Antes de explicar o julgado, é
importante relembrarmos em que consiste o chamado ressarcimento ao SUS.
Ressarcimento ao SUS
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do
plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o Poder Público poderá cobrar
do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:
Art. 32. Serão ressarcidos
pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º
desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de
atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus
consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas,
conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001)
Assim, o chamado “ressarcimento
ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal das
operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas
que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por
esses planos.
Apenas a título de curiosidade,
na prática funciona assim:
1) O paciente é atendido em uma
instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do SUS;
2) A Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS com o
Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para
identificar as pessoas que foram atendidas na rede pública e que possuem plano de
saúde;
3) A ANS notifica a operadora
informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes;
4) A operadora pode contestar
isso nas instâncias administrativas, dizendo, por exemplo, que aquele serviço
utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já
havia deixado de ser usuário do plano etc.
5) Não havendo impugnação
administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos.
6) Caso não haja pagamento, a
operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em dívida ativa da ANS
para, em seguida, serem executados.
7) Os valores recolhidos a título
de ressarcimento ao SUS são repassados pela ANS para o Fundo Nacional
de Saúde.
O art. 32 da Lei nº
9.656/98 é constitucional? É válida a sistemática do ressarcimento ao SUS?
SIM.
É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº
9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou
ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4.6.1998, assegurados o contraditório
e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos.
STF. Plenário. RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
7/2/2018 (Repercussão Geral – Tema 345) (Info 890).
Imagine agora a seguinte
situação hipotética:
Regina precisou realizar uma
cirurgia bariátrica, que foi negada pelo SUS.
Inconformada, Regina ingressou
com ação contra o Estado do Rio Grande do Sul a fim de obrigá-lo a custear o
procedimento.
O juiz deferiu a tutela
provisória de urgência e a Regina realizou a cirurgia custeada pelo SUS.
Ao final, a tutela foi confirmada
e o pedido julgado procedente. Houve o trânsito em julgado.
Depois de um tempo, a
Administração Pública constatou que Regina era cliente do plano de saúde
Unimed, que tinha obrigação contratual de custear a bariátrica.
O Estado-membro tentou,
administrativamente, conseguir o ressarcimento das despesas com o plano de
saúde, mas o pedido foi negado.
Diante desse cenário, o
Estado-membro ajuizou ação contra a Unimed buscando o ressarcimento ao SUS, com
base no art. 32 da Lei nº 9.656/98.
A Unimed contestou apresentando
dois argumentos principais:
1) o art. 32 não se aplicaria em
casos de serviço prestado pelo SUS por força de decisão judicial;
2) a ANS é quem seria a
responsável pelo ressarcimento, e não o Estado.
O STJ concordou com os
argumentos do Estado-membro ou da Unimed?
Do Estado-membro.
O art. 32 da Lei nº 9.656/98
permite que os entes federados, ao cumprirem diretamente ordem judicial de
prestação de saúde pelo SUS, possam, posteriormente, reclamar judicialmente o
ressarcimento das despesas contra a operadora privada de plano de saúde.
Esse art. 32 não faz nenhuma
ressalva, de forma que ele admite, de maneira ampla, a possibilidade de
ressarcimento do serviço prestado em instituição integrante do SUS,
independentemente de esse procedimento ter sido oferecido espontaneamente ou
por determinação judicial.
Não há como excluir, das
hipóteses de ressarcimento, os casos em que o atendimento (do segurado de plano
particular) pelo SUS é determinado por ordem judicial, sob pena de “culminar
com o patrocínio estatal da atividade privada” (STF, RE 597.064/RJ).
O art. 32 prevê um processo
administrativo para o reembolso. Neste rito, a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) é a responsável por determinar o valor do serviço prestado
pelo SUS, cobrar esse valor da operadora de plano de saúde privado, repassar o
dinheiro ao Fundo Nacional de Saúde e, depois, compensar financeiramente a
entidade que pagou pelo serviço.
No entanto, em casos específicos
onde uma decisão judicial já determinou que o SUS forneça o
procedimento/tratamento, não faria sentido seguir esse processo administrativo.
Isso porque a decisão judicial já traz em si todas as informações necessárias
para justificar o reembolso ao ente federativo que prestou o serviço.
Portanto, o processo
administrativo conduzido pela ANS é uma das vias de ressarcimento, sendo a
principal, que atende os casos ordinários (comuns). Mas não é o único meio. Os
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, após fornecerem serviços de saúde
por ordem judicial, também podem promover diretamente a ação judicial contra o
plano de saúde pedindo o reembolso dos valores gastos com o tratamento
fornecido por força de decisão judicial.
Em suma:
O ente federado pode promover diretamente ação
judicial contra operadora privada de plano de saúde para ressarcimento de
valores referentes a prestação de serviço de saúde em cumprimento de ordem
judicial.
STJ. 1ª
Turma. REsp 1.945.959-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/10/2023
(Info 14 – Edição Extraordinária).