sábado, 11 de novembro de 2023
Súmula 659 do STJ
Crime
continuado (continuidade delitiva)
Ocorre crime continuado quando o
agente:
- por meio de duas ou mais condutas
- pratica dois ou mais crimes da mesma
espécie
- e, analisando as condições de tempo,
local, modo de execução e outras,
- pode-se constatar que os demais
crimes devem ser entendidos como mera continuação do primeiro.
O crime continuado é uma ficção
jurídica, inspirada em motivos de política criminal, idealizada com o objetivo
de ajudar o réu. Ao invés de ele ser condenado pelos vários crimes, receberá a
pena de somente um deles, com a incidência de um aumento previsto na lei.
Exemplo
Carlos era caixa de uma lanchonete e
estava devendo R$ 500,00 a um agiota. Ele decide, então, tirar o dinheiro do
caixa para pagar sua dívida. Ocorre que, se ele retirasse toda a quantia de uma
só vez, o seu chefe iria perceber. Carlos resolve, portanto, subtrair R$ 50,00
por dia. Assim, após dez dias ele consegue retirar os R$ 500,00.
Desse modo, Carlos, por meio de dez
condutas, praticou dez furtos. Analisando as condições de tempo, local, modo de
execução, pode-se constatar que os outros nove furtos devem ser entendidos como
mera continuação do primeiro, considerando que sua intenção era furtar o valor
total de R$ 500,00.
Em vez de Carlos ser condenado por dez
furtos, receberá somente a pena de um furto, com a incidência de um aumento de
1/6 a 2/3.
Previsão
legal
O instituto da continuidade delitiva encontra-se previsto no
art. 71 do Código Penal:
Art. 71. Quando o agente,
mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma
espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro,
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
O art. 71, caput, do CP prevê que o aumento
na continuidade delitiva varia de 1/6 a 2/3. Qual é o critério que o juiz deve
adotar no momento da dosimetria da pena?
O critério para o aumento no crime
continuado é o número de crimes praticados:
2 crimes – aumenta 1/6
3 crimes – aumenta 1/5
4 crimes – aumenta 1/4
5 crimes – aumenta 1/3
6 crimes – aumenta 1/2
7 ou mais – aumenta 2/3
Esse critério acima mencionado é
adotado reiteradamente pelo STJ há muitos anos e, por essa razão, foi consolidado
em uma súmula:
Súmula 659-STJ: A fração de aumento em razão da prática de crime
continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos,
aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para
quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.
DOD Plus –
aumento de pena no máximo pela continuidade delitiva em crime sexual
Nem sempre será fácil trazer para os autos o número exato de
crimes que foram praticados, especialmente quando se trata de delitos sexuais.
É o caso, por exemplo, de um padrasto que mora há meses ou anos com a sua
enteada e contra ela pratica constantemente estupro de vulnerável. Nessas
hipóteses, mesmo não havendo a informação do número exato de crimes que foram
cometidos, o juiz poderá aumentar a pena acima de 1/6 e, dependendo do período
de tempo, até chegar ao patamar máximo.
Assim, constatando-se a ocorrência de diversos crimes sexuais
durante longo período de tempo, é possível o aumento da pena pela continuidade
delitiva no patamar máximo de 2/3 (art. 71 do CP), ainda que sem a
quantificação exata do número de eventos criminosos.
STJ. 5ª Turma.
HC 311146-SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do
TJ-SC), julgado em 17/3/2015 (Info 559).
DOD Plus –
crime continuado específico
O julgado acima explicado (AgRg
no REsp 1.945.790-MS, Info 749), envolvia o chamado crime continuado simples
(comum).
Cuidado com o crime continuado
específico, porque nele o critério de aumento de pena é diferente. Vamos
entender.
Existem três espécies de crime
continuado:
a)
Crime continuado simples (comum)
b)
Crime continuado qualificado
c)
Crime continuado específico
SIMPLES (OU COMUM) |
QUALIFICADO |
ESPECÍFICO |
Ocorre quando o agente pratica dois
ou mais crimes que possuem a mesma pena. |
Ocorre quando o agente pratica dois
ou mais crimes que possuem penas diferentes. |
Ocorre no caso de: ·
crimes dolosos ·
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa ·
contra vítimas diferentes |
Ex: três furtos simples consumados;
dois furtos qualificados tentados. |
Ex: dois furtos simples consumados e
um tentado; um furto qualificado consumado e um tentado. |
Ex: José segue duas mulheres que
caminhavam juntas e pratica estupro consumado contra uma e estupro tentado
contra a outra. |
Como se calcula a pena: aplica-se a pena de um só dos crimes,
exasperada (aumentada) de 1/6 a 2/3. |
Como se calcula a pena: aplica-se a pena do crime mais grave,
exasperada (aumentada) de 1/6 a 2/3. |
Como se calcula a pena: aplica-se a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, e aumenta até o triplo
(3x). Obs.: apesar de
não haver previsão legal, a jurisprudência entende que o aumento mínimo é de
1/6. |
O critério para o aumento é exclusivamente o número de crimes
praticados: 2 crimes – aumenta 1/6 3 crimes – aumenta 1/5 4 crimes – aumenta 1/4 5 crimes – aumenta 1/3 6 crimes – aumenta 1/2 7 ou mais – aumenta 2/3 |
O critério para o aumento é exclusivamente o número de crimes
praticados: 2 crimes – aumenta 1/6 3 crimes – aumenta 1/5 4 crimes – aumenta 1/4 5 crimes – aumenta 1/3 6 crimes – aumenta 1/2 7 ou mais – aumenta 2/3 |
A exacerbação da pena deverá se
nortear por critérios objetivos (número de infrações praticadas) e subjetivos
(culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente,
motivos e circunstâncias do crime). (STJ. 5ª Turma. HC 305.233/SP, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 27/10/2015) |
É bom você ler com atenção a previsão legal do crime
continuado específico:
Art. 71 (...)
Parágrafo único. Nos crimes dolosos,
contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa,
poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social
e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar
a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste
Código.
• Crime continuado do caput do art. 71 do CP: o critério para se
determinar o quantum da majoração (entre 1/6 a 2/3) é apenas a quantidade de delitos
cometidos. Assim, quanto mais infrações, maior deve ser o aumento.
• Crime continuado específico (art. 71, parágrafo único, do CP):
a fração de aumento será determinada pela quantidade de crimes praticados e
também pela análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. REsp 1718212/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado
em 19/04/2018.