terça-feira, 12 de dezembro de 2023
O dano moral sofrido pela vítima é inerente aos crimes praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, não exigindo instrução probatória específica, mas apenas oportunidade de manifestação do réu durante o curso da ação penal
NOÇÕES GERAIS SOBRE O ART. 387, IV, DO CPP
A sentença penal condenatória,
depois de transitada em julgado, produz diversos efeitos.
Um
dos efeitos é que a condenação gera a obrigação do réu de reparar o dano
causado:
Código
Penal
Art. 91. São efeitos da
condenação:
I — tornar certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime;
A
sentença condenatória, inclusive, constitui-se em título executivo judicial:
Código
de Processo Civil
Art. 515. São títulos
executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos
previstos neste Título:
VI - a sentença penal
condenatória transitada em julgado;
Assim, a vítima (ou seus
sucessores), de posse da sentença que condenou o réu, após o seu trânsito em
julgado, dispõe de um título que poderá ser executado no juízo cível para
cobrar o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em decorrência do crime.
O
art. 387, IV, do CPP prevê que o juiz, ao condenar o réu, já estabeleça na
sentença um valor mínimo que o condenado estará obrigado a pagar a título de
reparação dos danos causados. Veja:
Art. 387. O juiz, ao proferir
sentença condenatória:
IV — fixará valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos
pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
Desse modo, se o magistrado, na
própria sentença, já fixar um valor certo para a reparação dos danos, não será
necessário que a vítima ainda promova a liquidação, bastando que execute este
valor caso não seja pago voluntariamente pelo condenado.
Veja
o parágrafo único do art. 63 do CPP, que explicita essa possibilidade:
Art. 63. Transitada em julgado
a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para
o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus
herdeiros.
Parágrafo único. Transitada em
julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor
fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo
da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela Lei
nº 11.719/2008).
O art.
387, IV, do CPP trata apenas de prejuízos materiais ou ele também poderá ser
utilizado para danos morais? O juiz, na sentença criminal, poderá condenar o
réu a pagar indenização à vítima por danos morais?
SIM. O art. 387, IV, do CPP abrange
tanto danos materiais como morais. Nesse sentido:
O juiz, ao proferir sentença penal
condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos
causados pela infração (art. 387, IV, do CPP), pode, sentindo-se apto diante de
um caso concreto, quantificar, ao menos o mínimo, o valor do dano moral sofrido
pela vítima, desde que fundamente essa opção.
STJ. 6ª Turma. REsp
1.585.684-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016 (Info
588).
Isso porque o art. 387, IV, não
limita a indenização apenas aos danos materiais e a legislação penal deve
sempre priorizar o ressarcimento da vítima em relação a todos os prejuízos
sofridos.
Para que
seja fixado o valor da reparação, deverá haver pedido expresso e formal do MP
ou do ofendido?
SIM. Para que seja fixado, na
sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387,
IV, do CPP), é necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que
seja oportunizado ao réu o contraditório e sob pena de violação ao princípio da
ampla defesa (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1688389/MS, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 22/03/2018).
É necessário que o MP ou o
ofendido, ao fazer o pedido, apontem o valor líquido e certo pretendido?
NÃO. Não é necessário que o
Ministério Público ou a vítima quantifique o valor mínimo que pretende ver fixado.
Basta que seja pedida a fixação de valor mínimo a título de reparação do dano
causado pelo crime, sem necessidade de mencionar uma quantia líquida e certa.
Assim, por exemplo, basta que o
MP diga: juiz, fixe a quantia mínima de que trata o art. 387, IV, do CPP. Não é
necessário que diga: Excelência, fixe R$ 20 mil a título de valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração.
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro praticou violência
doméstica contra sua tia, Regina.
O Ministério Público ofereceu denúncia
contra Pedro.
Na denúncia, o Promotor de Justiça pediu que o réu fosse condenado
a pagar indenização à vítima, a título de reparação dos danos, com fundamento
no art. 387, IV, do CPP:
Art. 387.O juiz, ao proferir sentença
condenatória:
(...)
IV - fixará valor mínimo para reparação
dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
Em alegações finais, o MP
reiterou o pedido de condenação do réu ao pagamento de danos morais.
A defesa, nas alegações finais
pediu a absolvição e refutou o pleito do MP para condenação pelos danos morais.
O juiz prolatou sentença
condenando Pedro e determinando que ele pagasse R$ 1 mil em favor da vítima, a
título de reparação pelos danos morais que ela sofreu, na forma do art. 387,
IV, do CPP.
O réu interpôs apelação, o
Tribunal de Justiça manteve a condenação.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso extraordinário pedindo o afastamento da indenização por danos morais
sob o argumento de que não houve instrução probatória específica para apuração
do alegado dano.
O STF deu provimento ao recurso
do réu?
NÃO.
STF. 2ª
Turma. ARE 1.369.282 AgR/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
19/09/2023 (Info 1109).
Esse é também o entendimento do
STJ:
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito
doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a
título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte
ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de
instrução probatória.
STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 28/02/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 983) (Info 621).
Por outro lado, o entendimento do
STF é no sentido de que:
A fixação da reparação civil mínima na sentença penal
condenatória (art. 387, IV, do CPP) pressupõe a participação do réu, sob pena
de violação aos postulados do contraditório e da ampla defesa.
STF. 2ª
Turma. ARE 1.369.282 AgR/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
19/09/2023 (Info 1109).
No caso concreto, houve essa
participação, tendo sido observado o devido processo legal. Isso porque a
fixação do referido valor decorreu de pedido formulado pelo MP na própria
denúncia e que foi, inclusive, contraditado em sede de alegações finais
defensivas.
O STJ
comunga do mesmo entendimento:
Para
fixação de indenização mínima por danos morais, nos termos do art. 387, IV, do
CPP, não se exige instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de
sofrimento da vítima, bastando que conste pedido expresso na inicial
acusatória, garantia suficiente ao exercício do contraditório e da ampla
defesa.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 2.029.732-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
22/8/2023 (Info 784).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no
sentido de que a fixação de valor mínimo para reparação dos danos morais
causados pela infração exige apenas pedido expresso na inicial, sendo
desnecessárias a indicação de valor e a instrução probatória específica.
No caso dos autos, como houve o pedido de indenização por danos
morais na denúncia, não há falar em violação ao princípio do devido processo
legal e do contraditório, pois a Defesa pôde se contrapor desde o início da
ação penal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.984.337/MS, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 6/3/2023.