CDHU
A Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) é uma empresa pública
(pessoa jurídica de direito privado) vinculada ao Estado de São Paulo.
A empresa tem por finalidade
executar programas habitacionais em todo o território do Estado, voltados para
o atendimento exclusivo da população de baixa renda.
Desse modo, podemos dizer que é a
CDHU é uma entidade da Administração Indireta, com personalidade jurídica de
direito privado, que atua na prestação de serviços públicos essenciais sem
finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
A empresa Alfa foi contratada
pela CDHU para construir um prédio.
A contratada fez a obra e, em
março de 2015, a CDHU pagou o valor combinado no contrato.
Ocorre que esse pagamento foi
feito com meses de atraso, porém, sem juros e correção monetária.
Diante disso, em março de 2019, a
ALFA ajuizou ação contra a CDHU cobrando juros legais e correção monetária
considerando que a companhia pagou apenas o valor principal.
Em contestação, a CDHU alegou a ocorrência da
prescrição trienal, com base no art. 206, § 3º, do Código Civil. Isso porque o
pagamento foi feito em março de 2015 e a ação somente foi proposta em março de
2019 (quatro anos depois). Veja o dispositivo legal invocado:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
III - a pretensão para haver
juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não
maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
O juiz rejeitou a alegação de prescrição sob o argumento de
que o prazo prescricional seria de 5 anos, com base no art. 1º do Decreto
20.910/32:
Art. 1º As dívidas passivas da
União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação
contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
A CDHU interpôs recurso,
no qual defendeu que não o art. 1º do Decreto 20.910/32 não poderia ser
aplicado para sociedades de economia mista.
O STJ concordou com a CDHU?
O prazo prescricional é de 3 ou 5 anos?
NÃO. O prazo prescricional é de 5
anos. Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/1932 às empresas
estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à
exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial,
como é o caso da CDHU.
O art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 fala em Fazenda:
Art. 1º As dívidas passivas da
União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação
contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Esse prazo de 5 anos, contudo, também é aplicável para
“autarquias ou entidades e órgãos paraestatais” por expressa disposição do art.
2º do Decreto-Lei nº 4.597/1942:
Art. 2º O Decreto nº 20.910, de 6
de janeiro de 1932, que regula a prescrição quinquenal, abrange as dívidas
passivas das autarquias, ou
entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante
impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal,
estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os
mesmos.
As empresas públicas e sociedades
de economia mista - comumente designadas de empresas estatais -, possuem um
regime jurídico híbrido, caracterizando-se pela convivência entre normas de
Direito Público e de Direito Privado.
Assim, essas empresas, por mais
que tenham sido constituídas como pessoas jurídicas de direito privado, sofrem
também influxo (influência) de normas de direito público.
Se as empresas públicas e
sociedades de economia mista...
• forem prestadoras de serviços
públicos essenciais;
• não se dedicarem à exploração
de atividade econômica com finalidade lucrativa; e
• tiverem natureza
concorrencial...
... receberão tratamento jurídico
assemelhado ao das pessoas jurídicas de direito público, operando-se verdadeira
extensão do conceito de Fazenda Pública.
Logo, as empresas estatais
prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de
atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial são
equiparadas à Fazenda Pública.
Como são equiparadas à Fazenda
Pública, as regras de prescrição estabelecidas no Código Civil não vão ter
incidência quando a demanda envolver empresa estatal prestadora de serviços
públicos essenciais, não dedicada à exploração de atividade econômica com
finalidade lucrativa e natureza concorrencial.
Em tais casos, aplica-se a
prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/1932, por se tratar de entidade que,
conquanto dotada de personalidade jurídica de direito privado, faz as vezes do
próprio ente político ao qual se vincula e, com isso, pode, em certa medida,
receber tratamento assemelhado ao de Fazenda Pública.
Em suma:
Aplica-se o regime normativo prescricional das
pessoas jurídicas de direito público, previsto no Decreto nº 20.910/1932 e no
Decreto-Lei nº 4.597/1942, às entidades da Administração Indireta com
personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos
essenciais sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.
STJ. Corte
Especial. EREsp 1.725.030-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/12/2023
(Info 14 – Edição Extraordinária).