O caso concreto foi o seguinte:
No Estado de Santa Catarina, foi
editada lei, de iniciativa parlamentar, que estabelece um prazo máximo para o
atendimento de consumidores por empresas e órgãos ou entidades da Administração
Pública que prestam serviços de qualquer natureza.
Confira a redação da Lei:
Art. 1º Fica a pessoa jurídica, pública
ou privada, prestadora de serviços de qualquer natureza, de atendimento a
consumidores, obrigada a dar o atendimento solicitado, no prazo de quinze
minutos em dias úteis normais e de, no máximo trinta minutos, em dias que
antecedem a feriados prolongados e nos imediatamente seguinte a eles.
Art. 2º O não cumprimento ao disposto
no artigo anterior, sujeitará o infrator às sanções progressivas de:
I - advertência;
II - multa no valor de R$ 425,64
(quatrocentos e vinte cinco reais e sessenta e quatro centavos);
III - multa no valor de R$ 851,28
(oitocentos e cinqüenta e um reais e vinte oito centavos); e
IV - multa no valor de R$ 1.276,92 (um
mil duzentos e setenta e seis reais e noventa e dois centavos).
ADI
O Governador do Estado ingressou
com ADI contra a Lei.
Argumentou que a regulamentação de tempo de atendimento no
plano da administração pública estadual consiste em matéria que se insere na
organização e funcionamento da própria Administração Estadual, motivo pelo qual
a iniciativa de lei nesse sentido seria privativa do Chefe do Executivo,
conforme previsão constitucional contida no art. 84, VI, “a”, da CF/88 (por
simetria):
Art. 84. Compete privativamente ao
Presidente da República:
(...)
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da
administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou
extinção de órgãos públicos;
(...)
Assim, embora louvável a intenção
do legislador, a norma atacada usurpou do Poder Executivo a função precípua de
administrar o Estado e implantar sua política na área da prestação de serviços
públicos, incorrendo assim em vício de iniciativa.
Em outra frente, arguiu que, ao
versar indiscriminadamente sobre o tempo de atendimento de os serviços de
qualquer natureza, a lei teria violado também a competência privativa da União
para tratar de Direito Civil (art. 22, I, da CF/88).
Ressaltou que, ainda que se
admitisse que a matéria em foco versasse apenas sobre o direito de consumidor,
a lei seria inconstitucional, porquanto teria extrapolado os limites da
competência concorrente, na medida em que o art. 24, caput, da CF/88, autorizaria
o Estado a editar apenas normas em caráter exclusivamente suplementar, o que
não seria o caso.
Por derradeiro, argumentou ainda
que a norma seria inconstitucional por violar os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que não excepciona hipóteses
fáticas em que o atraso se dê de forma involuntária, ou seja, que o atraso se
dê por eventos alheios à vontade do fornecedor.
O STF concordou com o
pedido formulado na ADI? A Lei impugnada foi declarada inconstitucional?
NÃO.
Regra de competência
Importante destacar, inicialmente, que a competência para
legislar sobre direito do consumidor é concorrente, conforme previsão contida
no art. 24, VIII, da CF/88:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VIII - responsabilidade por dano ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
À luz da jurisprudência do STF, é
a natureza da norma que informa seu regime jurídico e regra de competência.
Portanto, o exame deve ser caso a caso, a fim de se verificar se há ofensa ao
núcleo de eventual concessão ou da atribuição exclusiva do Chefe do Executivo
para organizar a Administração Pública e implantar sua política quanto à
prestação de serviços públicos.
Nesse passo, não se ignora a
competência privativa atribuída à União para legislar sobre determinados
serviços públicos, como, por exemplo, telecomunicações, radiodifusão sonora,
aproveitamento energético de cursos de água, entre outros.
Contudo, mesmo em se tratando da
disciplina de atendimento a usuários desses serviços públicos, a jurisprudência
do STF é sólida em reconhecer que lei estadual que fixa limite de tempo de
espera para atendimento aos usuários e penalidades em face de descumprimento
consiste em norma relativa à
proteção do consumidor.
A Lei em questão se limita a
disciplinar, no âmbito regional, um mecanismo de tutela da dignidade do
consumidor, sem interferência no regime de exploração, na estrutura
remuneratória da prestação dos serviços ou no equilíbrio dos contratos
administrativos. Com isso, não se pode falar que houve usurpação da competência
exclusiva da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I).
Exercício da competência
concorrente
Como vimos, a competência para
legislar sobre direito do consumidor é concorrente. Isso significa que cabe à
União editar normas gerais e aos Estados-membros e DF legislar de forma
supletiva ou complementar (art. 24, §§ 1º e 2º).
O Código de Defesa do Consumidor
não proíbe a complementação normativa por Estados, Distrito Federal e
Municípios. A despeito do amplo repertório de direitos e garantias conferidas
ao consumidor e de obrigações dos fornecedores de produtos e serviços, o CDC não
esgota a matéria atinente à regulamentação do mercado de consumo, de modo que
cabe aos Estados e ao Distrito Federal legislar no âmbito dos seus interesses e
particularidades.
O STF já reconheceu a
constitucionalidade de normas estaduais semelhantes que regulamentam tempo de
atendimento no âmbito das telecomunicações e atividades bancárias:
Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse
local, notadamente sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em
filas de instituições bancárias.
STF. Plenário. RE 610221 RG,
Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 29/04/2010 (Repercussão Geral – Tema 272).
Vale mencionar, ainda, o art. 175, parágrafo único, inciso
II, da CF/88, que prevê a edição de lei para dispor sobre os direitos dos
usuários:
Art. 175. Incumbe ao poder público, na
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
(...)
II – os direitos dos usuários;
Compatibilidade com a livre
iniciativa e valores sociais do trabalho
A livre iniciativa e os valores
sociais do trabalho, embora constituam fundamento da República brasileira (art.
1º, IV), não são princípios absolutos. Sua caracterização como direitos
fundamentais conduz à conclusão de que concorrem com outros direitos igualmente
fundamentais e podem sofrer limitação de lei.
Além do mais, o exercício da
atividade econômica tem como finalidade garantir existência digna aos cidadãos,
conforme os ditames da justiça social, e, como baliza, a observância do
princípio da defesa do consumidor (art. 170, caput e V).
Nessa linha de raciocínio, o
exercício da atividade econômica em todos os seus processos de prestação não
pode destoar, negar concretude ou mesmo esvaziar a defesa do consumidor.
O exercício da competência
normativa pelos entes federativos deve levar em conta a compatibilização desses
princípios, de sorte que não se afigura contrário ao Texto Constitucional a
imposição, por Estado-membro, de regulamentação com o propósito de proteger o
consumidor, respeitando-se as particularidades locais.
Em suma:
É constitucional — por não violar as regras do
sistema constitucional de repartição de competências — lei estadual que fixa
limite de tempo proporcional e razoável para o atendimento de consumidores em
estabelecimentos públicos e privados, bem como prevê a cominação de sanções
progressivas na hipótese de descumprimento.
STF.
Plenário. ADI 2.879/DF, Rel. Min. NUNES MARQUES, julgado em 15/9/2023 (Info 1108).
DOD Plus – julgados relacionados
É constitucional lei
municipal que estabelece que os supermercados ficam obrigados a colocar à
disposição dos consumidores pessoal suficiente nos caixas, de forma que a
espera na fila não seja superior a 15 minutos
É constitucional lei municipal que estabelece que os
supermercados e hipermercados do Município ficam obrigados a colocar à
disposição dos consumidores pessoal suficiente no setor de caixas, de forma que
a espera na fila para o atendimento seja de, no máximo, 15 minutos. Isso porque
compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente
sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de
estabelecimentos empresariais.
Vale ressaltar que essa lei municipal não obriga a contratação
de pessoal, e sim sua colocação suficiente no setor de caixas para o
atendimento aos consumidores.
STF. 1ª Turma.
ARE 809489 AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 28/5/2019 (Info
942).
É constitucional lei
municipal que estabelece que os supermercados ficam obrigados a colocar à
disposição dos consumidores pessoal suficiente nos caixas, de forma que a
espera na fila não seja superior a 15 minutos
É constitucional lei municipal que estabelece que os
supermercados e hipermercados do Município ficam obrigados a colocar à
disposição dos consumidores pessoal suficiente no setor de caixas, de forma que
a espera na fila para o atendimento seja de, no máximo, 15 minutos. Isso porque
compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente
sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de
estabelecimentos empresariais.
Vale ressaltar que essa lei municipal não obriga a contratação
de pessoal, e sim sua colocação suficiente no setor de caixas para o
atendimento aos consumidores.
STF. 1ª Turma.
ARE 809489 AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 28/5/2019 (Info
942).