Imagine a seguinte situação
hipotética:
Uma grande rede de supermercados
precisava de dinheiro para abrir uma nova loja em outro bairro.
Para isso, celebrou contrato de mútuo
com o banco por meio do qual tomou R$ 1 milhão emprestado.
Após alguns meses, a rede ajuizou
ação de revisão contratual contra o Banco alegando que algumas cláusulas seriam
abusivas.
A sociedade empresária alegou que
essas cláusulas violariam dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
O Banco contestou a demanda
afirmando que não se aplica o CDC aos contratos de empréstimo tomados por
sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais
e que, neste caso, não haveria qualquer espécie de vulnerabilidade por parte da
rede de supermercados.
O que decidiu o STJ?
Aplica-se o CDC neste caso?
NÃO.
Teoria finalista e teoria
finalista mitigada
O Código de Defesa do Consumidor,
consagrando a adoção da Teoria Finalista, dispõe ser consumidor “toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”, bem como “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que
haja intervindo nas relações de consumo” (art. 2º, caput e parágrafo único, do
CDC).
O STJ, contudo, faz uma interpretação
teleológica e proporcional desse dispositivo legal para ampliar o conceito de
consumidor. É a chamada Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada. Segundo essa
teoria, a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre na categoria de
destinatário final do produto, pode receber a proteção do CDC caso se apresenta
em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp
1.454.583/PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2019).
Assim, podem ser considerados
consumidores não apenas as pessoas (físicas e jurídicas) que sejam
destinatárias finais (fáticas e econômicas) do produto e serviço, mas também
aquelas que comprovem algum tipo de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática
e/ou informacional (BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA,
Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor [livro eletrônico] 9ª ed. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).
Nessas situações, a aplicação do CDC
fica condicionada à demonstração efetiva da vulnerabilidade da pessoa frente ao
fornecedor. Então, incumbe ao sujeito que pretende a incidência do diploma
consumerista comprovar a sua situação peculiar de vulnerabilidade. Nesse
sentido:
A aplicação da Teoria Finalista Mitigada exige a comprovação
de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional, a qual não
pode ser meramente presumida.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.001.086/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 27/9/2022.
Da Inaplicabilidade do CDC
aos contratos de capital de giro
O contrato de capital de giro
destina-se a incrementar a atividade produtiva e lucrativa da contratante, o
que afasta, por decorrência lógica, a incidência do conceito de consumidor,
ainda que mitigada a Teoria Finalista.
Justamente por isso, o STJ tem
orientação consolidada no sentido de ser inaplicável o CDC ao contrato bancário
celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro,
porquanto não figura a sociedade empresária como destinatária final do serviço.
Confiram-se os seguintes precedentes:
A pessoa jurídica, na contratação de negócios jurídicos e
empréstimos para fomento da atividade empresarial, não é considerada a
destinatária final do serviço.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1.646.329/PR, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/10/2020.
É inaplicável o diploma consumerista na contratação de
negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez
que a contratante não é considerada destinatária final do serviço.
Não há que se falar, portanto, em aplicação do CDC ao
contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de
capital de giro.
Dessa maneira, inexistindo relação de consumo entre as
partes, mas sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa
do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do
ônus da prova ope judicis (art. 6º, inc. VIII, do CDC).
STJ. 3ª Turma. REsp 2.001.086/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 27/9/2022.
Resumindo:
Em regra, com base na
teoria finalista, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos
de empréstimo tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar
suas atividades negociais, uma vez que a contratante não é considerada
destinatária final do serviço e não pode ser considerada consumidora.
Exceção: é possível a
mitigação dessa regra na hipótese em que ficar demonstrada a específica
condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica.
No caso concreto, a aplicação do
CDC exigiria, na linha do exposto acima, a demonstração de que haveria
determinada vulnerabilidade capaz de colocar a sociedade empresária contratante
em situação de desvantagem ou desequilíbrio em relação ao banco, o que não
ficou comprovado.
Em suma:
Em regra, com base na Teoria Finalista, não se aplica
o CDC aos contratos de empréstimo tomados por sociedade empresária para
implementar ou incrementar suas atividades negociais, uma vez que a contratante
não é considerada destinatária final do serviço e não pode ser considerada
consumidora.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.497.574-SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 24/10/2023 (Info
795).