.641, II, do CC.
O
STF disse o seguinte:
• Se
uma pessoa maior de 70 anos se casar ou iniciar uma união estável, em princípio,
o regime de bens que regerá essa relação será o regime da separação
obrigatória, nos termos do art. 1.641, II, do CC.
• Vale
ressaltar, contudo, que o art. 1.641, II, do CC é uma norma natureza
dispositiva/supletiva* (não é imperativa; não é cogente*). Isso significa que é
uma regra que admitida que as partes, no caso concreto, estabeleçam tratamento diverso,
no exercício de sua autonomia.
•
Assim, se quiserem, a pessoa maior de 70 anos e seu(sua) parceiro(a) poderão ir
até o cartório do tabelionato de notas e fazer uma escritura pública escolhendo
um novo regime de bens que seja da separação obrigatória (art. 1.641, II, do
CC).
•
Caso não façam essa escritura pública, prevalece a regra geral do art. 1.641,
II, do CC, que é a separação obrigatória.
Podemos
sintetizar dessa maneira:
O regime
obrigatório de separação de bens nos casamentos e nas uniões estáveis que
envolvam pessoas maiores de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes,
mediante escritura pública, firmada em cartório. Caso não se escolha outro
regime, prevalecerá a regra disposta em lei (art. 1.641, II, CC/2002).
STF. Plenário.
ARE 1.309.642/SP, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 02/02/2024
(Repercussão Geral – Tema 1236) (Info 1122).
* As normas cogentes ou de ordem
pública são aquelas de observância obrigatória e que não podem ser afastadas
por vontade das partes. Por outro lado, as chamadas normas dispositivas são
aquelas que valem mas podem ser afastadas por acordo de vontade entre as partes
envolvidas
Efeitos prospectivos da escritura pública
Vale ressaltar que a escritura pública que estipule ou
modifique o regime de bens tem efeitos somente a partir da lavratura do ato,
não retroagindo para alcançar patrimônio anterior à sua elaboração.
Interpretação conforme à
Constituição
O que o STF fez, portanto, foi conferir interpretação
conforme à Constituição ao art. 1.641, II, do CC, dando-lhe o sentido de norma
dispositiva. Isso significa que essa regra pode ser afastada por meio de
escritura pública. No entanto, prevalece o art. 1.641, II, do CC se não houve
convenção das partes em sentido diverso.
Assim, trata-se de regime legal facultativo, que pode ser
afastado pela manifestação de vontade dos envolvidos e cuja alteração, quando
houver, produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.
O art. 1.641, II, do CC, se fosse interpretado de maneira
absoluta, como norma cogente, violaria os princípio da dignidade da pessoa
humana e da igualdade, sendo, portanto, inconstitucional.
Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana se dá em três
vertentes:
1. O valor intrínseco da pessoa humana: ninguém nessa
vida existe como um meio para fins alheios;
2. Autonomia da vontade: pessoas têm o direito de fazer
as escolhas;
3. É limitada por valores comunitários: a sociedade pode
impor alguns limites à autonomia em nome de alguns valores que deseja preservar.
A proibição de que as partes escolham outro regime
diferente do art. 1.641, II, do CC viola o princípio da dignidade da pessoa
humana em duas vertentes:
• a autonomia individual, porque impede que pessoas
capazes para praticar atos da vida civil façam livremente as suas escolhas
existenciais;
• o valor intrínseco de toda pessoa por tratar idosos
como instrumentos para a satisfação do interesse patrimonial de seus herdeiros.
Princípio da igualdade
A
interpretação absoluta do art. 1.641, II, do CC também viola o princípio da
igualdade por utilizar a idade como um elemento de desequiparação entre as
pessoas, o que é vedado pelo art. 3º, IV, da CF/88:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Nesse caso, um outro regime deve ser estabelecido em
escritura pública, firmada em cartório, ou em manifestação perante o juiz, para
as pessoas já casadas. O novo regime de bens valerá dali em diante, não
afetando o patrimônio anterior.
Por outro lado, se não for feita a escolha de um outro
regime, valerá a regra da separação de bens (art. 1.641, II, do Código Civil).
Modulação dos efeitos
Tendo em vista a segurança jurídica, o STF determinou que
a decisão produza efeitos prospectivos.
Vale também para o casamento e para as uniões estáveis
O art. 1.641, II, do CC e a possibilidade de escolha do
regime de bens diverso do que está ali previsto se aplica tanto para o
casamento como para as uniões estáveis em razão da equiparação constitucional
das diversas formas de família (art. 226, caput e § 3º, da CF/88).
Veja a tese fixada pelo STF:
Nos
casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de
separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser
afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura
pública.
STF. Plenário.
ARE 1.309.642/SP, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 02/02/2024
(Repercussão Geral – Tema 1236) (Info 1122).
Com base nesses entendimentos, o Plenário do STF, por
unanimidade, ao apreciar o Tema 1.236 da repercussão geral, negou provimento ao
recurso extraordinário e fixou a tese acima citada.
O caso concreto foi o seguinte:
No Estado do Espírito Santo foi editada a Lei
Complementar nº 1.017/2022, que conferiu porte de arma de fogo para agentes socioeducativos.
Agentes socioeducativos são
profissionais que atuam na reeducação e reintegração social de jovens em
situação de risco ou que cometeram atos infracionais. Eles trabalham em
instituições voltadas para medidas socioeducativas, como centros de internação
e programas de liberdade assistida.
Confira a
redação do art. 1º dessa Lei:
Art. 1º Os Agentes Penitenciários e os Agentes Socioeducativos, ativos e
inativos, gozarão das seguintes prerrogativas, sem prejuízo de outras
estabelecidas em lei:
(…)
IV – porte de arma de fogo de uso permitido e de uso restrito aos
Agentes Socioeducativos.
§ 1º Fica proibido o porte e o uso de armas de fogo nas dependências
internas das unidades socioeducativas.
(...)
ADI
O Procurador-Geral da República ajuizou ADI questionando
a constitucionalidade desses dispositivos.
Dentre outros argumentos, o autor alegou que a previsão é
formalmente inconstitucional porque usurpa a competência da União para autorizar,
fiscalizar e legislar sobre o uso de material bélico, direito penal e
processual (art. 22, I e XXI, CF/88).
Além disso, sustentou que as regras para concessão de
porte de arma de fogo já foram previstas pela União, que exerceu a sua
competência legal quanto à matéria ao editar a Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do
Desarmamento), que não previu os agentes do sistema socioeducativo.
O STF concordou com o pedido formulado? Os dispositivos
impugnados são inconstitucionais?
SIM.
Competência da União para tratar sobre o tema
A conduta de portar arma de fogo consiste, em regra, em
um crime. O ordenamento jurídico prevê, contudo, hipóteses nas quais a pessoa é
autorizada a portar a arma de fogo e, portanto, nesses casos, afasta-se a
ilicitude.
Com isso, facilmente conclui-se que autorizar o porte de
arma de fogo afasta, em tese, uma infração penal. Logo, essa é uma matéria
relacionada com direito penal.
Segundo o
art. 22, I, da Constituição compete privativamente à União legislar sobre
direito penal. Além disso, também compete à União estabelecer as normas gerais
sobre material bélico:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...)
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico,
garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias
militares e dos corpos de bombeiros militares;
Além disso, a
CF/88 também prevê ser competência privativa da União a autorização e
fiscalização da produção e comércio de material bélico (art. 21, VI, CF/88), o que lhe viabiliza definir
os requisitos sobre o porte funcional de arma de fogo:
Art. 21. Compete à União:
(...)
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
Diante desse escopo, foi editada a Lei nº 10.826/2003 (Estatuto
do Desarmamento), que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas
de fogo e munição.
O Estatuto do Desarmamento não concedeu porte de arma
para os agentes do sistema socioeducativo
A Lei nº 10.826/2003 prevê, em seu art. 6º, as categorias
e pessoas que podem, excepcionalmente, ter porte de arma de fogo.
Os agentes do sistema socioeducativo não foram
contemplados nesse rol. Há uma razão material para tanto. Nos termos da lei, a
autorização do porte somente se justifica para pessoas que, no exercício de sua
profissão, estejam sujeitas a alguma periculosidade, ressalvada a hipótese
esportiva prevista no art. 6º, IX. E a
sua necessidade tão somente se justifica a partir do confronto com o caso
concreto, ou seja, com os fins relacionados a cada profissão.
Não obstante haja exceção legal para o porte pelos
integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas prisionais (art. 6º, §1º), a
tarefa dos agentes de medida socioeducativa não se confunde com a dos agentes
penitenciários.
O agente de segurança socioeducativo trabalha sob à égide
do tratamento constitucional conferido à criança e ao adolescente (art. 227 da
CF/88), ou seja, à luz da doutrina da proteção integral em que estes são vistos
como sujeitos de direito em desenvolvimento.
Nessa perspectiva, as medidas socioeducativas possuem
caráter pedagógico, voltado à sua preparação e reabilitação para a vida em
comunidade, formando, portanto, cidadãos.
Permitir o porte de armas para os agentes nestes casos
significaria reforçar a errônea ideia do caráter punitivo de tal rede de
proteção. A medida socioeducativa não tem por escopo punir, mas prevenir e
educar.
Dessa forma, os agentes inseridos nessa realidade detêm o
dever de orientar pessoas, conforme se conclui da leitura do art. 18-A e art.
18-B, ambos da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Em suma:
É inconstitucional lei estadual que concede porte de arma
de fogo a agentes socioeducativos.
Isso porque a competência para legislar sobre direito
penal e material bélico é privativa da União (art. 22, I e XXI, CF/88).
STF. Plenário.
ADI 7.424/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/02/2024 (Info 1122).
Vale registrar que já houve julgamento de ADI discutindo
tema similar a este (lei estadual que concede porte de arma a agentes
socioeducativos) no qual os argumentos acima foram veiculados:
Legislações
estaduais que concedam porte de arma a Agentes de Segurança Socioeducativos são
formalmente inconstitucionais, pois violam competência privativa da União.
A concessão de
porte de arma de fogo a Agentes de Segurança Socioeducativos reforça a ideia
equivocada de que as medidas socioeducativas possuem caráter punitivo,
contrariando o seu caráter educativo e preventivo, fundado nas disposições
constitucionais de proteção aos direitos da criança e do adolescente, razão
pela qual é materialmente inconstitucional.
STF. Plenário.
ADI 7269/MT, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03/07/2023.
Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,
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Confira abaixo o índice. Bons estudos.
ÍNDICE DO INFORMATIVO 1122 DO STF
Direito Constitucional
COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS
§
Leis estaduais que concedam porte de arma a agentes de
segurança socioeducativos são formalmente inconstitucionais, pois violam
competência privativa da União.
DIREITO CIVIL
REGIME DE BENS
§ Se a pessoa
maior de 70 anos se casar ou iniciar união estável, em princípio, o regime de
bens será o regime da separação obrigatória, nos termos do art. 1.641, II, do
CC; se as partes quiserem, poderão fazer uma escritura pública afastando essa
regra e escolhendo outro regime.
Imagine a seguinte situação hipotética:
No dia 07 de dezembro de 2009, na BR 277, no Município de
Medianeira (PR), João foi preso com centenas de CDs e DVDs falsificados.
A materialidade restou comprovada por meio de laudo
pericial e João confessou, em sede policial, que obteve o material apreendido
no Paraguai.
Qual é o crime praticado por João? A pessoa que vende CD
ou DVD “pirata” pratica qual fato típico?
Essa conduta
amolda-se ao § 2º do art. 184 do CP:
Violação de direito autoral
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
(...)
§ 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto
ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire,
oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma
reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete
ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original
ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos
titulares dos direitos ou de quem os represente.
Nesse sentido, confira o enunciado do STJ:
Súmula
502-STJ:Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao
crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor
à venda CDs e DVDs piratas.
Voltando ao caso concreto:
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra João
pelo delito do art. 184, § 2º, do CP.
O Juiz Federal, contudo, declinou da sua competência, sob
o entendimento de que compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de
violação de direito autoral.
O Procurador da República interpôs recurso, mas o TRF da 4ª
Região manteve a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a
ação penal ajuizada em virtude de suposto crime do art. 184, § 2º, do Código
Penal, sob o fundamento de que a reprodução ilegal de CDs e DVDs implica ofensa
apenas aos interesses particulares dos titulares dos direitos autorais e,
ausente prejuízo a bem, serviço ou interesse da União, de suas autarquias ou
empresas públicas, estaria afastada a competência da Justiça Federal para
processar e julgar o feito.
Inconformado,
o MPF interpôs recurso extraordinário. Alegou que, no caso concreto, restou
comprovado que João importou as mídias do exterior, ficando demonstrada a
transnacionalidade da conduta criminosa. Acrescentou que o Brasil é signatário
de tratados internacionais que protegem os direitos autorais, o que atrai a
competência da Justiça Federal com base no inciso V do art. 109 da Constituição
Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente;
O STF concordou com os argumentos do MPF? Se, na prática
do crime de violação de direito autoral (art. 184, § 2º, CP) ficar demonstrada
a transnacionalidade da ação criminosa, a competência para julgamento será da
Justiça Federal com base no art. 109, V, CF/88?
SIM.
Para
que o delito seja de competência da Justiça Federal com base no inciso V do
art. 109 da CF/88, são necessários três requisitos:
a)
que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção;
b)
que o Brasil tenha assinado tratado/convenção internacional se comprometendo a
combater essa espécie de delito;
c)
que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa
praticada e o resultado que foi produzido ou que deveria ter sido produzido.
A
relação de internacionalidade ocorre quando:
•
iniciada a execução do crime no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no estrangeiro;
•
iniciada a execução do crime no estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no Brasil.
Tratado não precisa definir todos os elementos do crime
Vale ressaltar que não há necessidade de o tratado ou a
convenção definirem todos os elementos do crime. Basta que exista a previsão de
compromisso na repressão de determinada conduta.
A transposição das fronteiras não precisa ter sido
consumada, podendo apenas ter sido tentada
O STF entende que basta a existência indícios de
transnacionalidade. Nesse sentido:
Compete à Justiça
Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir
material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e
241-B da Lei 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de
computadores.
STF. Plenário. RE
628624 ED, Rel. Edson Fachin, julgado em 18/08/2020 (Repercussão Geral – Tema
393) (Info 990 – clipping).
No mesmo sentido, no julgamento do Tema 648, o STF
estabeleceu a seguinte tese:
Compete à Justiça
Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que
envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou
protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
STF. Plenário. RE
835558/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/2/2017 (Repercussão Geral – Tema
648) (Info 853).
Dessa forma, a competência da Justiça Federal, sob o
ângulo da Constituição Federal de 1988, incidirá sempre que a ação delituosa
envolva bem jurídico objeto de mandados de proteção em Tratado ou Convenção
internacional e, simultaneamente, seja caracterizada a transnacionalidade, pela
transposição de fronteiras, consumada ou iniciada.
A proteção dos direitos autorais está prevista em
tratados e convenções internacionais
A preocupação em proteger os direitos autorais não se
limita apenas ao âmbito de um país, mas se estende internacionalmente. Isso
significa que os países se comprometem, por meio de acordos e tratados
internacionais, a respeitar e proteger esses direitos.
Esses tratados têm dois objetivos principais. Primeiro,
eles buscam assegurar que os países participantes (chamados Estados-parte) se
responsabilizem mutuamente em suas relações internacionais, promovendo um
compromisso coletivo de proteção. Segundo, visam garantir que os direitos
autorais sejam amplamente respeitados e que qualquer violação seja devidamente
punida.
No Brasil, essas normas internacionais são internalizadas
com força de lei ordinária. Isso significa que o Brasil adota em sua legislação
as regras acordadas nesses tratados internacionais, incluindo as punições para
quem violar os direitos autorais. Dessa forma, o país se alinha com os padrões
globais de proteção aos direitos de propriedade intelectual, mostrando seu
compromisso em proteger as criações intelectuais tanto dentro quanto fora de
suas fronteiras.
Veja alguns tratados que o Brasil é signatário:
I - Convenção de
Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro
de 1886, revista em Paris, em 24 de julho de 1971 (ratificada pelo Decreto
Legislativo nº 94, de 1974, em vigor no Brasil desde 06 de maio de 1975, promulgado
pelo Decreto nº 75.699/1975);
II - Convenção
Interamericana sobre os Direitos de Autor em Obras Literárias, Científicas e
Artísticas, firmada em Washington, em 22 de junho de 1946 (ratificada pelo
Decreto Legislativo nº 12, de 1948, em vigor no Brasil desde 18 de maio de 1949,
promulgada pelo Decreto 26.675/1949);
III - Convenção
Universal Sobre Direito do Autor, concluída em Genebra, em 6 de setembro de
1952 (ratificada pelo Decreto Legislativo nº 12, de 1959, em vigor no Brasil
desde 04 de julho de 1960, promulgada pelo Decreto 48.458/1960);
IV – Convenção
sobre Proteção de produtores de Fonogramas contra a Reprodução não Autorizada
de seus Fonogramas, concluída em Genebra, em 29 de outubro de 1971
(ratificada pelo Decreto Legislativo nº 59, de 1975, em vigor no Brasil desde
24 de dezembro de 1975, promulgada pelo Decreto 76.906/1975).
Desse modo, em face do compromisso internacional assumido
pela República Federativa do Brasil em proteger os direitos autorais e as obras
literárias e artísticas, se o crime de violação de direito autoral for
praticado com transnacionalidade, a competência para seu julgamento será da
Justiça Federal.
Em suma:
A competência
para processar e julgar o crime de violação de direito autoral (art. 184, § 2º,
CP) é da Justiça Federal quando verificada a transnacionalidade da ação
criminosa (art. 109, V, CF/88).
STF. Plenário.
RE 702.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19/12/2023 (Repercussão Geral –
Tema 580) (Info 1121).
Tese fixada pelo STF:
Compete à
Justiça Federal processar e julgar o crime de violação de direito autoral de
caráter transnacional.
STF. Plenário.
RE 702.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19/12/2023 (Repercussão Geral –
Tema 580) (Info 1121).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao
apreciar o Tema 580 da repercussão geral, deu provimento ao recurso
extraordinário, com a fixação da tese supracitada.
Qual é a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais
(exs.: CREA, CRM, COREN, CRO etc.)?
Os Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica de
autarquias federais.
Exceção: a OAB que, segundo a concepção majoritária, é um
serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades
jurídicas existentes no direito brasileiro.
Anuidades
Os Conselhos podem cobrar um valor todos os anos dos
profissionais que integram a sua categoria. A isso se dá o nome de anuidade
(art. 4º, II, da Lei nº 12.514/2011).
Qual é a natureza jurídica dessas anuidades?
Conforme jurisprudência do STF (ADI 4697/DF, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 06/10/2016), a anuidade devida aos conselhos
profissionais são tributos da espécie contribuições de interesse das categorias
profissionais (art. 149, CF/88):
O entendimento
iterativo do STF é na direção de as anuidades cobradas pelos conselhos
profissionais caracterizarem-se como tributos da espécie “contribuições de
interesse das categorias profissionais”, nos termos do art. 149 da Constituição
da República.
STF. Plenário.
ADI 4697, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 06/10/2016.
Essa é também a posição do STJ:
As anuidades
devidas aos conselhos profissionais constituem contribuições de interesse das
categorias profissionais e estão sujeitas a lançamento de ofício, o qual apenas
se aperfeiçoa com a notificação do contribuinte para efetuar o pagamento do
tributo e o esgotamento das instâncias administrativas, em caso de recurso,
sendo necessária a comprovação da remessa da intimação.
STJ. 2ª Turma.
AgInt no AREsp 1689783/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 26/10/2020.
Feita essa revisão, veja o caso concreto enfrentado pelo
STF:
A Resolução nº 560/2017, do Conselho Federal de
Enfermagem (COFEN) previa que a(o) enfermeira(o) somente pode obter, suspender
e reativar a sua inscrição no COFEN se estiver em dia com o pagamento das
anuidades.
Da mesma forma, a Resolução proibia a renovação e a
segunda vida da carteira profissional em caso de inadimplência caso ele
estivesse devendo anuidade.
Se tiver
curiosidade – não é indispensável para concursos – veja a redação dos
dispositivos:
Art. 16. O requerimento será instruído com os seguintes documentos:
(...)
II - Original e cópia do comprovante de recolhimento da taxa de emissão
de carteira e inscrição definitiva, bem como a anuidade do exercício. Se o
pedido for protocolizado até 31 de março a anuidade deverá ser paga integral.
Após esta data a anuidade deverá ser cobrada proporcionalmente aos meses que
restam para o fim do exercício fiscal;
Art. 32 A suspensão da inscrição será efetuada, mediante requerimento do
inscrito, nos casos de afastamento do exercício da atividade profissional.
(...)
§ 2º Para obter a suspensão de inscrição o profissional deverá estar
regular com as obrigações pecuniárias perante a Autarquia, bem como não
responder a processo ético.
Art. 34 Relativo à anuidade do ano em exercício, se o pedido for
protocolizado até 31 de março o inscrito ficará isento do pagamento da mesma.
(...)
§ 2º O profissional que desejar retomar a atividade profissional deverá
reativar sua inscrição e efetuar o pagamento da anuidade proporcional aos meses
que restam para o fim do exercício fiscal.
Art. 46 O requerimento de inscrição será instruído com os documentos
previstos nos artigos 16, 17 e 18, conforme o caso, aditando-se:
(...)
II - cópia da taxa de inscrição secundária, emissão de carteira e
anuidade. Se o pedido for protocolizado até 31 de março o inscrito deverá
efetuar o pagamento integral da anuidade. Após esta data deverá efetuar o
pagamento proporcional aos meses que restam para o fim de exercício;
(...)
IV - certidão de regularidade eleitoral e ética perante o sistema, bem
como prova de quitação das anuidades por certidão de regularidade, ou, havendo
os mesmos efeitos, certidão da qual conste a existência de créditos não
vencidos ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
Art. 48 A segunda via e renovação da carteira profissional de identidade
será solicitada através de requerimento firmado pelo inscrito.
(...)
§ 6º Quanto à situação financeira o inscrito deverá estar regular com as
anuidades, inclusive com a anuidade do ano em exercício.
O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esses
dispositivos.
O autor alegou que as normas impugnadas são
inconstitucionais, pois, ao exigirem que os profissionais da enfermagem quitem
suas anuidades junto ao Conselho Regional para obterem, renovarem, manterem
ativas e suspenderem suas inscrições e carteiras profissionais de identidade –
instrumentos considerados pela legislação de regência como imprescindíveis para
o exercício das profissões –, as normas impugnadas acabam por condicionar o
desempenho das profissões de enfermagem ao pagamento de tributos, o que configura
meio coercitivo indireto e sanção política em matéria tributária incompatíveis
com a Constituição Federal.
Primeira pergunta: a ação foi conhecida? É possível a
propositura de ADI contra Resolução de Conselho Profissional?
SIM. A jurisprudência do STF admite as ações de controle
abstrato de constitucionalidade para impugnar atos normativos infralegais, nos
casos em que o conteúdo impugnado apresente incompatibilidade direta com a
Constituição da República e sejam dotados de generalidade e abstração.
Em situação análoga ao presente caso, o STF admitiu ADI
ajuizada contra resolução editada pelo Conselho Federal de Psicologia. Veja:
É possível o uso
das ações do controle concentrado de constitucionalidade para o exame de atos
normativos infralegais, nos casos em que a tese de inconstitucionalidade
articulada pelo autor propõe o cotejo da norma impugnada diretamente com o
texto constitucional.
No caso, a
Resolução do Conselho não tratou de mero exercício de competência regulamentar,
mas expressou conteúdo normativo que lida diretamente com direitos e garantias
tutelados pela Constituição. Por esse motivo, cabe ADI para questionar a norma.
STF. Plenário.
ADI 3481/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/3/2021 (Info 1008).
As normas questionadas, presentes na Resolução nº
560/2017 do Conselho Federal de Enfermagem, dispõem de generalidade e abstração
suficientes a autorizar o exame de constitucionalidade, sem necessidade de
apreciação de normas infraconstitucionais interpostas.
E quanto ao mérito, o STF concordou com o pedido
formulado na ADI? A Resolução do COFEN é inconstitucional?
SIM.
O que é sanção política?
Os tributos em atraso devem ser cobrados pelos meios
judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário, protesto
de CDA) legalmente previstos. Existem, portanto, instrumentos legais para
satisfazer os créditos tributários.
Justamente por isso, não se pode fazer a cobrança de
tributos por meios indiretos, impedindo, cerceando ou dificultando a atividade
econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor. Quando isso ocorre, a
jurisprudência afirma que foram aplicadas “sanções políticas”, ou seja, formas
“enviesadas de constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento
do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.: apreensão de mercadorias, não
liberação de documentos, interdição de estabelecimentos.
A cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções
políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ:
Súmula 70-STF: É
inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança
de tributo.
Súmula 323-STF: É
inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de
tributos.
Súmula 547-STF:
Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira
estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades
profissionais.
Súmula 127-STJ: É
ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da
qual o infrator não foi notificado.
Desse modo, a orientação jurisprudencial do STF e do STJ
é a de que não se pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela
utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício
da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento de
tributos em atraso.
Tema 732/STF
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 647.885,
submetido à sistemática da repercussão geral, Tema 732, o STF fixou a tese no
sentido de que:
É
inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização
profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de
anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária.
STF. Plenário. RE
647885, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 27/04/2020 (Repercussão Geral – Tema
732) (Info 978).
Também no julgamento da ADI 7.020, o Supremo Tribunal
reconheceu que a suspensão de exercício profissional em razão de não pagamento
de anuidade da OAB configura sanção política:
É
inconstitucional o inciso XXIII do art. 34 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da
Advocacia), que prevê constituir infração disciplinar o não pagamento de
contribuições, multas e preços de serviços devidos à Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), depois de regular notificação para fazê-lo.
Também é
inconstitucional a aplicação aos advogados inadimplentes do que dispõe o art.
37 da mesma norma, que institui, como pena, a suspensão, a qual acarreta, por
conseguinte, a interdição do exercício profissional.
São
constitucionais o art. 134, § 1º, do Regulamento do Estatuto da Advocacia e da
OAB, bem assim os arts. 1º e 15, I, do Provimento 146/2011 do Conselho Federal
da OAB, que instituem a exigência do adimplemento das anuidades para que os
advogados possam votar e/ou serem candidatos nas eleições internas da OAB.
A exigência do
adimplemento das anuidades para que os advogados possam votar nas eleições
internas da OAB não configura sanção política em matéria tributária. Trata-se
de norma de organização do processo eleitoral da entidade, a qual se afigura
razoável e justificada.
Não é
desproporcional, muito menos irrazoável, exigir de um candidato a dirigente e
de seu eleitor o cumprimento de todos os deveres que possuem perante o órgão.
STF. Plenário.
ADI 7020/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 17/12/2022 (Info 1081).
Ao exigir que os profissionais da categoria comprovem a
quitação das anuidades para requererem a inscrição e a carteira profissional, a
norma impugnada impede o exercício regular da enfermagem e de suas atividades
auxiliares, em ofensa direta a diversos dispositivos constitucionais.
A Lei nº
7.498/86, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, prevê
que a inscrição no Conselho Regional de Enfermagem constitui requisito indispensável
para exercício regular da enfermagem e de suas atividades auxiliares:
Art. 2º A enfermagem e suas atividades auxiliares somente podem ser
exercidas por pessoas legalmente habilitadas e inscritas no Conselho Regional
de Enfermagem com jurisdição na área onde ocorre o exercício.
De outro
lado, a Lei nº 5.905/73, que dispõe sobre a criação dos Conselhos Federal e
Regionais de Enfermagem, estabelece que a carteira profissional de enfermagem,
expedida pelo respectivo Conselho, é documento indispensável ao desempenho da
profissão, a ser renovada a cada cinco anos pelos respectivos profissionais,
nos termos do art. 2º do Anexo da Resolução 560/2017:
Art. 15. Compete aos Conselhos Regionais:
(...)
VII - expedir a carteira profissional indispensável ao exercício da
profissão, a qual terá fé pública em todo o território nacional e servira de
documento de identidade;
Portanto, os óbices postos nas normas impugnadas para o
exercício profissional daqueles por elas regidos, pela inadimplência de
anuidades devidas ao Conselho Profissional, configuram meio coercitivo indireto
e sanção política incompatível com a reiterada jurisprudência do STF e por
ofensa ao disposto no inciso IV do art. 1º e nos incisos II, XIII e LIV do art.
5º da Constituição Federal.
Em suma:
São inconstitucionais
— por instituírem sanção política como meio coercitivo indireto para pagamento
de tributo — normas de conselho profissional que exigem a quitação de anuidades
para a obtenção, a suspensão e a reativação de inscrição, inscrição secundária,
bem como a renovação e a segunda via da carteira profissional.
STF. Plenário.
ADI 7423/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2023 (Info 1121).
Com base nesses entendimentos, o Plenário do STF, por
unanimidade, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade
dos arts. 16, II; 32, § 2º; 46, II e IV; e 48, § 6º, todos do Anexo da
Resolução nº 560/2017 do Conselho Federal de Enfermagem.
DOD Plus –
informação complementar
Sobre o tema, vale a pena recordar que o STF já possuía
uma recente decisão em sentido semelhante:
É
inconstitucional o art. 64 da Lei nº 5.194/66, considerada a previsão de
cancelamento automático, ante a inadimplência da anuidade por dois anos
consecutivos, do registro em conselho profissional, sem prévia manifestação do
profissional ou da pessoa jurídica, por violar o devido processo legal.
Art. 64. Será
automaticamente cancelado o registro do profissional ou da pessoa jurídica que
deixar de efetuar o pagamento da anuidade, a que estiver sujeito, durante 2
(dois) anos consecutivos sem prejuízo da obrigatoriedade do pagamento da
dívida.
O dispositivo
viola o livre exercício profissional (art. 5º, XIII, da CF/88), o devido
processo legal (art. 5º, LIV), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV).
Há ofensa também
à Súmula 70 do STF, que considera inadmissível a interdição de estabelecimento
como meio coercitivo para cobrança de tributo. O conselho dispõe de meio legal
para receber os valores devidos, não sendo razoável o cancelamento automático do
registro.
STF. Plenário. RE
808424, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2019 (Repercussão Geral –
Tema 757).
Depois do
julgado acima, a Lei nº 14.195/2021 inseriu o parágrafo único ao art. 4º da Lei
nº 12.514/2011 prevendo expressamente que não é possível a suspensão do
exercício profissional em razão do inadimplemento de anuidades devidas à
entidade de classe:
Art. 4º (...) Parágrafo único. O inadimplemento ou o atraso no pagamento
das anuidades previstas no inciso II do caput deste artigo não ensejará a
suspensão do registro ou o impedimento de exercício da profissão.