Dizer o Direito

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

A cobrança de direitos autorais pela execução de obras musicais protegidas em eventos públicos não está condicionada ao objetivo ou obtenção de lucro

Direitos autorais

Se houver a execução de obras musicais em um evento, a pessoa responsável pela organização deverá fazer o pagamento de direitos autorais.

A cobrança realizada é feita com base no art. 68 da Lei nº 9.610/98:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

 

O fato gerador do pagamento dos direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de frequência coletiva.

 

ECAD

Esses direitos autorais devem ser pagos ao ECAD que, então, irá repassar os valores arrecadados aos autores das músicas.

ECAD é a sigla para Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Trata-se de uma sociedade civil, de natureza privada, instituída pela Lei federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais Brasileira (Lei nº 9.610/98).

É entidade organizada e administrada por nove associações de gestão coletiva musical e cumpre a ela formular a política e a normatização da arrecadação e distribuição de direitos autorais decorrentes da execução pública de composições musicais ou literomusicais e de fonogramas, possuindo legitimidade para defender em juízo ou fora dele a observância dos direitos autorais em nome de seus titulares.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

A Prefeitura Municipal promoveu diversos eventos públicos para celebrar datas comemorativas (aniversário da cidade, carnaval, arraial etc.). Em todos eles, houve a reprodução de obras musicais com a apresentação de bandas musicais, além de DJs.

Em nenhum desses eventos, a Administração Pública municipal pagou direitos autorais ao ECAD.

Diante disso, o ECAD, com fundamento no art. 68 da Lei nº 9.610/98,  ajuizou ação de cobrança de direitos autorais contra esse Município:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

(...)

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

 

Em contestação, o Município alegou que a execução das obras musicais foi realizada em datas comemorativas, sem qualquer finalidade lucrativa, em via pública, sem cobrança de ingressos.

Argumentou que o art. 68 da Lei nº 9.610/98 – invocado pelo ECAD como fundamento para a ação – não autoriza a cobrança de direitos autorais em eventos onde sequer há a cobrança de ingressos.

 

Os argumentos do Município foram acolhidos pelo STJ?

NÃO. Desde a Lei nº 9.610/98, esses argumentos do Município não mais podem ser acolhidos.

De acordo com a Lei nº 9.610/98 é devida a cobrança de direitos autorais pela execução de músicas em eventos públicos promovido pela Prefeitura (rectius: Município) mesmo que não haja objetivo de lucro.

 

Tutela dos direitos autorais no Brasil

O sistema idealizado para a tutela dos direitos autorais no Brasil, filiado ao chamado sistema francês, tem por escopo incentivar a produção intelectual, transformando a proteção do autor em instrumento para a promoção de uma sociedade culturalmente diversificada e rica. Nesse contexto, se por um lado é fundamental incentivar a atividade criativa, por outro, é igualmente importante garantir o acesso da sociedade às fontes de cultura.

 

Na Lei nº 5.988/73 a gratuidade dispensava o pagamento dos direitos autorais

Anteriormente, sob a égide da redação do art. 73 da Lei nº 5.988/73, o STJ entendia que, tratando-se de festejo de cunho social e cultural, sem a cobrança de ingresso e sem a contratação de artistas, inexistente o proveito econômico, seria indevida a cobrança por direitos autorais. A gratuidade das apresentações públicas de obras musicais protegidas era elemento relevante para determinar o que estaria sujeito ao pagamento de direitos autorais.

 

Na atual Lei nº 9.610/98 o pagamento dos direitos autorais independente do lucro

Posteriormente, o sistema passou a ser regulado Lei nº 9.610/98, que atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, alterando, significativamente, a disciplina relativa à cobrança por direitos autorais. O art. 68 da Lei nº 9.610/98, correspondente ao art. 73 da Lei nº 5.988/73, suprimiu, no novo texto, a expressão “que visem lucro direto ou indireto”. Dessa forma, à luz da Lei nº 9.610/98, a cobrança de direitos autorais em virtude da execução de obras musicais protegidas em eventos públicos não está condicionada ao objetivo ou obtenção de lucro.

 

Em suma:

A cobrança de direitos autorais pela execução de obras musicais protegidas em eventos públicos não está condicionada ao objetivo ou obtenção de lucro. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.098.063-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/11/2023 (Info 795).

 

DOD Plus – julgado correlato

Os nubentes são responsáveis pelo pagamento ao ECAD de taxa devida em razão da execução de músicas, sem autorização dos autores, na festa de seu casamento realizada em clube, ainda que o evento não vise à obtenção de lucro direto ou indireto.

STJ. 4ª Turma. REsp 1306907-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/6/2013 (Info 526).


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