Dizer o Direito

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Em regra, o CDC não é aplicado para os empréstimos contraídos por empresa para capital de giro

Imagine a seguinte situação hipotética:

Uma grande rede de supermercados precisava de dinheiro para abrir uma nova loja em outro bairro.

Para isso, celebrou contrato de mútuo com o banco por meio do qual tomou R$ 1 milhão emprestado.

Após alguns meses, a rede ajuizou ação de revisão contratual contra o Banco alegando que algumas cláusulas seriam abusivas.

A sociedade empresária alegou que essas cláusulas violariam dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

O Banco contestou a demanda afirmando que não se aplica o CDC aos contratos de empréstimo tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais e que, neste caso, não haveria qualquer espécie de vulnerabilidade por parte da rede de supermercados.

 

O que decidiu o STJ? Aplica-se o CDC neste caso?

NÃO.

 

Teoria finalista e teoria finalista mitigada

O Código de Defesa do Consumidor, consagrando a adoção da Teoria Finalista, dispõe ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, bem como “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (art. 2º, caput e parágrafo único, do CDC).

O STJ, contudo, faz uma interpretação teleológica e proporcional desse dispositivo legal para ampliar o conceito de consumidor. É a chamada Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada. Segundo essa teoria, a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre na categoria de destinatário final do produto, pode receber a proteção do CDC caso se apresenta em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.454.583/PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2019).

Assim, podem ser considerados consumidores não apenas as pessoas (físicas e jurídicas) que sejam destinatárias finais (fáticas e econômicas) do produto e serviço, mas também aquelas que comprovem algum tipo de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional (BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor [livro eletrônico] 9ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).

Nessas situações, a aplicação do CDC fica condicionada à demonstração efetiva da vulnerabilidade da pessoa frente ao fornecedor. Então, incumbe ao sujeito que pretende a incidência do diploma consumerista comprovar a sua situação peculiar de vulnerabilidade. Nesse sentido:

A aplicação da Teoria Finalista Mitigada exige a comprovação de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional, a qual não pode ser meramente presumida.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.001.086/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/9/2022.

 

Da Inaplicabilidade do CDC aos contratos de capital de giro

O contrato de capital de giro destina-se a incrementar a atividade produtiva e lucrativa da contratante, o que afasta, por decorrência lógica, a incidência do conceito de consumidor, ainda que mitigada a Teoria Finalista.

Justamente por isso, o STJ tem orientação consolidada no sentido de ser inaplicável o CDC ao contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro, porquanto não figura a sociedade empresária como destinatária final do serviço. Confiram-se os seguintes precedentes:

A pessoa jurídica, na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, não é considerada a destinatária final do serviço.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1.646.329/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/10/2020.

 

É inaplicável o diploma consumerista na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço.

Não há que se falar, portanto, em aplicação do CDC ao contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro.

Dessa maneira, inexistindo relação de consumo entre as partes, mas sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do ônus da prova ope judicis (art. 6º, inc. VIII, do CDC).

STJ. 3ª Turma. REsp 2.001.086/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/9/2022.

 

Resumindo:

Em regra, com base na teoria finalista, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de empréstimo tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço e não pode ser considerada consumidora.

Exceção: é possível a mitigação dessa regra na hipótese em que ficar demonstrada a específica condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica.

 

No caso concreto, a aplicação do CDC exigiria, na linha do exposto acima, a demonstração de que haveria determinada vulnerabilidade capaz de colocar a sociedade empresária contratante em situação de desvantagem ou desequilíbrio em relação ao banco, o que não ficou comprovado.

 

Em suma:

Em regra, com base na Teoria Finalista, não se aplica o CDC aos contratos de empréstimo tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço e não pode ser considerada consumidora.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.497.574-SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 24/10/2023 (Info 795).


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