Imagine a
seguinte situação adaptada:
HUGO, DIEGO e WILLIAM, armados
com fuzil e outras armas, invadiram uma agência do Banco Sicredi e dali subtraíram
R$ 10 mil pertencentes à instituição financeira.
Os assaltantes fugiram em um
veículo e passaram a ser perseguidos por uma viatura da polícia militar.
Durante a fuga, os bandidos
efetuaram diversos tiros de fuzil em direção aos três policiais que fizeram a
perseguição.
Os ladrões só pararam quando o
veículo em que estavam capotou.
Em razão desses fatos, o Ministério Público ofereceu denúncia
em face de HUGO, DIEGO e WILLIAM imputando-lhes a prática de três crimes de
latrocínio, na modalidade tentativa:
Art. 157 (...)
§ 3º Se da violência resulta:
(...)
II – morte, a pena é de reclusão
de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.
Art. 14. Diz-se o crime:
(...)
II - tentado, quando, iniciada a
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
O juiz condenou os réus por três
crimes de latrocínio tentado em concurso formal impróprio. Isso porque os tiros
foram disparados contra três vítimas (três policiais) com dolo (direto ou
eventual) de matar.
Os réus interpuseram apelação
pedindo para que fosse reconhecida a prática de um único crime de latrocínio
tentado. Isso porque foi subtraído um único patrimônio (o dinheiro do banco).
O Tribunal de Justiça negou
provimento ao recurso argumentando que o STJ possui jurisprudência no sentido
de que se há uma única subtração patrimonial, mas com três tentativas de morte,
configura-se concurso formal impróprio de latrocínios, ou seja, são três crimes
de latrocínio tentado.
Ainda inconformados, os réus
interpuseram recurso especial insistindo na alegação de que houve um único
crime de latrocínio tentado considerando que houve a subtração de um único
patrimônio.
Qual das duas teses é
acolhida pela jurisprudência na atualidade? Se há uma única subtração
patrimonial, mas houve três tentativas de homicídio, haverá concurso formal de três
latrocínios tentados ou um único crime de latrocínio tentado?
Um único crime de latrocínio
tentado.
Realmente, o STJ entendia, no
passado, que haveria concurso formal impróprio no crime de latrocínio quando,
não obstante tivesse havido a subtração de um só patrimônio, o animus
necandi fosse direcionado a mais de um indivíduo. Em outras palavras, o STJ
entendia que a quantidade de latrocínios era aferida a partir do número de
vítimas em relação às quais foi dirigida a violência, e não pela quantidade de
patrimônios atingidos.
Veja um julgado antigo (superado)
do STJ que espelhava esse entendimento:
Há concurso formal impróprio no latrocínio quando ocorre uma
única subtração e mais de um resultado morte, uma vez que se trata de delito
complexo, cujos bens jurídicos tutelados são o patrimônio e a vida.
STJ. 5ª Turma. HC 336.680/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
17/11/2015.
No entanto, essa posição do STJ
destoava da orientação do STF sobre o tema. O Supremo possui julgados afastando
o concurso formal impróprio e reconhecendo a ocorrência de crime único de
latrocínio, nas situações em que, embora o animus necandi seja dirigido
a mais de uma pessoa, apenas um patrimônio tenha sido atingido. Veja o
entendimento do STF (posição ainda atual):
(...) 7. Caracterizada a prática de latrocínio consumado, em
razão do atingimento de patrimônio único.
8. O número de vítimas deve
ser sopesado por ocasião da fixação da pena-base, na fase do art. 59 do CP.
(...)
STF. 2ª Turma. HC 109539, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
07/05/2013.
(...) Segundo entendimento acolhido por esta Corte, a
pluralidade de vítimas atingidas pela violência no crime de roubo com resultado
morte ou lesão grave, embora único o patrimônio lesado, não altera a unidade do
crime, devendo essa circunstância ser sopesada na individualização da pena
(...)
STF. 2ª Turma.
HC 96736, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/09/2013.
A pluralidade de vítimas em crime de latrocínio não enseja a
conclusão de ocorrência de concurso formal impróprio.
STF. 1ª Turma.
RHC 133575, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/02/2017.
Diante disso, o STJ decidiu fazer
um overruling da sua jurisprudência, adequando-a ao entendimento do STF acerca
do tema.
Overruling é
uma técnica jurídica pela qual um precedente é superado ou substituído por
outro entendimento. Essa técnica é aplicada quando há uma mudança nas
circunstâncias fáticas e jurídicas que existiam quando o precedente foi
estabelecido. O overruling pode ser expresso, quando é feita uma declaração
explícita de superação do precedente, ou implícito, quando o tribunal
simplesmente deixa de aplicar o precedente sem uma declaração explícita de
superação.
Voltando ao caso concreto:
No caso, as instâncias ordinárias
(Juiz e TJ) afirmaram que houve desígnios autônomos em relação ao animus
necandi, motivo pelo qual entenderam pelo concurso formal impróprio. O STJ,
contudo, reformou essa decisão aplicando o entendimento do STF.
Em suma, o entendimento
atual da jurisprudência do STJ e STF é o seguinte:
STJ. 3ª
Seção. AgRg no AREsp 2.119.185-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/9/2023
(Info 789).
Atenção. A tese 15 da edição 51
do Jurisprudência em Teses do STJ previa o seguinte:
15) Há concurso formal impróprio no crime de latrocínio nas
hipóteses em que o agente, mediante uma única subtração patrimonial provoca,
com desígnios autônomos, dois ou mais resultados morte.
Esta tese encontra-se superada
pelo novo entendimento do STJ.
Faça essa anotação em seus
materiais de estudo.
Vamos mudar um pouco o caso
narrado acima:
Imaginemos que, além do dinheiro
do banco, os assaltantes tenham também subtraído a arma do vigilante, que
pertencia à empresa terceirizada de segurança privada. Neste caso, o que
mudaria?
Nesta outra situação teríamos a
prática de dois crimes de latrocínio, na forma tentada. Isso porque teriam sido
atingidos dois patrimônios distintos.
DOD Plus –
dicas
Como
ocorre a consumação do latrocínio?
O entendimento majoritário é o
seguinte:
SUBTRAÇÃO |
MORTE |
LATROCÍNIO |
Consumada |
Consumada |
Consumado |
Tentada |
Tentada |
Tentado |
Consumada |
Tentada |
Tentado |
Tentada |
Consumada |
Consumado (Súmula 610-STF) |
Súmula 610-STF: Há crime de latrocínio, quando o homicídio se
consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.
Dica: repare que a consumação do latrocínio será sempre determinada pela consumação ou não da morte.