Imagine a seguinte situação
hipotética:
João procurou a UNIMED para contratar
um plano de saúde.
Ele forneceu todos os dados e
documentos exigidos, no entanto, no momento da assinatura do contrato, foi
informado que não poderia realizar a contratação, uma vez que estava com o seu nome
negativado no SPC/SERASA.
Inconformado, João ingressou com ação
de obrigação de fazer contra a Unimed. Argumentou que o simples fato de
registrar negativação nos cadastros de consumidores não é suficiente, por si
só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido.
A operadora do plano de saúde contestou
e defendeu que a conduta foi lícita para evitar a inadimplência já presumida do
contratante.
A ré argumentou que, nos termos do art. 39, IX, do CDC, a
recusa de contratar com quem possui restrição de crédito não será abusiva,
exceto se o consumidor se dispuser ao pronto pagamento do prêmio:
Art. 39. É vedado ao fornecedor
de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
IX - recusar a venda de bens ou a
prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante
pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis
especiais;
A recusa da operadora do plano de
saúde foi legítima? A operadora de plano de saúde está autorizada a negar a
contratação de serviço pelo simples fato de a pessoa estar com o nome
negativado em órgão de restrição de crédito?
NÃO.
Nos contratos de consumo de bens
essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação etc., não pode o
fornecedor agir pensando apenas no que melhor lhe convém.
A negativa de contratação de serviços
essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, sendo incompatível
ainda com os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O fato de o consumidor registrar
negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para
vedar a contratação do plano de saúde pretendido.
O plano de saúde tem garantias contra
o inadimplemento. Isso porque a prestação dos serviços pode ser obstada se o
contratante deixar de efetuar o pagamento das parcelas.
É descabida a aplicação, no caso
concreto, do disposto no art. 39, IX, do CDC. Isso porque o pronto pagamento
necessário a viabilizar a contratação dos serviços não se mostra compatível com
os contratos de planos de saúde, em que a prestação de serviço é contínua,
renovando-se mensalmente, com o pagamento, sobretudo, de coparticipação ou
franquia pelo titular.
O pronto pagamento não é prática usual
nos contratos de planos de saúde, motivo pelo qual considerar abusiva a
negativa da contratação, somente quando o consumidor que tenha o seu nome
inscrito em cadastro de inadimplentes se dispuser ao pronto pagamento e, ainda
assim, for recusada a contratação, caracteriza medida inócua, pois de pouca ou
nenhuma aplicação prática.
Não se está diante de um produto ou
serviço de entrega imediata, mas de um serviço eventual e futuro que, embora
posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. Assim, a recusa da
contratação ou a exigência de que só seja feita mediante “pronto pagamento”,
excede aos limites impostos pelo fim econômico do direito e pela boa-fé (art.
187 do CC/2002).
A contratação de serviços essenciais
não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do
contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até
porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um
pária.
Em suma:
O simples fato de o consumidor registrar negativação
nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a
contratação do plano de saúde pretendido.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.019.136-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min.
Moura Ribeiro, julgado em 7/11/2023 (Info 796).