Sistema trifásico de dosimetria
da pena
A etapa judicial adotou o sistema trifásico da
dosimetria, conforme explicitado no item 51 da Exposição de Motivos da Parte
Geral do Código Penal e delineado no art. 68 do Código Penal.
Assim, a dosimetria da pena na sentença
obedece a um critério trifásico:
1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo
com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP;
2º passo: o juiz aplica as agravantes e
atenuantes;
3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e
de diminuição.
Reincidência: agravante
A definição de reincidência, para o
Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do Código Penal
com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais.
Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as
hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal
(inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 401):
Se a pessoa é
condenada definitivamente por |
E depois da
condenação definitiva pratica novo(a) |
Qual será a
consequência? |
CRIME (no
Brasil ou exterior) |
CRIME |
REINCIDÊNCIA |
CRIME (no
Brasil ou exterior) |
CONTRAVENÇÃO (no
Brasil) |
REINCIDÊNCIA |
CONTRAVENÇÃO (no
Brasil) |
CONTRAVENÇÃO (no
Brasil) |
REINCIDÊNCIA |
CONTRAVENÇÃO (no
Brasil) |
CRIME |
NÃO HÁ
reincidência. Foi uma
falha da lei. Mas gera maus antecedentes |
CONTRAVENÇÃO (no
estrangeiro) |
CRIME
ou CONTRAVENÇÃO |
NÃO HÁ
reincidência Contravenção
no estrangeiro não serve aqui. |
Se o réu for reincidente, sofrerá
diversos efeitos negativos no processo penal.
O
principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo
delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61,
I, do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso
ele fosse primário.
Art. 61. São circunstâncias que sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;
A reincidência é analisada
na segunda fase da dosimetria da pena.
Reincidência genérica e específica
A reincidência pode ser classificada em:
a) genérica: ocorre quando os crimes praticados são de tipos
penais diferentes (espécies diferentes).
Ex.: após condenação transitada em julgado por furto, o indivíduo
pratica um roubo.
b) específica: ocorre quando os crimes praticados são da mesma
espécie (mesmo tipo penal).
Ex.: após condenação transitada em julgado por crime de furto, o agente
pratica novo furto.
Se o juiz reconhece a
reincidência como única agravante existente, no caso concreto, qual é o
percentual de aumento que ele deverá aplicar?
Em regra, 1/6.
Não se trata de um critério
previsto expressamente na lei. No entanto, o STJ possui diversos julgados
afirmando que, se for reconhecida uma só agravante, o juiz deverá aumentar a
pena em 1/6.
Significa que o juiz vai
estar sempre limitado ao percentual de 1/6 se ele reconhecer apenas uma
agravante?
NÃO. Mesmo reconhecendo uma só
agravante, o magistrado poderá aumentar a pena acima de 1/6, desde que
apresente fundamentação concreta e específica. É necessário, portanto, algo a
mais devidamente justificado. Nesse sentido:
Predomina nesta Corte Superior o entendimento de que o aumento
da pena em patamar superior à fração de 1/6 (um sexto), demanda fundamentação
concreta e específica para justificar o incremento em maior extensão.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 855.665/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, julgado em 3/10/2023.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado de que,
embora ausente previsão legal acerca dos percentuais mínimo e máximo de
elevação da pena em razão da incidência das agravantes, o incremento da pena em
fração superior a 1/6 (um sexto) exige fundamentação concreta.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 843.477/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 2/10/2023.
Imagine que o juiz
reconheceu apenas uma agravante, qual seja a reincidência. O magistrado,
contudo, decidiu aumentar a pena em 1/3 (maior, portanto, que 1/6), sob o
argumento de que o réu é reincidente específico e, portanto, deveria receber
uma reprimenda maior. Trata-se de fundamentação idônea?
NÃO. Não é possível a elevação da
pena por circunstância agravante, em fração maior que 1/6, utilizando como
único fundamento o fato de o réu ser reincidente específico.
Uma análise evolutiva do
ordenamento jurídico nacional mostra que antes do Código Penal de 1940 a
configuração do agravante da reincidência tinha como pressuposto o cometimento
de crimes de mesma natureza.
O Código Penal de 1940, em sua
redação original, ampliou o conceito de agravamento da reincidência para
permitir que o crime anterior fosse de natureza diversa do atual, inaugurando a
classificação da reincidência em específica e genérica, com ressalva expressa
de que pena mais grave incidiria ao reincidente específico. Durante esse
período histórico, a diferença de tratamento entre reincidência específica e
genérica para fins de contaminação de pena já era discutível, com posições
jurídicas antagônicas.
Nesse contexto, sobreveio a
vigência da Lei nº 6.416/77 que, alterando o Código Penal, aboliu a
diferenciação entre reincidência específica e genérica e, por consequência,
suprimiu o tratamento diferenciado no tocante à dosimetria da pena.
Assim, considerando que a redação
vigente do Código Penal estatuída pela Lei nº 7.209/84 teve origem na Lei nº 6.416/77,
a interpretação da norma deve ser realizada de forma restritiva, evitando, com
isso, restabelecer parcialmente a vigência da lei expressamente revogada.
Inclusive, tal interpretação evita incongruência decorrente da afirmação de que
a reincidência específica, por si só, é mais reprovável do que a reincidência
genérica.
Ainda assim, para fins de
inadmitir distinção de agravamento de pena entre o reincidente genérico e o
específico, é importante pesar que o tratamento diferenciado entre os
reincidentes pode ser feito em razão da quantidade de crimes anteriores, ou
seja, da multirrencidência.
Sendo assim, a controvérsia deve
ser solucionada no sentido de não ser possível a elevação da pena pela presença
do agravante da reincidência em fração mais prejudicial ao apendo do que a de
1/6 utilizando-se como fundamento unicamente a reincidência específica do réu.
Fica ressalvada a excepcionalidade da aplicação de fração mais grave do que 1/6
mediante fundamentação concreta a respeito da reincidência específica.
Em suma:
A reincidência específica como único fundamento só
justifica o agravamento da pena em fração mais grave que 1/6 em casos de
especialização e mediante fundamentação detalhada baseada em dados concretos do
caso.
STJ. 3ª Seção.
REsp 2.003.716-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 25/10/2023 (Recurso
Repetitivo – Tema 1172) (Info 793).