quinta-feira, 14 de dezembro de 2023
Cabe à defesa técnica a análise de conveniência e oportunidade a respeito de eventual recurso, no caso de conflito de vontades entre o acusado e o defensor
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi denunciado pela prática
do crime de receptação (art. 180, do CP).
Ao final da instrução, ele foi
condenado à pena de 1 ano de reclusão, substituída por uma restritiva de
direitos (prestação de serviços à comunidade).
João, assistido pela Defensoria
Pública, interpôs recurso de apelação.
O Tribunal de Justiça negou
provimento ao recurso.
João interpôs recurso especial.
A Vice-Presidência do Tribunal de
Justiça, em juízo de admissibilidade recursal, inadmitiu o recurso especial, sob
o argumento de que a instância ordinária é soberana na análise das provas,
sendo vedado seu reexame em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do
STJ.
A Defensoria Pública foi intimada
pessoalmente dessa decisão e não manifestou interesse em recorrer (permaneceu
inerte). Vale ressaltar que poderia ter sido interposto agravo em recurso
especial.
O réu ingressou com uma petição
no TJ, assinada por ele próprio, manifestando discordância com a decisão e
requerendo a intimação da Defensoria Pública para apresentar agravo.
A Vice-Presidência do TJ
indeferiu o pedido.
Diante desse cenário, João
impetrou habeas corpus em seu favor, perante o STJ, alegando que expressou sua
vontade de recorrer da decisão que inadmitiu o seu recurso especial e que,
mesmo assim, o TJ não determinou a intimação da DPE para interpor o agravo em
recurso especial.
Afirmou que havendo discordância
sobre a conveniência da interposição de recurso, deve prevalecer a manifestação
de vontade quem optar por sua apresentação, quer provenha da defesa técnica ou
da autodefesa.
Pediu, então, para que fosse
reaberto o prazo para interposição de agravo em recurso especial.
O STJ concordou com os
argumentos do réu?
NÃO.
A não interposição de recursos extraordinários (ou os
respectivos agravos) pela defesa técnica não evidencia desídia. Isso porque,
com lastro no princípio da voluntariedade dos recursos, previsto no art. 574,
caput, do Código de Processo Penal, cabe à defesa técnica analisar a
conveniência e a oportunidade a respeito de eventual interposição dos recursos
extraordinários:
Art. 574. Os recursos serão
voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos,
de ofício, pelo juiz:
(...)
Nesse sentido:
Não há ilegalidade evidente ou teratologia a justificar a
excepcionalíssima concessão de habeas corpus de ofício na hipótese de mera
ausência de interposição de recursos excepcionais, ante o princípio da
voluntariedade dos recursos.
STF. 1ª
Turma. HC 110.592, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 22/6/2012.
Assim, o fato de a defesa técnica
não ter ingressado com agravo em recurso especial não configura nulidade por
ausência ou deficiência de defesa:
Ante o princípio da voluntariedade recursal, cabe à defesa
analisar a conveniência e oportunidade na interposição dos recursos, não
havendo falar em deficiência de defesa técnica pela ausência de interposição de
insurgência contra a decisão que inadmitiu os recursos extraordinários
anteriormente interpostos.
STJ. 6ª
Turma. HC 174.724/AC, Rel. Min. Marilza Maynard – Des. Conv. do TJ/SE -,
julgado em 13/5/2014.
Havendo conflito de vontades
entre o acusado e o defensor, quanto à interposição de recurso, resolve-se, de
modo geral, em favor da defesa técnica, seja porque tem melhores condições de
decidir da conveniência ou não de sua apresentação, seja como forma mais
apropriada de garantir o exercício da ampla defesa (STF. 2ª Turma. RE
188.703/SC, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 4/8/1995).
Em suma:
Cabe à Defesa Técnica a análise de conveniência e
oportunidade a respeito de eventual recurso, no caso de conflito de vontades
entre o acusado e o defensor.
STJ. 6ª Turma. HC 839.602-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em
3/10/2023 (Info 791).