Emendatio libelli e mutatio
libelli
Se tiver um tempinho, vamos
relembrar as principais características e diferenças desses dois institutos. Em
caso negativo, pode ir diretamente para a explicação do julgado logo após o
quadro.
EMENDATIO LIBELLI |
MUTATIO LIBELLI |
Quando ocorre Ocorre quando o juiz, ao condenar ou
pronunciar o réu, altera a definição jurídica (a capitulação do tipo penal)
do fato narrado na peça acusatória, sem, no entanto, acrescentar qualquer
circunstância ou elementar que já não esteja descrita na denúncia ou queixa. |
Quando ocorre Ocorre quando, no curso da instrução
processual, surge prova de alguma elementar ou circunstância que não havia
sido narrada expressamente na denúncia ou queixa. |
Requisitos 1) Não é acrescentada nenhuma
circunstância ou elementar ao fato que já estava descrito na peça acusatória. 2) É modificada a tipificação penal. |
Requisitos 1) É acrescentada alguma circunstância
ou elementar que não estava descrita originalmente na peça acusatória e cuja
prova surgiu durante a instrução. 2) É modificada a tipificação penal. |
Exemplo O MP narrou, na denúncia, que o réu,
valendo-se de fraude eletrônica no sistema da internet banking, retirou
dinheiro da conta bancária da vítima, imputando-lhe o crime de estelionato
(art. 171 do CP). O juiz, na sentença, afirma que, após a instrução, ficou
provado que os fatos ocorreram realmente na forma como narrada pelo MP, mas
que, em seu entendimento, isso configura furto mediante fraude (art. 155, §
4º, II, do CP). |
Exemplo O MP narrou, na denúncia, que o réu
praticou furto simples (art. 155, caput, do CP). Durante a instrução, os
depoimentos revelaram que o acusado utilizou-se de uma chave falsa para
entrar na coisa furtada. Com base nessa nova elementar, que surgiu em consequência
de prova trazida durante a instrução, verifica-se que é cabível uma nova
definição jurídica do fato, mudando o crime de furto simples para furto
qualificado (art. 155, § 4º, III, do CP). |
Previsão legal Prevista nos arts. 383, caput, e 418
do CPP: Art. 383. O juiz, sem modificar
a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa (leia-se: muda a
capitulação penal), ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais
grave. |
Previsão legal Prevista no art. 384 do CPP: Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se
entender cabível nova definição jurídica do fato, em
consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da
infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá
aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta
houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a
termo o aditamento, quando feito oralmente. |
Procedimento Se o juiz, na sentença, entender que é
o caso de realizar a emendatio libelli, ele poderá decidir diretamente, não
sendo necessário que ele abra vista às partes para se manifestar previamente
sobre isso. Tal se justifica
porque no processo penal o acusado se defende dos fatos e como os fatos não
mudaram, não há qualquer prejuízo ao réu nem violação ao princípio da
correlação entre acusação e sentença. |
Procedimento 1) Se o MP entender ser o caso de
mutatio libelli, ele deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo máximo de 5
dias após o encerramento da instrução; 2) esse aditamento pode ser
apresentado oralmente na audiência ou por escrito; 3) no aditamento, o MP poderá arrolar
até 3 testemunhas; 4) será ouvido o defensor do acusado
no prazo de 5 dias. Nessa resposta, além de refutar o aditamento, a defesa
poderá arrolar até 3 testemunhas; 5) o juiz decidirá se recebe ou
rejeita o aditamento; 6) se o aditamento for aceito pelo
juiz, será designado dia e hora para continuação da audiência, com inquirição
de testemunhas, novo interrogatório do acusado e realização de debates e
julgamento. Obs: se o órgão do MP, mesmo surgindo
essa elementar ou circunstância, entender que não é caso de aditamento e o
juiz não concordar com essa postura, aplica-se o art. 28 do CPP. |
Espécies de ação penal em que é cabível: • ação penal pública incondicionada; • ação penal pública condicionada; • ação penal privada. |
Espécies de ação penal em que é cabível: • ação penal pública incondicionada; • ação penal pública condicionada; • ação penal privada subsidiária da
pública. Obs: somente o MP pode oferecer
mutatio. |
Emendatio libelli em 2º grau de jurisdição: É possível que o tribunal, no
julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli, desde que
não ocorra reformatio in pejus (STJ HC 87984 / SC). |
Mutatio libelli em 2º grau de jurisdição: Não é possível, porque se o Tribunal,
em grau de recurso, apreciasse um fato não valorado pelo juiz, haveria
supressão de instância. Nesse sentido é a Súmula 453-STF: Não
se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de
Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato
delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou
implicitamente, na denúncia ou queixa. |
Obs.1: a denúncia não precisa
descrever as agravantes. Desse modo, caso a denúncia não narre determinada
agravante, mesmo assim ela poderá ser reconhecida pelo juízo na sentença, sem
necessidade de mutatio libelli.
Obs.2: se, após realizar a emendatio ou mutatio, o juiz perceber que há possibilidade de proposta de
suspensão condicional do processo, ele deverá abrir vista ao MP para oferecer a
proposta. Ex: o crime imputado era furto qualificado e foi realizada a emendatio para estelionato. Como o
estelionato permite a suspensão condicional do processo, deve ser feita a
proposta pelo MP, mesmo o processo já estando com a instrução encerrada.
Obs.3: se, após realizar a emendatio ou mutatio, a nova definição jurídica do crime acarretar a mudança da
competência, o magistrado deverá declarar-se incompetente e encaminhar os autos
ao juízo competente.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
O Ministério Público ofereceu
denúncia contra João.
Após a instrução, o juiz proferiu
sentença condenando João por fatos que não estavam narrados na denúncia. Houve,
portanto, mutatio libelli sem respeitar o art. 384 do CPP.
O réu interpôs apelação alegando
ofensa ao princípio da correlação.
O princípio da
correlação ou da congruência significa que a sentença não poderá condenar o
acusado por fatos não narrados na denúncia ou queixa, sob pena de incorrer em
decisão ultra ou extra petita, sendo isso causa de nulidade absoluta.
O Tribunal de Justiça deu
provimento ao recurso para reconhecer que, de fato, houve violação ao princípio
da correlação, considerando que realmente o réu foi condenado por fatos
diversos daqueles que foram imputados na denúncia.
Diante disso, o TJ anulou a sentença e absolveu o réu.
O Ministério Público não se
conformou interpôs recurso especial alegando o seguinte:
- tudo bem, aceito que houve
violação ao princípio da correlação;
- no entanto, quando o Tribunal reconheceu essa violação, o
que ele deveria ter feito era determinar o retorno dos autos ao primeiro grau,
para que fosse observado o rito do art. 384 do CPP e o MP pudesse aditar a
denúncia:
Art.
384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição
jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público
deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude
desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se
a termo o aditamento, quando feito oralmente.
O STJ concordou com os
argumentos do Ministério Público?
NÃO.
O art. 384 do CPP afirma que
“encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica
do fato (...) o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo
de 5 (cinco) dias”.
Desse modo, fica claro que o
momento para o aditamento da denúncia é o encerramento da instrução.
Logo, foi correta a decisão do
Tribunal de Justiça que, ao julgar a apelação da defesa, reconheceu que a
sentença condenou o réu por fatos que não estavam descritos na denúncia e, como
consequência, anulou a sentença e absolveu o réu, sem determinar o retorno dos
autos ao primeiro grau, como pretende o Parquet.
Além disso, o retorno dos autos
implicaria prejuízo para o réu e, portanto, violaria o princípio da non
reformatio in pejus.
Esse entendimento já foi
manifestado pelo STJ em outras ocasiões:
No julgamento de apelação interposta pela defesa, constatada a
ofensa ao princípio da correlação, não cabe reconhecer a nulidade da sentença e
devolver o processo ao primeiro grau para que então se observe o art. 384 do
CPP, uma vez que implicaria prejuízo para o réu e violaria o princípio da non
reformatio in pejus.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 559.214/SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJe de 13/5/2022.
Em suma:
Reconhecido, em recurso exclusivo da defesa, que a
sentença condenou o réu por fatos que não estavam descritos na denúncia, cabe
ao Tribunal somente anular a sentença e absolver o réu, mas não determinar o
retorno dos autos ao primeiro grau.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no AREsp 2.324.920/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
5/9/2023 (Info 789).
DOD Plus –
informações complementares
Em caso de emendatio
libelli é desnecessário o aditamento à denúncia
É lícito ao juiz alterar a
tipificação jurídica da conduta do réu no momento da sentença, sem modificar os
fatos descritos na denúncia, conforme a inteligência do art. 383 do CPP
(emendatio libelli), sendo despicienda a abertura de prazo para aditamento, o
que se exige na mutatio libelili do art. 384 do CPP.
Não constitui ofensa ao princípio
da correlação entre a denúncia e a sentença condenatória o ato de magistrado
singular, nos termos do art. 383 do CPP, atribuir aos fatos descritos na peça
acusatória definição jurídica diversa daquela proposta pelo órgão da acusação.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC
770256-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/10/2022 (Info 761).