Dizer o Direito

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Súmula 664 do STJ

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi preso dirigindo uma motocicleta mesmo sem ter habilitação.

Ele conduzia a moto em zigue-zague entre as duas pistas de rolamento, quase atropelando pedestres que atravessavam a rua, gerando, assim, perigo de dano.

Ficou constatado ainda que estava embriagado.

João foi processado e condenado pela prática dos crimes dos arts. 306 e 309 do Código de Trânsito, em concurso material (art. 69 do Código Penal):

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

 

Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

 

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

 

João foi sentenciado a uma pena de 1 ano e 15 dias de detenção, em regime inicial semiaberto, e à suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor por 2 meses. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

 

Recurso da defesa

O condenado interpôs apelação pedindo o afastamento do concurso material entre os arts. 306 e 309 do CTB, pois defendeu que o réu teria praticado apenas uma conduta (conduzir o veículo).

Logo, deveria ser aplicado o princípio da consunção.

Subsidiariamente, como segunda tese defensiva, o réu pediu que fosse aplicada a regra do concurso formal (art. 70 do CP), e não do concurso material (art. 69 do CP).

 

A primeira tese da defesa é aceita pelo STJ? É possível aplicar o princípio da consunção neste caso para que o agente responda por um só crime?

NÃO.

Aplica-se o princípio da consunção quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime. Conforme ensina Michael Procópio:

“Segundo o princípio da consunção ou absorção, o crime (fato) previsto por uma norma (consunta ou consumida) constitui meio necessário ou fase normal de preparação de outro crime (previsto na norma consuntiva). Nesse caso, apenas a norma consuntiva será aplicada no caso concreto.” (AVELAR, Michael Procópio. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2023, p. 184).

 

Os crimes previstos nos arts. 306 e 309 do CTB são autônomos, com objetividades jurídicas distintas, motivo pelo qual não incide o postulado da consunção.

O delito de condução de veículo automotor sem habilitação não se afigura como meio necessário nem como fase de preparação ou de execução do crime de embriaguez ao volante (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.745.604/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 14/8/2018).

Também não há que se falar em aplicação do princípio da subsidiariedade:

A orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior está sedimentada no sentido de que os crimes do art. 306, caput, e do art. 309, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, não possuem relação de subsidiariedade, sendo delitos autônomos, com objetividades jurídicas distintas.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.923.977/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/9/2022.

 

A segunda tese da defesa é acolhida pelo STJ? É possível, neste caso, aplicar a regra do concurso formal?

NÃO.

Os tipos penais do art. 306 e 309 do CTB possuem momentos consumativos distintos.

O crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB) é de perigo abstrato, de mera conduta.

O crime de direção de veículo automotor sem a devida habilitação (art. 309 do CTB) é de perigo concreto.

É impossível aplicar o concurso formal de crimes no presente caso, pois há duas ações isoladas, com desígnios de vontades autônomas e com dois resultados distintos.

O momento em que o acusado passou a conduzir a motocicleta em via pública, com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool (art. 306 do CTB), não se confunde com aquele que é flagrado dirigindo referido automóvel, sem a devida habilitação ou permissão para dirigir (art. 309 do CTB), em zigue-zague entre as duas pistas de rolamento, quase atropelando pedestres que atravessavam a rua, gerando, assim, perigo de dano. Nesse sentido:

Tendo havido a indicação de que os delitos, autônomos, resultaram de ações distintas, não incide o concurso formal aos tipos penais dos artigos 306 (embriaguez ao volante) e o art. 309 (direção de veículo automotor sem a devida habilitação) do Código de Trânsito Brasileiro.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 749.440-SC, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 23/8/2022.

 

Em suma

Súmula 664-STJ: É inaplicável a consunção entre o delito de embriaguez ao volante e o de condução de veículo automotor sem habilitação.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 08/11/2023.


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