Imagine a seguinte situação
hipotética:
João sofre de “ossos longos dos
membros inferiores”, patologia que o torna incapaz de desenvolver atividade
laborativa, bem como alguns atos da vida diária, provocando-lhe impedimento de
longo prazo.
Em razão disso, ele protocolizou
requerimento administrativo no INSS pedindo a concessão do benefício de
assistência social ao deficiente alegando estar incapacitado para a vida
laborativa, bem como por não possuir meios necessários para prover sua
subsistência.
O que é esse benefício requerido por João?
A ideia de um benefício assistencial de
prestação continuada a pessoas com deficiência e idosos carentes tem previsão
na própria Constituição Federal que, em seu art. 203, V, estabelece:
Art. 203. A assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:
(...)
V – a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A fim de dar cumprimento ao comando
constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A,
disciplinou como seria pago esse benefício.
O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina
esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser
chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “BPC-LOAS”.
Em que consiste:
Pagamento de um salário-mínimo por mês |
• à pessoa com deficiência; ou |
Desde que comprove não
possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família. |
• ao idoso com 65 anos ou mais. |
Voltando ao caso concreto:
Em 13/01/2005, o INSS indeferiu o
pedido por considerar que não havia qualquer patologia que justificasse a
concessão do benefício.
12 anos depois, mais precisamente
em 21/09/2017, João ajuizou ação contra o INSS pedindo a concessão do
benefício.
O juiz extinguiu o processo sob a
alegação de que a pretensão estaria prescrita, considerando que já se passaram
mais de 5 anos desde a data do indeferimento administrativo.
Logo, para o magistrado, João perdeu
o direito ao benefício. Na visão do julgador, houve a prescrição do próprio
fundo de direito.
Prescrição do “fundo de direito”
x prescrição “de trato sucessivo”
Existe uma classificação da prescrição que a divide em:
Prescrição do fundo de direito (prescrição nuclear) |
Prescrição progressiva (Prescrição de obrigações de
trato sucessivo) |
Ocorre quando o direito
subjetivo é violado por um ato único, começando, aí, a correr o prazo
prescricional que a pessoa lesada tem para exigir do devedor a prestação.
Esgotado esse prazo, extingue-se a pretensão e o credor não mais poderá
exigir nada do devedor. Em palavras mais simples, é
aquela que atinge a exigibilidade do direito como um todo. Ex: o devedor combinou de pagar
a dívida em uma só vez, em fev/2008. Se ele não pagou, iniciou-se o prazo
prescricional, que terminou em fevereiro/2013. |
Ocorre quando a obrigação do
devedor é de trato sucessivo, ou seja, contínua. Em outras palavras, o
devedor, periodicamente, deve fornecer aquela prestação ao credor. Toda vez
que não o faz, ele viola o direito do credor e este tem a pretensão de exigir
o cumprimento. Em palavras mais simples, é
aquela que atinge apenas as parcelas (e não o direito como um todo). Ex: o devedor combinou de pagar
uma indenização ao credor até o fim de sua vida. Essa verba é paga em
prestações (fev/2008, fev/2010, fev/2012 etc.). Imagine que ele não tenha
pagado nenhuma. A prescrição quanto a fev/2008 e fev/2010 já ocorreu.
Persistem, no entanto, as prestações de fev/2012 e as seguintes. |
Voltando ao caso concreto. Agiu corretamente
o juiz? A decisão do magistrado está de acordo com a jurisprudência do STJ?
NÃO.
O STJ tem decidido que não há que
se falar em prescrição do fundo de direito quando estiver em discussão o
Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social
(BPC-LOAS), previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, considerando que se trata
de direito fundamental.
O BPC-LOAS é um instrumento para
a manutenção da vida digna e para o atendimento às necessidades básicas
sociais.
O STF, ao julgar o RE 626.489/SE
(Tema 313/STF), firmou entendimento segundo o qual:
O direito à previdência social constitui direito fundamental e,
uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado
pelo decurso do tempo.
Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão
inicial do benefício previdenciário.
STF. Plenário. RE 626489/SE, rel. Min. Roberto Barroso, julgado
em 16/10/2013 (Repercussão Geral – Tema 313) (Info 724).
Esse entendimento do STF é
aplicável, com ainda mais força, ao BPC-LOAS, em razão de seu caráter
assistencial.
Admitir que sobre o direito de
revisão do ato de indeferimento do BPC-LOAS incida a prescrição quinquenal do
fundo de direito é estabelecer regime jurídico mais rigoroso que o aplicado aos
benefícios previdenciários, sendo estes menos essenciais à dignidade humana que
o benefício assistencial.
O BPC-LOAS, assim como os
benefícios previdenciários, são prestações de trato sucessivo e, por isso, não
há prescrição do fundo de direito
O BPC-LOAS envolve relação de
trato sucessivo e atende necessidades de caráter alimentar e humanitária
(assistencial), razão pela qual não se admite a tese de prescrição do fundo de
direito.
O direito de pleitear o BPC-LOAS
tem natureza de direito indisponível e não prescreve. Somente as prestações não
reclamadas no prazo de 5 anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da
inércia do beneficiário.
Desse modo, se a parte demorou
mais de 5 anos para ingressar com a ação judicial pleiteando o BPC-LOAS, ela
não perdeu a possibilidade de obter o benefício. O que ela perdeu foi apenas as
parcelas que venceram há mais de 5 anos contados da propositura da ação.
Explicando melhor com base
na situação concreta:
João ajuizou a ação em 21/09/2017.
Isso significa que, se o juiz acolher o pedido e entender que realmente ele
tinha direito ao BPC-LOAS, ele receberá as prestações atrasadas (retroativas)
relacionados com os últimos 5 anos, contadas do ajuizamento da ação. Isso
significa que João terá direito de receber as parcelas do BPC-LLOAS referentes
ao período de setembro/2012 para frente.
Pelo fato de ter demorado mais de
5 anos, João perdeu o direito de receber as parcelas de 13/01/2005 (data do
requerimento administrativo – DER) até dezembro de setembro/2012. Estas
parcelas estão prescritas. As demais, não.
Em suma:
A pretensão à concessão inicial ou ao direito de
revisão de ato de indeferimento, cancelamento ou cessação do BPC-LOAS não é
fulminada pela prescrição do fundo de direito, mas tão somente das prestações
sucessivas anteriores ao lustro prescricional previsto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932.
O direito de a parte questionar, no Poder Judiciário,
o ato que indeferiu ou cessou o BPC-LOAS não é completamente fulminado pelo
simples fato de se ter demorado a ajuizar a ação.
A parte continuará tendo direito de pleitear a
concessão do benefício na Justiça. O que irá prescrever são as prestações
anteriores aos 5 anos.
STJ. 1ª
Seção. REsp 1.803.530-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2023 (Info
796).