sábado, 13 de janeiro de 2024
É inconstitucional proibir a posse de candidato aprovado que teve uma doença grave, mas que atualmente não apresenta sintomas incapacitantes nem restrições para o trabalho
Imagine a seguinte situação hipotética:
Regina foi aprovada no concurso
para o cargo de Oficial de Justiça.
Antes de tomar posse, Regina se
submeteu aos exames admissionais na junta médica do Estado.
Durante os exames, a junta
descobriu que Regina teve câncer de mama há 2 anos.
Diante disso, a junta médica
considerou Regina inapta para o cargo. O argumento foi o de que, segundo o
Manual de Perícias do órgão, o candidato aprovado somente pode ser considerado
apto para tomar posse se tratou o câncer há mais de cinco anos.
Inconformada, Regina ingressou
com ação judicial alegando que esteve, de fato, acometida dessa grave doença,
mas que foi submetida a tratamento e que, atualmente, não apresenta nenhum sintoma
ou restrição para o trabalho.
Essa discussão chegou até o
STF. Regina tem direito de tomar posse no cargo público?
SIM.
É
inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidato(a) que esteve
acometido(a) de doença grave, mas que não apresenta sintomas atuais de
restrição para o trabalho.
STF.
Plenário. RE 886131/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 30/11/2023
(Repercussão Geral – Tema 1015) (Info 1119).
Eventuais restrições de acesso a
cargos públicos devem ser excepcionais e baseadas em justificação idônea
calcada no princípio da legalidade e nas especificidades da função a ser
exercida.
A exclusão de candidatos que não
apresentam qualquer restrição para o trabalho viola os princípios do concurso
público e da impessoalidade, diante da determinação constitucional de ampla
acessibilidade aos cargos públicos e de avaliação com base em critérios
objetivos, e o princípio da eficiência, porque reduz o espectro da seleção e
faz a Administração perder talentos.
Ressalte-se que o risco futuro e
incerto de recidiva, licenças de saúde e aposentadoria não pode impedir a
fruição do direito ao trabalho, que é indispensável para propiciar a
subsistência, a emancipação e o reconhecimento social.
Nesse contexto, a vedação à posse
desrespeita também a dignidade humana, pois representa um atestado de
incapacidade apto a minar a autoestima de qualquer um.
Ademais, no caso concreto, há
discriminação não só em razão de saúde, mas também de gênero. Isso, porque o
ato administrativo restringiu o acesso de mulheres a cargos públicos ao
estabelecer período de carência especificamente para carcinomas ginecológicos
sem que houvesse previsão semelhante para doenças urológicas ou outras que
acometam igualmente homens e mulheres.
Veja a tese fixada pelo STF:
É
inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidato(a) aprovado(a)
que, embora tenha sido acometido(a) por doença grave, não apresenta sintoma
incapacitante nem possui restrição relevante que impeça o exercício da função
pretendida (arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, caput,
37, caput, I e II, CF/88).
STF.
Plenário. RE 886131/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 30/11/2023
(Repercussão Geral – Tema 1015) (Info 1119).
Com base nesse entendimento, o
Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.015 da repercussão geral, deu
parcial provimento ao recurso extraordinário para condenar o Estado de Minas
Gerais a nomear e dar posse à recorrente.