Dizer o Direito

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O simples fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido

Imagine a seguinte situação hipotética:

João procurou a UNIMED para contratar um plano de saúde.

Ele forneceu todos os dados e documentos exigidos, no entanto, no momento da assinatura do contrato, foi informado que não poderia realizar a contratação, uma vez que estava com o seu nome negativado no SPC/SERASA.

Inconformado, João ingressou com ação de obrigação de fazer contra a Unimed. Argumentou que o simples fato de registrar negativação nos cadastros de consumidores não é suficiente, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido.

A operadora do plano de saúde contestou e defendeu que a conduta foi lícita para evitar a inadimplência já presumida do contratante.

A ré argumentou que, nos termos do art. 39, IX, do CDC, a recusa de contratar com quem possui restrição de crédito não será abusiva, exceto se o consumidor se dispuser ao pronto pagamento do prêmio:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

 

A recusa da operadora do plano de saúde foi legítima? A operadora de plano de saúde está autorizada a negar a contratação de serviço pelo simples fato de a pessoa estar com o nome negativado em órgão de restrição de crédito?

NÃO.

Nos contratos de consumo de bens essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação etc., não pode o fornecedor agir pensando apenas no que melhor lhe convém.

A negativa de contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, sendo incompatível ainda com os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido.

O plano de saúde tem garantias contra o inadimplemento. Isso porque a prestação dos serviços pode ser obstada se o contratante deixar de efetuar o pagamento das parcelas.

É descabida a aplicação, no caso concreto, do disposto no art. 39, IX, do CDC. Isso porque o pronto pagamento necessário a viabilizar a contratação dos serviços não se mostra compatível com os contratos de planos de saúde, em que a prestação de serviço é contínua, renovando-se mensalmente, com o pagamento, sobretudo, de coparticipação ou franquia pelo titular.

O pronto pagamento não é prática usual nos contratos de planos de saúde, motivo pelo qual considerar abusiva a negativa da contratação, somente quando o consumidor que tenha o seu nome inscrito em cadastro de inadimplentes se dispuser ao pronto pagamento e, ainda assim, for recusada a contratação, caracteriza medida inócua, pois de pouca ou nenhuma aplicação prática.

Não se está diante de um produto ou serviço de entrega imediata, mas de um serviço eventual e futuro que, embora posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. Assim, a recusa da contratação ou a exigência de que só seja feita mediante “pronto pagamento”, excede aos limites impostos pelo fim econômico do direito e pela boa-fé (art. 187 do CC/2002).

A contratação de serviços essenciais não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um pária.

 

Em suma:

O simples fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.019.136-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Moura Ribeiro, julgado em 7/11/2023 (Info 796).


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