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sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

A assinatura do laudo toxicológico definitivo por perito criminal é imprescindível para a comprovação da materialidade do delito de tráfico de drogas?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Policiais militares encontram 20g de um material que aparentava ser maconha, e 25g de uma substância que parecia ser cocaína na mochila de João.

João foi preso em flagrante.

As drogas foram encaminhadas para o Posto de Perícia Integrada, que elaborou o laudo de constatação preliminar e confirmou que as substâncias apreendidas eram maconha e cocaína.

Em seguida, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João imputando-lhe o crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).

A denúncia foi recebida.

No curso da instrução, foi elaborado e juntado o laudo toxicológico definitivo, que, mais uma vez, confirmou que as substâncias apreendidas eram maconha e cocaína.

Acontece que, apesar do perito ter sido devidamente identificado, ele se esqueceu de assinar o laudo.

Essa falha passou despercebida e o processo teve regular prosseguimento.

Ao final da instrução, o Juiz proferiu sentença condenatória.

João interpôs apelação. Alegou, dentre outros fundamentos, que não ficou provada a materialidade do crime. Isso porque o exame toxicológico definitivo, imprescindível para a comprovação da materialidade, não estava assinado pelo perito.

Destacou que o delito de tráfico ilícito de drogas possui natureza material, se fazendo necessário, portanto, a realização de laudo pericial definitivo válido para a constatação da existência do entorpecente, não podendo ser suprido por nenhum outro meio de prova.

Os argumentos da defesa foram acolhidos pelo Tribunal de Justiça e João foi absolvido.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial. Alegou que, apesar da ausência de assinatura, o laudo identificou expressamente o nome do perito responsável pela perícia e ainda possui código de barras numerado, que identifica seguramente o documento.

Ressaltou, ainda, que não se pode olvidar a presunção de legitimidade do documento público emanado da autoridade policial, diante dos princípios da oficialidade e da legalidade, como intrínsecos aos atos administrativos em geral, mesmo porque a defesa sequer se insurgiu em relação à legitimidade do mencionado documento.

Acrescentou também que, no direito brasileiro, não há provas absolutas, tanto que o art. 158, do CPP, prevê o exame de corpo de delito indireto.

 

O STJ manteve a absolvição por ausência de materialidade? A assinatura do laudo toxicológico definitivo por perito criminal é imprescindível para a comprovação da materialidade do delito de tráfico de drogas?

NÃO.

Havendo a apreensão de entorpecente, devem ser elaborados dois laudos:

 

1) Laudo de constatação

O primeiro, denominado de laudo de constatação, deve indicar se o material apreendido é, efetivamente, substância ou produto capaz de causar dependência, assim especificado em lei ou relacionado em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União, devendo apontar, ainda, a quantidade apreendida.

Trata-se, portanto, de um exame provisório, apto a comprovar a materialidade do delito e, como tal, autorizar a prisão do agente ou a instauração do respectivo inquérito policial, caso não verificado o estado de flagrância. É firmado por um perito oficial ou, em sua falta, por pessoa idônea.

 

2) Laudo definitivo

A lei também indica a existência do laudo definitivo, que é realizado de forma científica e minuciosa e, como o próprio nome indica, deve trazer a certeza quanto à materialidade do delito, definindo se o material analisado efetivamente se cuida de substância ilícita, a fim de embasar um juízo definitivo acerca do delito.

 

Laudo definitivo, em regra, é imprescindível

Diante disso, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do ERESp 1.544.057/RJ, pacificou o entendimento de que o laudo toxicológico definitivo, em regra, é imprescindível à comprovação da materialidade dos delitos envolvendo entorpecentes. Ausente o referido exame, é forçosa a absolvição do acusado, ressalvada, no entanto, em situações excepcionais, a possibilidade de aferição da materialidade do delito por laudo de constatação provisório, desde que este tenha sido elaborado por perito oficial e permita grau de certeza idêntico ao do laudo definitivo:

(...) 1. Nos casos em que ocorre a apreensão do entorpecente, o laudo toxicológico definitivo é imprescindível à demonstração da materialidade delitiva do delito e, nesse sentido, tem a natureza jurídica de prova, não podendo ser confundido com mera nulidade, que corresponde a sanção cominada pelo ordenamento jurídico ao ato praticado em desrespeito a formalidades legais. (...)

2. Isso, no entanto, não elide a possibilidade de que, em situação excepcional, a comprovação da materialidade do crime de drogas possa ser efetuada pelo próprio laudo de constatação provisório, quando ele permita grau de certeza idêntico ao do laudo definitivo, pois elaborado por perito oficial, em procedimento e com conclusões equivalentes. Isso porque, a depender do grau de complexidade e de novidade da droga apreendida, sua identificação precisa como entorpecente pode exigir, ou não, a realização de exame mais complexo que somente é efetuado no laudo definitivo.

3. Os testes toxicológicos preliminares, além de efetuarem constatações com base em observações sensoriais (visuais, olfativas e táteis) que comparam o material apreendido com drogas mais conhecidas, também fazem uso de testes químicos pré-fabricados também chamados “narcotestes” e são capazes de identificar princípios ativos existentes em uma gama de narcóticos já conhecidos e mais comercializados.

4. Nesse sentido, o laudo preliminar de constatação, assinado por perito criminal, identificando o material apreendido como cocaína em pó, entorpecente identificável com facilidade mesmo por narcotestes pré-fabricados, constitui uma das exceções em que a materialidade do delito pode ser provada apenas com base no laudo preliminar de constatação.

5. De outro lado, muito embora a prova testemunhal e a confissão isoladas ou em conjunto não se prestem a comprovar, por si sós, a materialidade do delito, quando aliadas ao laudo toxicológico preliminar realizado nos moldes aqui previstos, são capazes não só de demonstrar a autoria como também de reforçar a evidência da materialidade do delito.

(...)

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.544.057/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 9/11/2016.

 

Conclui-se que, havendo apreensão de material considerado como “droga”, a prova de sua materialidade depende, efetivamente, de algum tipo de exame de corpo de delito efetuado por perito que possa identificar, com certo grau de certeza, a existência dos elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como entorpecente.

Em situações excepcionais, o STJ admite que a materialidade do crime de tráfico de drogas seja comprovada pelo próprio laudo de constatação provisório. Trata-se de situação singular, em que a constatação permite grau de certeza correspondente ao laudo definitivo, pois elaborado por perito oficial, em procedimento e com conclusões equivalentes e seguras atestando a presença de substância ilícita no material analisado.

Desse modo, se a materialidade delitiva do crime de tráfico pode, excepcionalmente, ser comprovada por laudo de constatação provisório, não há de ser diferente a compreensão nos casos em que o exame toxicológico definitivo não possui assinatura válida do perito. Ou seja, reputa-se que esses casos − em que não consta a assinatura do perito oficial que elaborou o laudo toxicológico definitivo − também se enquadram nas excepcionalidades mencionadas pelo EREsp 1.544.057/RJ.

O STJ, em diversos julgados, firmou o entendimento de que a simples falta de assinatura do perito criminal no laudo toxicológico definitivo constitui mera irregularidade e não tem o condão de anular o exame, sobretudo nos casos em que o perito oficial está devidamente identificado com seu nome e número de registro no documento e houve o resultado positivo para as substâncias ilícitas analisadas.

 

Tese firmada

Com esses fundamentos, o STJ fixou a seguinte tese:

A simples falta de assinatura do perito encarregado pela lavratura do laudo toxicológico definitivo constitui mera irregularidade e não tem o condão de anular a prova pericial na hipótese de existirem outros elementos que comprovem a sua autenticidade, notadamente quando o expert estiver devidamente identificado e for constatada a existência de substância ilícita. 

STJ. 3ª Seção. REsps 2.048.422-MG, REsp 2.048.645-MG e REsp 2.048.440-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/11/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1206) (Info 796).

 

Caso concreto

Voltando ao caso concreto, o STJ consignou que, além da existência de outros indícios que caminham no sentido de corroborar a autoria e materialidade do crime imputado aos recorridos, destaca-se que, apesar de não haver a assinatura do perito subscritor no laudo toxicológico definitivo, o laudo cuja legitimidade se questiona ostenta timbre oficial; há indicação do responsável pela perícia, bem como códigos de barra nos rodapés das páginas, identificando o documento, assim como, no canto superior esquerdo das páginas do referido documento, certidão da Polícia Civil atestando que o laudo pericial confere com o original extraído do sistema “PCnet”, ratificando, portanto, a veracidade e a autenticidade das provas periciais.

Acrescentou, ainda, que o exame preliminar, devidamente assinado pelo perito criminal responsável, certificou que o material apreendido se comportou como maconha e cocaína.

Assim, a ausência da assinatura, dentro desse contexto fático, não seria elemento suficiente para retirar a validade do laudo definitivo.


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