Dizer o Direito

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Não há prescrição de fundo de direito nas ações em que se busca a concessão do BPC-LOAS

Imagine a seguinte situação hipotética:

João sofre de “ossos longos dos membros inferiores”, patologia que o torna incapaz de desenvolver atividade laborativa, bem como alguns atos da vida diária, provocando-lhe impedimento de longo prazo.

Em razão disso, ele protocolizou requerimento administrativo no INSS pedindo a concessão do benefício de assistência social ao deficiente alegando estar incapacitado para a vida laborativa, bem como por não possuir meios necessários para prover sua subsistência.

 

O que é esse benefício requerido por João?

A ideia de um benefício assistencial de prestação continuada a pessoas com deficiência e idosos carentes tem previsão na própria Constituição Federal que, em seu art. 203, V, estabelece:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

 

A fim de dar cumprimento ao comando constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A, disciplinou como seria pago esse benefício.

O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “BPC-LOAS”.

Em que consiste:

Pagamento de um salário-mínimo por mês

• à pessoa com deficiência; ou

Desde que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

• ao idoso com 65 anos ou mais.

 

Voltando ao caso concreto:

Em 13/01/2005, o INSS indeferiu o pedido por considerar que não havia qualquer patologia que justificasse a concessão do benefício.

12 anos depois, mais precisamente em 21/09/2017, João ajuizou ação contra o INSS pedindo a concessão do benefício.

O juiz extinguiu o processo sob a alegação de que a pretensão estaria prescrita, considerando que já se passaram mais de 5 anos desde a data do indeferimento administrativo.

Logo, para o magistrado, João perdeu o direito ao benefício. Na visão do julgador, houve a prescrição do próprio fundo de direito.

 

Prescrição do “fundo de direito” x prescrição “de trato sucessivo”

Existe uma classificação da prescrição que a divide em:

Prescrição do fundo de direito

(prescrição nuclear)

Prescrição progressiva

(Prescrição de obrigações de trato sucessivo)

Ocorre quando o direito subjetivo é violado por um ato único, começando, aí, a correr o prazo prescricional que a pessoa lesada tem para exigir do devedor a prestação. Esgotado esse prazo, extingue-se a pretensão e o credor não mais poderá exigir nada do devedor.

Em palavras mais simples, é aquela que atinge a exigibilidade do direito como um todo.

Ex: o devedor combinou de pagar a dívida em uma só vez, em fev/2008. Se ele não pagou, iniciou-se o prazo prescricional, que terminou em fevereiro/2013.

Ocorre quando a obrigação do devedor é de trato sucessivo, ou seja, contínua. Em outras palavras, o devedor, periodicamente, deve fornecer aquela prestação ao credor. Toda vez que não o faz, ele viola o direito do credor e este tem a pretensão de exigir o cumprimento.

Em palavras mais simples, é aquela que atinge apenas as parcelas (e não o direito como um todo).

Ex: o devedor combinou de pagar uma indenização ao credor até o fim de sua vida. Essa verba é paga em prestações (fev/2008, fev/2010, fev/2012 etc.). Imagine que ele não tenha pagado nenhuma. A prescrição quanto a fev/2008 e fev/2010 já ocorreu. Persistem, no entanto, as prestações de fev/2012 e as seguintes.

 

Voltando ao caso concreto. Agiu corretamente o juiz? A decisão do magistrado está de acordo com a jurisprudência do STJ?

NÃO.

O STJ tem decidido que não há que se falar em prescrição do fundo de direito quando estiver em discussão o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS), previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, considerando que se trata de direito fundamental.

O BPC-LOAS é um instrumento para a manutenção da vida digna e para o atendimento às necessidades básicas sociais.

O STF, ao julgar o RE 626.489/SE (Tema 313/STF), firmou entendimento segundo o qual:

O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo.

Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.

STF. Plenário. RE 626489/SE, rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 16/10/2013 (Repercussão Geral – Tema 313) (Info 724).

 

Esse entendimento do STF é aplicável, com ainda mais força, ao BPC-LOAS, em razão de seu caráter assistencial.

Admitir que sobre o direito de revisão do ato de indeferimento do BPC-LOAS incida a prescrição quinquenal do fundo de direito é estabelecer regime jurídico mais rigoroso que o aplicado aos benefícios previdenciários, sendo estes menos essenciais à dignidade humana que o benefício assistencial.

 

O BPC-LOAS, assim como os benefícios previdenciários, são prestações de trato sucessivo e, por isso, não há prescrição do fundo de direito

O BPC-LOAS envolve relação de trato sucessivo e atende necessidades de caráter alimentar e humanitária (assistencial), razão pela qual não se admite a tese de prescrição do fundo de direito.

O direito de pleitear o BPC-LOAS tem natureza de direito indisponível e não prescreve. Somente as prestações não reclamadas no prazo de 5 anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da inércia do beneficiário.

Desse modo, se a parte demorou mais de 5 anos para ingressar com a ação judicial pleiteando o BPC-LOAS, ela não perdeu a possibilidade de obter o benefício. O que ela perdeu foi apenas as parcelas que venceram há mais de 5 anos contados da propositura da ação.

 

Explicando melhor com base na situação concreta:

João ajuizou a ação em 21/09/2017. Isso significa que, se o juiz acolher o pedido e entender que realmente ele tinha direito ao BPC-LOAS, ele receberá as prestações atrasadas (retroativas) relacionados com os últimos 5 anos, contadas do ajuizamento da ação. Isso significa que João terá direito de receber as parcelas do BPC-LLOAS referentes ao período de setembro/2012 para frente.

Pelo fato de ter demorado mais de 5 anos, João perdeu o direito de receber as parcelas de 13/01/2005 (data do requerimento administrativo – DER) até dezembro de setembro/2012. Estas parcelas estão prescritas. As demais, não.

 

Em suma:

A pretensão à concessão inicial ou ao direito de revisão de ato de indeferimento, cancelamento ou cessação do BPC-LOAS não é fulminada pela prescrição do fundo de direito, mas tão somente das prestações sucessivas anteriores ao lustro prescricional previsto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932. 

O direito de a parte questionar, no Poder Judiciário, o ato que indeferiu ou cessou o BPC-LOAS não é completamente fulminado pelo simples fato de se ter demorado a ajuizar a ação.

A parte continuará tendo direito de pleitear a concessão do benefício na Justiça. O que irá prescrever são as prestações anteriores aos 5 anos.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.803.530-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2023 (Info 796).


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