quinta-feira, 7 de dezembro de 2023
Análise jurídica da condenação do primeiro réu pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023
O caso concreto foi o seguinte:
No dia 08/01/2023, milhares de pessoas
invadiram as sedes do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e do Supremo
Tribunal Federal e destruíram diversos bens do patrimônio da União.
Após investigação realizada pela Polícia
Federal para identificar os responsáveis, a Procuradoria-Geral da República
ofereceu denúncia, perante o Supremo Tribunal Federal, contra as pessoas que
participaram dos referidos atos.
Da ação penal
Uma dessas denúncias foi oferecida em desfavor
de Aécio Lúcio Costa Pereira, que foi preso em flagrante no dia 08/01/2023, nas
dependências da sede do Congresso Nacional pela Polícia do Senado Federal.
A denúncia narrou da seguinte
maneira os fatos: “Em data incerta, mas iniciada ao menos a partir do dia 30 de outubro
de 2022, milhares de pessoas, entre elas o denunciado, de forma armada,
associaram-se, notadamente a partir de convocações e agregações por meio de
redes sociais e aplicativos de mensagens, com o objetivo de praticar crimes
contra o Estado Democrático de Direito”.
Prosseguiu a denúncia afirmando que essas
pessoas invadiram a sede dos três poderes, com unidade de desígnios e
“tentaram, com emprego de violência e grave ameaça, abolir o Estado Democrático
de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes Constitucionais”.
Ainda dentro nesse mesmo contexto, o grupo
teria “tentado depor, também por meio de violência e grave ameaça, o governo
legitimamente constituído”, além de provocar danos a bens especialmente
protegidos por ato administrativo.
Por esses motivos, o acusado foi denunciado como incurso nos
seguintes delitos previstos no Código Penal:
Associação armada
Art. 288 (...)
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a
associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Abolição violenta do Estado
Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de
violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou
restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8
(oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de
violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12
(doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Dano qualificado (art. 163,
parágrafo único, I, II, III e IV):
Art. 163 (...)
Parágrafo único - Se o crime é
cometido:
I - com violência à pessoa ou grave
ameaça;
II - com emprego de substância
inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave
III - contra o patrimônio da União, de
Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública,
empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de
serviços públicos;
IV - por motivo egoístico ou com
prejuízo considerável para a vítima:
Pena - detenção, de seis meses a três
anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Além disso, ele também foi denunciado pelo crime do art. 62,
I, da Lei nº 9.605/98 (deterioração de patrimônio tombado):
Art. 62. Destruir, inutilizar ou
deteriorar:
I - bem especialmente protegido por
lei, ato administrativo ou decisão judicial;
(...)
Pena - reclusão, de um a três anos, e
multa.
Os delitos foram imputados em concurso
material, observadas as regras do art. 29, caput, do CP (concurso de pessoas).
Da defesa
Citado, o réu alegou, entre outros
fundamentos, que o STF seria incompetente para processar a ação penal, além de
suspeição dos Ministros.
Argumentou também que a denúncia seria inepta
porque não teria individualizado sua conduta, violando, dessa forma, o
princípio do contraditório e da ampla defesa.
Ressaltou que não se pode admitir que os
crimes apontados ocorreram em contexto de crime multitudinário porque, conforme
as imagens internas no plenário do Senado, ali algumas pessoas estavam
transitando pacificamente, cada uma agindo de maneira individual, sem que
houvesse uma organização ou uma colaboração.
Segundo a defesa, havia pessoas em contato
direto com os policiais, inclusive tirando fotos.
Entende que, mesmo caracterizado o crime
multitudinário, essa característica não dispensaria a individualização da
conduta de cada agente no decorrer do processo. Para ilustrar esse
entendimento, questionou quais seriam os crimes efetivamente cometidos pelo
réu, pois as imagens não o mostraram cometendo nenhum ato criminoso.
Requereu, portanto, a sua absolvição.
O STF concordou com os argumentos
da defesa?
NÃO. O STF refutou todas as teses defensivas e
condenou o réu.
Para melhor compreensão, os argumentos do Min.
Relator Alexandre de Moraes utilizados para afastar as teses defensivas serão
analisados em tópicos autônomos abaixo.
Da competência do STF. Delitos multitudinários
No tocante à competência do Supremo Tribunal
Federal, o Ministro Alexandre de Moraes destacou que a matéria já tinha sido
apreciada pela Corte por ocasião do recebimento da denúncia, quando prevaleceu o
entendimento de que há conexão entre as condutas denunciadas e aquelas
investigadas no âmbito mais abrangente dos procedimentos envolvendo
investigados por prerrogativa de foro.
Em palavras mais simples, os atos de invasão e
depredação teriam relação com outros atos praticados por autoridades com foro
privativo no STF e que também estão sendo investigados.
Dentre esses investigados, o Ministro citou os
Deputados Federais Clarissa Tércio, André Fernandes, Sílvia Waiãpi, Coronel
Fernanda e Cabo Gilberto Silva, que possuem foro por prerrogativa de função no
STF.
Nesse contexto, estaria configurada a
ocorrência dos delitos multitudinários, ou seja, “aqueles praticados por um
número muito grande de pessoas, em que o vínculo intersubjetivo é amplificado
significativamente, pois um agente exerce influência sobre o outro, a ponto de
motivar ações por imitação ou sugestão, o que é suficiente para a existência do
vínculo subjetivo, ainda que eles não se conheçam”.
Explicando melhor:
Os delitos
multitudinários referem-se a crimes que são cometidos por um grande número de
pessoas, geralmente em um contexto coletivo. Esses delitos são caracterizados
pela participação de múltiplos autores, tornando a individualização da conduta
de cada agente delitivo um desafio para o sistema jurídico. Em casos de delitos
multitudinários, é comum a prática de denúncia geral, permitindo que a
instrução processual possa fornecer os elementos para a individualização da
conduta dos agentes delitivos.
Desse modo, para o STF, as infrações cometidas pelo réu poderiam
influir diretamente nas investigações envolvendo investigados com prerrogativa
de foro. Logo, estaria configurada a conexão, nos termos do art. 76, III, do
CPP, circunstância que atrairia a competência do STF:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações,
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por
várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias
pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido
umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir
impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou
de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra
infração.
O Ministro ressaltou, ainda, que, “não
bastasse a existência de coautoria em delitos multitudinários, há, ainda,
conexão probatória com outros dois inquéritos que tramitam no âmbito do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, que investigam condutas atentatórias à própria CORTE, o Inq
4.781, das “Fake News” e a prática de diversas infrações criminais por milícias
digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no Inq
4.874, cujos diversos investigados possuem prerrogativa de foro”.
Da alegada suspeição dos
Ministros
A exceção de suspeição apresentada pela defesa
não foi conhecida por dois fundamentos:
1) foi apresentada de forma intempestiva;
2) não foram expostas razões objetivas que
indicassem violação da imparcialidade do órgão julgador.
Da alegação de inépcia da denúncia
O STF também rejeitou essa argumentação.
O relator argumentou que, conforme decisão
proferida por ocasião do recebimento da denúncia, a peça acusatória permitiu ao
denunciado a total compreensão das imputações contra ele formuladas e, por
conseguinte, garantiu o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Ressaltou, ademais, que não se exigiriam
outros requisitos por se tratar dos denominados “crimes multitudinários”.
Da autoria no contexto de crimes
multitudinários
Conforme já exposto, o STF considerou que os
crimes praticados podem ser classificados como multitudinários.
A doutrina e a jurisprudência do STF orientam
que, nos crimes multitudinários, ou de autoria coletiva, a denúncia pode narrar
genericamente a participação de cada agente, cuja conduta específica é apurada
no curso do processo desde que se permita o exercício do direito de defesa.
Assim, em se tratando de crimes
multitudinários, não há vício na sentença condenatória mesmo que não se
descreva a conduta individualizada de cada participante do grupo criminoso.
Embora não seja possível precisar o momento
exato em que houve a adesão subjetiva, ou a associação, para a prática de
crimes, é certo que ela se deu anteriormente ao dia 08/01/2023.
O encadeamento das ações pode ser assim
demonstrado:
Instigação de um movimento contra os poderes constituídos e o
novo Governo eleito -> arregimentação de pessoas dispostas à tomada violenta
do poder -> deslocamento físico da turba antidemocrática à Capital Federal
-> omissão de agentes públicos responsáveis por garantir a segurança dos
locais onde ocorreram os crimes -> início da execução do plano delitivo
-> consumação
O Ministro prosseguiu afirmando que, já no dia
15/11/2022, era visível a aglomeração de pessoas em frente ao Quartel do
Exército, sendo que, a partir da diplomação dos eleitos, em 12/12/2022,
verificou-se a escalada violenta dos protestos, com bloqueio de vias públicas e
atos de extrema violência.
Em 24/12/2022, foi localizado um artefato
explosivo junto a um caminhão tanque, sendo os autores identificados e presos,
bem como declarado que o planejamento do crime ocorreu no acampamento do
Quartel do Exército.
O Relator citou, ainda, diversos outros fatos
que evidenciavam a preparação da invasão, inclusive postagens em redes sociais
conclamando caravanas para “tomada de poder pelo povo” e a convocação de “greve
geral”.
Esse panorama demonstra que os propósitos
criminosos eram plenamente difundidos e conhecidos previamente, tendo em vista
que os manifestantes insuflavam as Forças Armadas para que esta fizesse a tomada
violenta do poder.
Todas essas ações culminaram com a invasão
ocorrida no dia 08/01/2023.
Esse contexto, portanto, configuraria a
materialidade e o elemento subjetivo do contexto de crimes multitudinários, bem
como a coautoria do denunciado, que foi preso dentro do Plenário do Senado
Federal e que, posteriormente, confessou ter participado de atos pedindo a
intervenção militar, acampado na sede do Exército e invadido a sede do
Congresso Nacional.
O relator destacou ainda que a participação do
denunciado nos crimes estaria configurada também pelos diversos vídeos por ele
produzidos, nos quais incentivou os atos golpistas, a derrubada do governo
democraticamente eleito e a ocorrência de intervenção militar.
Portanto, o relator concluiu que “o robusto
conjunto probatório trazido aos autos assegura que Aécio Lúcio Lopes Costa
Pereira incorreu nas figuras típicas a ele imputadas na denúncia”.
Da abolição violenta do Estado
Democrático de Direito (art. 369-L, do CP).
Não é qualquer manifestação crítica que poderá
ser tipificada pela presente imputação penal, pois a liberdade de expressão e o
pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático,
merecendo a devida proteção. A livre discussão, a ampla participação política e
o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo
por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também de opiniões,
crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido
de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva.
Contudo, tanto são inconstitucionais as
condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo
aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático,
quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições
republicanas, pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à Separação de
Poderes e aos direitos fundamentais, em suma, pleiteando a tirania, o arbítrio,
a violência e a quebra dos princípios republicanos, como se verifica pelas
manifestações criminosas ora imputadas ao
denunciado.
O tipo descrito é “tentar, com emprego de
violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou
restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Abre, portanto, o
capítulo sobre os Crimes contra as Instituições Democráticas (que é integrado,
igualmente, pelo crime de golpe de estado).
A tese defensiva de que a manifestação era
ordeira e pacífica foi afastada porque as provas produzidas indicam o emprego
de violência, inclusive com a utilização de armas impróprias.
O relatório da Intervenção Federal evidenciou
que, no momento em que se iniciou o confronto com as forças de segurança, as
linhas de contenção foram rompidas por meio de movimento sincronizado e
premeditado.
Golpe de Estado (art. 359-M do
Código Penal)
As provas produzidas evidenciam que os
extremistas buscavam gerar o caos para obrigar as Forças Armadas a intervirem,
ante a interpretação deturpada do art. 142 da Constituição e do Decreto
3.897/2001, na edição de decreto para a garantia da lei e da ordem, com a
assunção das funções dos Poderes constituídos. Portanto, o insuflamento visava
tanto à abolição violenta do Estado Democrático de Direito, quanto à deposição
de governo legitimamente eleito, ou golpe de Estado, fato que denota desígnio
criminoso autônomo na mesma empreitada criminosa.
Em vídeos produzidos pelo próprio réu, que
largamente circularam por portais de notícias e redes sociais, verifica-se que
ele trajava camiseta com escrito “INTERVENÇÃO MILITAR FEDERAL”, comemorava a
chegada até o Plenário do Senado, saudava, de maneira eufórica, possíveis
amigos, com mensagens de que teria “dado certo” e de que eles deveriam sair às
ruas.
Em vídeo produzido quando o réu se encontrava
no Plenário do Senado, ele se utiliza de um microfone instalado em uma mesa do
ambiente, para anunciar que, enquanto representante do povo, não aceita “esse
governo fraudulento como nosso representante”. Diz ainda que quer mandar
mensagem para que amigos e outras pessoas não desistam, que acreditem nos seus
sonhos e que não “deixem o comunismo entrar”. Clama para que as pessoas saiam
às ruas, aos quarteis e que “peçam SOS Forças Armadas”.
Portanto, para o Relator essas condutas
comprovam que, com emprego de violência ou grave ameaça, o réu tentou depor o
governo legitimamente constituído por meio da depredação e ocupação dos
edifícios-sede do Três Poderes da República.
Dano qualificado pela violência e
grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da
União e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I,
II, III e IV, do CP).
Em relação a esse delito, a violência à pessoa
e a grave ameaça teria sido dirigida às tropas e forças de segurança pública,
bem como a utilização de substância inflamável ou explosiva foi constatada em
relatório preliminar do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
A materialidade do delito ficou comprovada
tanto na Nota Técnica 1/2023-ATDGER (relatório de danos ao patrimônio do Senado
Federal), quanto no Relatório Preliminar de Vistoria do IPHAN, que denotam
prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões de reais. Vale ressaltar que foi
apreendido com os coautores material.
A invasão aos prédios públicos se deu em
contexto de crime multitudinário, ou de multidão delinquente, sendo
dispensável, portanto, a identificação de quem tenha efetivamente causado os
inúmeros danos acima exemplificados e descritos nos relatórios constantes dos
autos, e evidenciando-se que os líderes e responsáveis efetivos deverão
responder de forma mais gravosa, nos termos da legislação penal.
Deterioração de patrimônio
público tombado (art. 62, I, da Lei nº 9.605/98)
O bem jurídico tutelado por este delito é o
Patrimônio Cultural, não se confundindo com o patrimônio corpóreo, como objeto
material. Esta constatação tem cabimento já que está inserido na Seção IV da
Lei de Crimes Ambientais, que trata da “Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano
e o patrimônio cultural”, e tutela a proteção do bem jurídico previsto no art.
216, IV e V da Constituição Federal”.
Os edifícios-sede dos poderes e o conjunto
urbanístico da Praça dos Três Podres são bem protegidos pela UNESCO (Lista do
patrimônio Mundial - Inscrição nº 445 de 1987); pelo Governo do Distrito
Federal (Decreto nº 10.829 de 1987 - Tombamento Distrital); pelo IPHAN
(Portaria nº 314 de 1992 - Tombamento Federal). Além disso, as edificações são
representativas da obra de Oscar Niemeyer em Brasília, sendo protegidas pelo
Processo de Tombamento nº 1550-T-07, empreendido pelo IPHAN.
A materialidade do delito está comprovada,
tendo em vista que o patrimônio depredado integra o patrimônio cultural da
União, sendo especialmente protegido por lei, e integrando o conjunto
urbanístico de Brasília.
Relativamente à autoria, reiterou as ponderações
específicas sobre o contexto de crimes multitudinários, aqui também observado. Assim
como no crime analisado no tópico anterior, constatou-se que a invasão aos
prédios públicos se deu justamente neste contexto multitudinário, ou de
multidão delinquente, sendo dispensável, portanto, a identificação de quem
tenha efetivamente causado os inúmeros danos acima exemplificados e descritos
nos relatórios constantes dos autos, e evidenciando-se que os líderes e responsáveis
efetivos deverão responder de forma mais gravosa, nos termos da legislação
penal.
Associação Criminosa Armada (art.
288, parágrafo único, do CP)
Como já mencionado anteriormente, não é
possível precisar o momento exato em que houve a adesão do denunciado ou à
associação para a prática de crimes. Contudo, seria certo que ela se deu
anteriormente ao dia 08/01/2023.
Essa conclusão se fundamenta no fato de que o
acampamento montado em frente aos quartéis generais, mais especificamente o
situado em Brasília, apresentava uma complexa e engenhosa organização,
demonstrando a estabilidade e a permanência da associação, pressuposto do tipo
objetivo. Além disso, o propósito criminoso era plenamente difundido e conhecido
ex ante, tendo em vista que os manifestantes insuflavam as Forças Armadas à
tomada do poder.
Portanto, a ação delituosa, da qual participou
Aécio Lúcio Costa Pereira, visava impedir de forma contínua o exercício dos
Poderes Constitucionais e ocasionar a deposição do governo legitimamente constituído,
com participação do Exército Brasileiro a sair às ruas para estabelecer e
consolidar o regime de exceção pretendido pelos acampados, tendo como pano de
fundo uma suposta fraude eleitoral e o exercício arbitrário dos Poderes
Constituídos. Justamente por isso houve a aglomeração de pessoas em acampamentos,
não somente em Brasília, mas em todo o país, com intuito de provocar
amotinamento daqueles submetidos ao regime castrense.
O relator prosseguiu enumerando todos os atos
anteriores ao 08/01/202023 para concluir que os atos desse dia derivaram de
ajuste de vontades, com o seu direcionamento para um ápice que desbordou em
enfrentamento com as forças de segurança, agressões físicas dirigidas aos
policiais e atos de violência, depredação e invasão às sedes dos Três Poderes,
contexto, inclusive, que se desenhava há meses.
Desse modo, resta claro o intuito dos
manifestantes, com a leitura deturpada do art. 142 da Constituição, de forçar
as Forças Armadas, submetidas ao Presidente da República, a ir de encontro com
a sua missão constitucional, intervindo nos poderes constitucionalmente
constituídos (art. 2º da Constituição). Portanto, o insuflamento, durante
meses, à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de
Estado, de forma constante e reiterada, com a incitação pública, pelos
criminosos associados, à prática de crimes, culminou com a prática dos crimes
multitudinários do dia 08/01/2023.
Quanto à causa de aumento do parágrafo único
(associação armada), o Ministro asseverou que, conforme Guilherme de Souza
Nucci, ela deve incidir quando constatada “a utilização de arma pelos
integrantes da associação criminosa, não se limitando apenas à utilização de
arma de fogo, mas abarcando também o conceito de arma imprópria, branca, tais
como barras de ferro, paus, pedras, esferas metálicas, atiradeiras etc”.
(Código Penal Comentado, 23ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 1.229).
Acrescentou que a incidência da causa de
aumento não exige que todos os integrantes estejam armados, sendo suficiente
que apenas um deles se encontre nessa condição para que a imputação recaia
sobre todos, desde que exista conhecimento dessa circunstância.
No caso concreto, as provas permitem concluir
que o réu sabia dessa circunstância porque muitos manifestantes portavam essas
armas impróprias no momento da invasão e que, mesmo assim, associou-se ao
grupo.
Em suma:
Compete ao STF processar e julgar ação penal ajuizada
contra civis e militares não detentores de foro privilegiado quando existir
evidente conexão entre as suas condutas e as apuradas no âmbito mais abrangente
de procedimentos em trâmite na Corte que envolvam investigados com prerrogativa
de foro.
No contexto dos crimes multitudinários (de multidão
ou de autoria coletiva), e levando-se em consideração a responsabilidade penal
subjetiva, todos os agentes respondem pelos resultados lesivos aos bens
jurídicos.
É possível o concurso material pela prática dos
crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (CP/1940, art.
359-L) e de golpe de Estado (CP/1940, art. 359-M), na medida em que são delitos
autônomos e que demandam “animus” distintos do sujeito ativo.
STF.
Plenário. AP 1060/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2023 (Info
1108).
Pena imposta
A pena fixada foi de 17 anos (15
anos e seis meses de reclusão em regime fechado e um ano e seis meses de
detenção em regime aberto) e a 100 dias-multa, cada um no valor de 1/3 do
salário mínimo.
A título de ressarcimento de
danos morais e materiais coletivos, o réu terá de pagar R$ 30 milhões, de forma
solidária com todos os demais condenados.