Dizer o Direito

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Os requisitos legais previstos no art. 41 da Lei de Drogas são alternativos ou cumulativos?

Imagine a seguinte situação adaptada:

João foi surpreendido, em via pública, por policiais militares portando invólucros de maconha.

Ao ser indagado, ele confessou a prática de venda ilícita de entorpecentes e informou aos policiais o local onde teria mais 50 invólucros da mesma droga.

João foi preso em flagrante e denunciado por tráfico de drogas.

No depoimento prestado em juízo, um dos policiais declarou que, não fosse a indicação do réu, eles não teriam localizado as drogas que estavam escondidas.

João foi condenado. O magistrado entendeu que ele havia apontado espontaneamente o restante do produto do crime e, por essa razão, concedeu o benefício da redução da pena na fração de 1/3, com fundamento no art. 41 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

 

O Ministério Público apelou alegando que o acusado não mereceria a redução porque os requisitos do art. 41 da Lei de Drogas não foram cumulativamente preenchidos:

a) existência de inquérito policial, com indiciamento, ou processo criminal contra o autor da delação;

b) prestação de colaboração voluntária (livre de qual quer coação física ou moral);

c) concurso de pessoas em qualquer delito previsto no artigo 11.343/2006, vale dizer, é necessário que o coautor e o partícipe delatados estejam praticando delitos previstos na lei de drogas;

d) recuperação total ou parcial do produto de crime, que segundo a doutrina majoritária, é a própria droga ou valores obtidos com sua comercialização.

 

Apontou que “não foi efetuada campana, não houve infiltração de agente, postergação de flagrante ou qualquer outra diligência investigativa a indicar a existência de uma prévia investigação que pudesse preencher o requisito “investigação policial”.

O Tribunal de Justiça concordou com o MP e afastou a aplicação da causa de diminuição de pena.

A defesa impetrou habeas corpus argumentando que os requisitos legais contidos no art. 41 da LD são alternativos, e não cumulativos, sobretudo na hipótese concreta dos autos, em que o acusado voluntariamente mostrou aos policiais onde estava escondido o restante dos entorpecentes e as circunstâncias fáticas do caso não indicam a possível existência de outras pessoas envolvidas na prática delitiva.

 

O STJ concordou com a defesa? Os requisitos legais previstos no art. 41 da Lei nº 11.343/2006 são alternativos ou cumulativos?

SIM. Os requisitos do art. 41 da LD são alternativos.

Diz o art. 41 da Lei nº 11.343/2006 que:

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

 

Não há como negar que a leitura do referido dispositivo legal aponta, ao menos à primeira vista, para a cumulatividade dos requisitos legais ali estabelecidos, em razão do emprego da conjunção coordenada aditiva “e” entre eles.

Entretanto, a interpretação gramatical de um dispositivo legal nem sempre reflete a mais adequada exegese para dele extrair a norma jurídica pertinente. Trata-se de método hermenêutico que, muitas vezes, acaba por ignorar lição fundamental de Teoria Geral do Direito segundo a qual o ato normativo não se resume à mera dicção explícita de sua literalidade, pois o texto só se converte em norma depois de interpretado. Assim, é necessário interpretar os dispositivos legais principalmente à luz da sistemática em que estão inseridos, a fim de dar coerência e integridade ao ordenamento.

Nesse passo, cumpre lembrar que o atual art. 41 da Lei de Drogas tem origem no antigo art. 32, § 2º, da Lei nº 10.409/2002, o qual trazia a conjunção “ou” entre os requisitos para a colaboração premiada, ao dispor que “O sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça”.

Ademais, além de não se identificar nenhuma justificativa para que tal mudança gramatical decorresse de eventual propósito deliberado do legislador e nada há na Exposição de Motivos da Lei nº 11.343/2006 que o indique, não se pode desconsiderar o advento da Lei nº 12.850/2013, que cuidou de definir, regular e sistematizar diversos aspectos relativos ao instituto da colaboração premiada, oportunidade em que, ao estabelecer seus requisitos no art. 4º, fê-lo de forma alternativa.

Essa consideração ganha dimensão ainda mais significativa se ponderado que os crimes da Lei de Organizações Criminosas são plurissubjetivos, isto é, de concurso necessário de pessoas e, mesmo assim, o legislador não impôs obrigatoriamente a identificação dos demais coautores e partícipes, de modo que não se mostra razoável exigi-lo compulsoriamente nos crimes contidos na Lei de Drogas, em que o concurso de pessoas é meramente eventual.

Trata-se de interpretação mais consentânea ao princípio da proporcionalidade, pois não desconsidera a relevante colaboração do réu com o Estado-acusação, dá maior efetividade a esse meio de obtenção de prova estabelecido pelo legislador e ainda evita a indevida confusão entre delação premiada e colaboração premiada, uma vez que a delação de comparsas é apenas uma das formas pelas quais o indivíduo pode prestar colaboração.

Assim, tanto sob a perspectiva de uma interpretação histórica, quanto à luz de uma interpretação sistemática - em consonância com o tratamento geral que a Lei nº 12.850/2013 posteriormente conferiu à matéria -, é mais adequado considerar alternativos, e não cumulativos, os requisitos legais previstos no art. 41 da Lei nº 11.343/2006 para redução da pena.

Isso não significa conceder ao acusado que identifica seus comparsas e ainda ajuda na recuperação do produto do crime o mesmo tratamento conferido àquele que só realiza uma dessas duas condutas, pois os distintos graus de colaboração podem (e devem) ser sopesados para definir a fração de redução da pena de um a dois terços, nos termos da lei.

 

Em suma:

 

Outro tema importante: qual é o conceito de produto do crime, de que trata o art. 41 da LD?

Embora haja certa divergência quanto ao exato enquadramento técnico da droga como “produto do crime”, há razoável consenso doutrinário de que, independentemente da categoria jurídica adotada, a interpretação da regra contida no art. 41 da Lei nº 11.343/2006 deve abarcar necessariamente a recuperação total ou parcial das drogas.

Assim, o conceito de “produto do crime”, no contexto do art. 41 da Lei nº 11.343/2006, deve ser interpretado para abranger tanto os produtos diretos propriamente ditos quanto a substância entorpecente e os proveitos (produtos indiretos) obtidos a partir da prática delitiva.


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