Dizer o Direito

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

É inconstitucional lei estadual que reserva 80% das vagas do vestibular da universidade estadual para estudantes que tiverem cursado o ensino médio integralmente em escolas, públicas ou privadas, no estado

Sistema de cotas

Algumas universidades públicas em nosso país adotam sistemas de cotas.

Por meio deste sistema, alguns alunos, por ostentarem características peculiares ligadas à cor, etnia, classe social ou por serem oriundos de escolas públicas têm direito a um percentual de vagas que não é submetido à concorrência ampla.

O STF afirmou que, em regra, esse sistema de cotas é constitucional. Nesse sentido:

O sistema de cotas em universidades, com base em critério étnico-racial, é CONSTITUCIONAL.

É também constitucional fixar cotas para alunos que sejam egressos de escolas públicas.

STF. Plenário. RE 597285/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 9/5/2012.

 

(Juiz TJSP 2015) Ao analisar decisões do Supremo Tribunal Federal na aplicação do princípio da igualdade, por exemplo na ADPF 186/DF (sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas), é correto afirmar que: as discriminações positivas correspondem a maior efetividade ao princípio da igualdade (certo).

 

Veja abaixo uma situação um pouco diferente.

 

Cotas para alunos de determinado Estado/DF

O Amazonas editou a Lei estadual nº 2.894/2004, afirmando que 80% das vagas destinadas a vestibulares da Universidade do Estado do Amazonas deveriam ser reservadas para candidatos egressos de escolas públicas ou privadas daquele ente federado, desde que nelas tenham cursado os três anos do ensino médio. Veja:

Art. 1º - As vagas em cursos e turnos oferecidas anualmente pela Universidade do Estado do Amazonas em concursos vestibulares terão a distribuição seguinte:

I - 80% (oitenta por cento) para candidatos que:

a) comprovem haver cursado as três séries do ensino médio em instituições públicas ou privadas no Estado do Amazonas; e,

b) não possuam curso superior completo ou não o estejam cursando em instituição pública de ensino.

II - 20% (vinte por cento), para candidatos que comprovem haver concluído o ensino médio ou equivalente em qualquer Estado da Federação ou no Distrito Federal.

§ 1º - Sessenta por cento (60%) das vagas a que se refere o inciso I, dos cursos ministrados em Manaus, serão destinadas a alunos que tenham cursado as três séries do ensino médio em escola pública no Estado do Amazonas.

§ 2º - Tratando-se de candidato aprovado em exame supletivo, a Universidade exigirá, do candidato que disputar as vagas do inciso I, a comprovação, na forma do edital respectivo, de residência no Estado do Amazonas por pelo menos 3 (três) anos.

§ 3º - O candidato indicará, no ato da inscrição, o conjunto a que pertence a vaga que deseja disputar, responsabilizando-se pelas declarações que prestar.

§ 4º - Na hipótese de não ser suficiente a quantidade de candidatos classificados em um dos conjuntos de vagas, a Universidade convocará os do outro conjunto, respeitada a ordem de classificação.

 

Essa lei do AM é constitucional?

NÃO.

A Constituição Federal de 1988, ante seu rompimento com o regime ditatorial até então vigente, foi a que mais se preocupou com a igualdade de direito, garantindo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

 

No mesmo sentido, o art. 3º, IV, da CF/88 proíbe o preconceito decorrente do critério de origem. Veja:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Além disso, o art. 19, III não permite que sejam feitas discriminações entre os brasileiros:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

 

No caso concreto, a lei estadual impugnada destinou 80% das vagas aos candidatos que se enquadrassem na situação acima, de modo que a reserva de apenas 20% para aqueles que concluíram o ensino médio ou equivalente em ente federativo diverso restringe excessivamente o acesso de outras pessoas e, consequentemente, reduz a diversidade entre os alunos.

Nesse contexto, em que pese a nobre possibilidade de se corrigirem distorções socioeconômicas, como ocorre com a implementação da política de reserva de vagas (cotas) para alunos egressos de escolas localizadas no próprio estado, não pode o ente federativo criar discriminações regionais infundadas e desproporcionais com a finalidade de favorecer apenas os residentes em determinada região, sob pena de violação aos arts. 3º, IV; 5º, caput; e 19, III, todos da Constituição Federal.

Vale ressaltar que, recentemente, ao julgar a ADI 4868, em que se discutiu tema semelhante, o STF invalidou norma do Distrito Federal que reservava 40% das vagas em suas universidades públicas para alunos que comprovassem ter cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em escolas públicas distritais:

É inconstitucional a lei distrital que preveja que 40% das vagas das universidades e faculdades públicas do Distrito Federal serão reservadas para alunos que estudaram em escolas públicas do Distrito Federal.

Essa lei, ao restringir a cota apenas aos alunos que estudaram no Distrito Federal, viola o art. 3º, IV e o art. 19, III, da CF/88, tendo em vista que faz uma restrição injustificável entre brasileiros.

Vale ressaltar que a inconstitucionalidade não está no fato de ter sido estipulada a cota em favor de alunos de escolas públicas, mas sim em razão de a lei ter restringindo as vagas para alunos do Distrito Federal, em detrimento dos estudantes de outros Estados da Federação.

STF. Plenário. ADI 4868, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 27/03/2020.

 

Em suma:

É inconstitucional lei estadual que assegura, de forma infundada e/ou desproporcional, percentual das vagas oferecidas para a universidade pública local a candidatos que cursaram integralmente o ensino médio em instituições públicas ou privadas da mesma unidade federativa.

Essa lei viola a garantia de tratamento igualitário a todos os cidadãos brasileiros, que veda a criação de distinções ou preferências entre si (art. 19, III, da CF/88).

STF. Plenário. RE 614.873/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/10/2023 (Info 1113).

 

Com base nesse e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, negou provimento ao recuso extraordinário para julgar inconstitucional a Lei nº 2.894/2004, do Estado do Amazonas.


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