Dizer o Direito

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Súmula vinculante 59

Regimes prisionais

Existem três regimes penitenciários:

FECHADO

SEMIABERTO

ABERTO

Pena cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média.

Pena cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

Pena cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

 

Fixação do regime inicial

O juiz, ao prolatar a sentença condenatória, deverá fixar o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade.

A isso se dá o nome de fixação do regime inicial.

Os critérios para essa fixação estão previstos no art. 33 do Código Penal.

 

O que o juiz deve observar na fixação do regime inicial?

O juiz, quando vai fixar o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve observar quatro fatores:

1) o tipo de pena aplicada: se reclusão ou detenção;

2) o quantum da pena definitiva;

3) se o condenado é reincidente ou não;

4) as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP).

 

Vamos organizar a aplicação desses quatro fatores:

RECLUSÃO

O regime inicial pode ser:

 

FECHADO: se a pena é superior a 8 anos.

 

 

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 e menor ou igual a 8 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial,

para esse quantum de pena, é o fechado.

 

 

 

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial,

para esse quantum de pena, será o semiaberto ou o fechado.

O que irá definir isso vão ser as circunstâncias judiciais:

·       se desfavoráveis, vai para o fechado;

·       se favoráveis, vai para o semiaberto.

 

Súmula 269-STJ: É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.

 

 

 

DETENÇÃO

O regime inicial pode ser:

 

FECHADO: nunca

 

 

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 anos.

 

 

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial é o semiaberto.

 

 

Penas restritivas de direitos

O Código Penal prevê que, em determinadas situações, a pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade pode ter esta reprimenda substituída por uma ou duas penas restritivas de direito.

 

Quais são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos?

Estão previstos no art. 44 do Código Penal e podem ser assim esquematizados:

1º requisito (objetivo):

Natureza do crime e

quantum da pena

2º requisito (subjetivo):

Não ser reincidente

em crime doloso

3º requisito (subjetivo):

A substituição seja

indicada e suficiente

a) Crime doloso:

• igual ou inferior a 4 anos;

• sem violência ou grave ameaça a pessoa.

 

b) Crime culposo: qualquer que seja a pena aplicada.

Em regra, o condenado reincidente em crime doloso não tem direito à substituição.

Exceção: o juiz poderá aplicar a substituição desde que:

• a medida seja socialmente recomendável e

• a reincidência não seja específica (em virtude da prática do mesmo crime).

A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

É o chamado princípio da suficiência da resposta alternativa ao delito.

 

Se a pessoa for condenada a...

A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por

Pena igual ou inferior a 1 ano de prisão

a) Multa OU

b) 1 pena restritiva de direito

Pena superior a 1 ano (até 4 anos) de prisão

a) 1 pena restritiva de direito + multa OU

b) 2 penas restritivas de direito.

 

Quais são as penas restritivas de direitos?

As penas restritivas de direitos são:

I - prestação pecuniária;

II - perda de bens e valores;

III - limitação de fim de semana;

IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

V - interdição temporária de direitos;

VI - limitação de fim de semana.

 

TRÁFICO PRIVILEGIADO: REGIME ABERTO E RESTRITIVA DE DIREITOS

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado a 1 ano e 8 meses de reclusão por tráfico de drogas (art. 33, § 4º da Lei nº 11304/2006).

O juiz fixou o regime inicial fechado. Vale ressaltar que o condenado era primário e as circunstâncias judiciais favoráveis a ele.

Como argumento para fixar o regime fechado, o juiz alegou que o crime de tráfico de drogas é muito grave, sendo extremamente nocivo para a sociedade.

 

Agiu corretamente o magistrado?

NÃO.

Se o réu, não reincidente, for condenado, por tráfico de drogas, a pena de até 4 anos, e se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz deverá fixar o regime aberto e deverá conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP.

A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso.

STF. 1ª Turma. HC 163231/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

STF. 2ª Turma. HC 133028/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/4/2016 (Info 821).

STJ. 6ª Turma. HC 596.603-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

 

Súmula 718-STF: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

 

Súmula 719-STF: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

 

A situação em tela se amolda ao art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal, que é aplicável também aos condenados por tráfico de drogas:

Art. 33 (...)

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

 

Mas o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 afirma que o regime inicial no caso de crimes hediondos e equiparados deverá ser o fechado...

Isso não muda a conclusão acima por conta de dois motivos:

1) O STF decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, ao impor o regime inicial fechado, é inconstitucional (STF. Plenário. HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/6/2012. Info 672).

Assim, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do Código Penal.

Logo, o juiz poderá condenar o réu por crime hediondo ou equiparado e fixar o regime semiaberto ou aberto, desde que cumpridos os requisitos do Código Penal acima explicados.

 

2) O chamado “tráfico privilegiado”, previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não é crime equiparado a hediondo.

O crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes, sendo esse o entendimento consolidado há anos:

O chamado “tráfico privilegiado”, previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), NÃO deve ser considerado crime equiparado a hediondo.

STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831).

STJ. 3ª Seção. Pet 11796-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (recurso repetitivo) (Info 595).

 

Vale ressaltar, inclusive, que, em 2019, foi editada a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que acrescentou o § 5º ao art. 112 da LEP positivando o entendimento acima exposto:

Art. 112 (...)

§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

 

Isso reforça ainda mais o constrangimento ilegal da estipulação de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso, em especial o fechado, se ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria da pena.

 

E quanto às penas restritivas de direito?

A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) prevê o seguinte:

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

 

Desse modo, o art. 44 da Lei de Drogas expressamente vedava a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Ocorre que o tráfico privilegiado, que é previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, não está listado no art. 44 acima transcrito. Veja que ele menciona arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37. Logo, a vedação não se aplicaria para o tráfico privilegiado.

Existe, contudo,  ainda uma outra razão para se permitir a restritiva de direitos para o tráfico de drogas.

O Pleno do STF, no julgamento do Habeas Corpus 97.256, decidiu que a expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos” contida no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 é inconstitucional:

(...) 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.

STF. Plenário. HC 97256, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 01/09/2010.

 

Posteriormente, o STF fixou a seguinte tese:

É inconstitucional a vedação à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, prevista nos artigos 33, § 4º, e 44, caput, da Lei 11.343/2006.

STF. Plenário. ARE 663261 RG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/12/2012 (Tema 626).

 

Alguns Tribunais estaduais insistiam em descumprir as conclusões acima

A despeito de o entendimento acima estar pacificado há muitos anos, alguns Tribunais de Justiça ainda insistiam em decidir de forma contrária.

Diante disso, o STF considerou como de extrema importância a edição de uma súmula vinculante com a finalidade de otimizar os efeitos da jurisprudência, pois vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e promoverá a segurança jurídica, evitando a multiplicação de processos sobre o mesmo tema.

 

Como ficou a redação do enunciado:

Súmula vinculante 59: É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, ‘c’, e do art. 44, ambos do Código Penal.

STF. Plenário. PSV 139/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/10/2023 (Info 1113).


Dizer o Direito!