segunda-feira, 11 de dezembro de 2023
Poder Judiciário não pode aumentar hipóteses de sequestro de verbas para pagamento de precatório
Caput do art. 100: “fila de
precatórios”
O regime de precatórios é tratado pelo
art. 100 da CF/88, assim como pelo art. 78 do ADCT.
No caput do art. 100 da CF/88 consta a regra geral
dos precatórios, ou seja, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em
decorrência de condenação judicial devem ser realizados na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios. Existe, então, uma espécie de “fila” para
pagamento dos precatórios:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais,
Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta
dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas
dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(Redação dada pela EC 62/09)
§
1º do art. 100: “fila preferencial de precatórios”
No § 1º do art. 100 há a previsão de que os débitos de
natureza alimentícia gozam de preferência no recebimento dos precatórios. É
como se existisse uma espécie de “fila preferencial”:
Art. 100 (...)
§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de
salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios
previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em
responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado,
e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre
aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela EC 62/09).
§
2º do art. 100: “fila com superpreferência”
O § 2º do art. 100 prevê que os
débitos de natureza alimentícia que tenham como beneficiários:
a) pessoas com
idade igual ou superior a 60 anos;
b) pessoas
portadoras de doenças graves;
c) pessoas
com deficiência;
... terão uma preferência ainda maior.
É como se fosse uma “fila com
superpreferência”.
Feita essa revisão, imagine agora a
seguinte situação hipotética:
João ingressou com reclamação
trabalhista contra a empresa na qual trabalhava em litisconsórcio passivo
contra o Estado do Rio Grande do Sul, considerando que essa empresa executava
uma obra pública e foi extinta irregularmente sem pagar seus salários.
O juiz trabalhista condenou o
Estado-membro a pagar as verbas trabalhistas em favor de João.
Houve o trânsito em julgado e a
expedição de precatório.
Desse modo, podemos dizer que João é
titular de um precatório relativo a uma condenação imposta ao Estado do Rio
Grande do Sul, em reclamatória trabalhista.
Enquanto aguardava o pagamento do
precatório, João foi acometido por um AVC (acidente vascular cerebral), que o
deixou com sequelas, entre elas trombose em uma das pernas, necessitando
realizar urgentemente uma cirurgia para desobstrução das veias, sob pena de
amputação.
Em razão de sua doença grave e da
natureza do crédito, ele se encontra na “fila com superpreferência”.
Ocorre que João precisa urgentemente
do dinheiro para realizar a cirurgia e não pode esperar mais nada, mesmo
estando na “fila com superpreferência”.
Diante disso, João requereu que fosse
realizado o sequestro do valor atualizado do precatório para imediato
pagamento.
O TRT determinou o sequestro das
verbas públicas para pagamento do crédito em favor de João, em caráter
excepcional, sem observância da ordem cronológica de apresentação, determinada
no art. 100 da Constituição Federal.
O Estado-membro recorreu, mas o TST manteve
a decisão do TRT por entender que, mesmo a tramitação preferencial não seria
capaz de prevenir danos graves e irreversíveis à dignidade e à saúde de João.
Ainda inconformada, a Fazenda Pública
interpôs recurso extraordinário alegando que não há previsão para o sequestro
de valores neste caso.
O
STF concordou com os argumentos da Fazenda Pública?
SIM.
É
inconstitucional o sequestro de verbas públicas para pagamento de crédito a
portador de moléstia grave sem a observância das regras dos precatórios.
A interpretação das normas que definem
regime excepcional do sequestro de recursos financeiros necessários à
satisfação de precatório não pode ser ampliativa, sob pena de alcançar
situações não previstas de modo expresso no texto constitucional.
O sequestro somente pode ser deferido quando não verificada
a alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito ou
demonstrada a quebra da ordem de preferência de pagamento (art. 100, § 6º, da
CF/88), examinada a partir de balizas observadas no próprio texto
constitucional (art. 100, caput e §§ 1º e 2º, da CF/88):
Art. 100 (...)
§ 6º As dotações orçamentárias e os
créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao
Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento
integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente
para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação
orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da
quantia respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de
2009).
O STF fixou a seguinte tese a
respeito:
O deferimento de sequestro de rendas públicas para pagamento
de precatório deve se restringir às hipóteses enumeradas taxativamente na
Constituição Federal de 1988.
STF.
Plenário. RE 840.435/RS, relator Ministro Dias Toffoli, julgado em22/09/2023
(Repercussão Geral – Tema 598) (Info 1109).