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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Não é possível a elevação da pena por circunstância agravante, em fração maior que 1/6, utilizando como único fundamento o fato de o réu ser reincidente específico

Sistema trifásico de dosimetria da pena

A etapa judicial adotou o sistema trifásico da dosimetria, conforme explicitado no item 51 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal e delineado no art. 68 do Código Penal.

Assim, a dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico:

1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP;

2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes;

3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição.

 

Reincidência: agravante

A definição de reincidência, para o Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do Código Penal com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais.

Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é condenada definitivamente por

E depois da condenação definitiva pratica novo(a)

Qual será a consequência?

CRIME

(no Brasil ou exterior)

CRIME

REINCIDÊNCIA

CRIME

(no Brasil ou exterior)

CONTRAVENÇÃO

(no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO

(no Brasil)

CONTRAVENÇÃO

(no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO

(no Brasil)

CRIME

NÃO HÁ reincidência.

Foi uma falha da lei.

Mas gera maus antecedentes

CONTRAVENÇÃO

(no estrangeiro)

CRIME ou CONTRAVENÇÃO

NÃO HÁ reincidência

Contravenção no estrangeiro não serve aqui.

 

Se o réu for reincidente, sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal.

O principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I, do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele fosse primário.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência;

 

A reincidência é analisada na segunda fase da dosimetria da pena.

 

Reincidência genérica e específica

A reincidência pode ser classificada em:

a) genérica: ocorre quando os crimes praticados são de tipos penais diferentes (espécies diferentes).

Ex.: após condenação transitada em julgado por furto, o indivíduo pratica um roubo.

 

b) específica: ocorre quando os crimes praticados são da mesma espécie (mesmo tipo penal).

Ex.: após condenação transitada em julgado por crime de furto, o agente pratica novo furto.

 

Se o juiz reconhece a reincidência como única agravante existente, no caso concreto, qual é o percentual de aumento que ele deverá aplicar?

Em regra, 1/6.

Não se trata de um critério previsto expressamente na lei. No entanto, o STJ possui diversos julgados afirmando que, se for reconhecida uma só agravante, o juiz deverá aumentar a pena em 1/6.

 

Significa que o juiz vai estar sempre limitado ao percentual de 1/6 se ele reconhecer apenas uma agravante?

NÃO. Mesmo reconhecendo uma só agravante, o magistrado poderá aumentar a pena acima de 1/6, desde que apresente fundamentação concreta e específica. É necessário, portanto, algo a mais devidamente justificado. Nesse sentido:

Predomina nesta Corte Superior o entendimento de que o aumento da pena em patamar superior à fração de 1/6 (um sexto), demanda fundamentação concreta e específica para justificar o incremento em maior extensão.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 855.665/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 3/10/2023.

 

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado de que, embora ausente previsão legal acerca dos percentuais mínimo e máximo de elevação da pena em razão da incidência das agravantes, o incremento da pena em fração superior a 1/6 (um sexto) exige fundamentação concreta.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 843.477/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 2/10/2023.

 

Imagine que o juiz reconheceu apenas uma agravante, qual seja a reincidência. O magistrado, contudo, decidiu aumentar a pena em 1/3 (maior, portanto, que 1/6), sob o argumento de que o réu é reincidente específico e, portanto, deveria receber uma reprimenda maior. Trata-se de fundamentação idônea?

NÃO. Não é possível a elevação da pena por circunstância agravante, em fração maior que 1/6, utilizando como único fundamento o fato de o réu ser reincidente específico.

Uma análise evolutiva do ordenamento jurídico nacional mostra que antes do Código Penal de 1940 a configuração do agravante da reincidência tinha como pressuposto o cometimento de crimes de mesma natureza.

O Código Penal de 1940, em sua redação original, ampliou o conceito de agravamento da reincidência para permitir que o crime anterior fosse de natureza diversa do atual, inaugurando a classificação da reincidência em específica e genérica, com ressalva expressa de que pena mais grave incidiria ao reincidente específico. Durante esse período histórico, a diferença de tratamento entre reincidência específica e genérica para fins de contaminação de pena já era discutível, com posições jurídicas antagônicas.

Nesse contexto, sobreveio a vigência da Lei nº 6.416/77 que, alterando o Código Penal, aboliu a diferenciação entre reincidência específica e genérica e, por consequência, suprimiu o tratamento diferenciado no tocante à dosimetria da pena.

Assim, considerando que a redação vigente do Código Penal estatuída pela Lei nº 7.209/84 teve origem na Lei nº 6.416/77, a interpretação da norma deve ser realizada de forma restritiva, evitando, com isso, restabelecer parcialmente a vigência da lei expressamente revogada. Inclusive, tal interpretação evita incongruência decorrente da afirmação de que a reincidência específica, por si só, é mais reprovável do que a reincidência genérica.

Ainda assim, para fins de inadmitir distinção de agravamento de pena entre o reincidente genérico e o específico, é importante pesar que o tratamento diferenciado entre os reincidentes pode ser feito em razão da quantidade de crimes anteriores, ou seja, da multirrencidência.

Sendo assim, a controvérsia deve ser solucionada no sentido de não ser possível a elevação da pena pela presença do agravante da reincidência em fração mais prejudicial ao apendo do que a de 1/6 utilizando-se como fundamento unicamente a reincidência específica do réu. Fica ressalvada a excepcionalidade da aplicação de fração mais grave do que 1/6 mediante fundamentação concreta a respeito da reincidência específica.

 

Em suma:

A reincidência específica como único fundamento só justifica o agravamento da pena em fração mais grave que 1/6 em casos de especialização e mediante fundamentação detalhada baseada em dados concretos do caso. 

STJ. 3ª Seção. REsp 2.003.716-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 25/10/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1172) (Info 793).


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