Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina pesava 121kg, com 1,58m de
altura e IMC 44.
Diante desse quadro obesidade
mórbida, houve recomendação médica para cirurgia bariátrica, que foi realizada.
Com a execução da cirurgia, o
resultado esperado foi atingido e Regina eliminou 53kg.
Em decorrência da enorme perda de
peso, Regina ficou com excesso de pele, com o aspecto de “asas”, o que passou a
causar-lhe constrangimento e desconforto, bem como abalo emocional e psíquico.
Regina pediu que o plano de saúde
custeasse a realização de cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional para
a retirada do excesso de pele. A cirurgia foi indicada pelo médico que assiste
Regina.
Diante desse cenário, Regina
ingressou com ação de obrigação de fazer contra o plano de saúde pedindo que o
réu fosse condenado a autorizar e realizar a cirurgia conforme indicação no
laudo médico.
O plano ofereceu contestação na
qual afirmou que a cirurgia pretendida tinha finalidade estética, sendo,
portanto, excluída da cobertura contratual e do rol de procedimentos obrigatórios
previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Vejamos o que o STJ entende sobre
o tema.
Em regra, os planos de
saúde são obrigados a custear a cirurgia plástica de caráter reparador ou
funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica?
SIM.
A obesidade mórbida é considerada
doença crônica não transmissível, relacionada na Classificação Internacional de
Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Logo, o tratamento da obesidade mórbida é de cobertura
obrigatória nos planos de saúde (art. 10, caput, da Lei nº 9.656/98):
Art. 10. É instituído o plano-referência de
assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e
hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no
Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar,
quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com
a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas
estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
(...)
A operadora de plano de saúde
deve arcar não apenas com os tratamentos destinados à cura da doença, mas
também com os tratamentos para as consequências da enfermidade.
Assim, não basta a operadora do
plano de saúde se limitar ao custeio da cirurgia bariátrica para suplantar a
obesidade mórbida. As dobras de pele resultantes do rápido emagrecimento também
devem receber atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações
de saúde, a exemplo da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às
escoriações pelo atrito, odor fétido e hérnias. Desse modo, não se pode dizer
que a retirada do excesso de tecido epitelial seja um procedimento unicamente
estético, considerando que possui também um caráter funcional e reparador.
Qual é a amplitude dessa
cobertura?
Reconhecendo-se que a cirurgia
plástica complementar ao tratamento de obesidade mórbida não pode ser
considerada simplesmente como estética, falta definir a amplitude da cobertura
pelos planos de saúde.
A ANS incluiu no seu “Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde” apenas dois procedimentos específicos para
tratar complicações que podem surgir após uma cirurgia bariátrica:
• a dermolipectomia abdominal (substituída
pela abdominoplastia); e
• a correção da diástase dos
retos abdominais (uma condição em que os músculos do abdome se afastam).
Apesar disso, para o STJ, além
dos dois procedimentos mencionados, todos os outros procedimentos cirúrgicos
que tenham uma finalidade reparadora (ou seja, para corrigir ou melhorar uma
condição física ou funcional) também devem ser cobertos ou pagos pelos planos
de saúde.
O objetivo de cobrir todos esses
procedimentos é garantir uma recuperação completa e abrangente do paciente.
Somente assim, se cumprirá o que determina o art. 35-F da
Lei nº 9.656/98:
Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta Lei
compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação,
manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do
contrato firmado entre as partes.
Esse rol de procedimentos e
eventos da ANS é explicativo ou exaustivo?
Em junho de 2022, o STJ decidiu
que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo
(STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
08/06/2022).
Ocorre que, depois de uma grande
mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que
buscou superar o entendimento firmado pelo STJ.
A Lei nº 14.454/2022 alterou o art. 10 da Lei dos Planos de
Saúde (Lei nº 9.656/98), incluindo o § 12, que prevê o caráter exemplificativo
do rol da ANS:
Art. 10 (...)
§ 12. O rol de procedimentos e
eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação,
constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde
contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a
esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
Vale ressaltar, contudo, que, para o plano de saúde ser
compelido a custear, é necessário que esteja comprovada a eficácia do
tratamento ou procedimento, nos termos do § 13, também inserido:
§ 13. Em caso de tratamento ou
procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam
previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser
autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da
eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e
plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de
tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas
também para seus nacionais.
Ainda não se sabe o que o STJ irá
decidir depois dessa alteração legislativa.
Vale ressaltar, contudo, que a
natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS não é importante para o
presente caso. Isso porque quer se adote os critérios estabelecidos pela
Segunda Seção (EREsps 1.886.929/SP e 1.889.704/SP), quer se considere os
parâmetros trazidos pela novel legislação (Lei nº 14.454/2022), a conclusão é a
mesma: as cirurgias plásticas reparadoras, complementares ao tratamento de
obesidade mórbida, devem ser custeadas pelas operadoras de plano de saúde.
Isso significa que toda e
qualquer cirurgia plástica estará coberta para os pacientes que se submeteram à
cirurgia bariátrica?
NÃO. O plano somente é obrigado a
custear as cirurgias plástica de natureza reparadora, devidamente indicadas
pelo médico assistente.
Sobre isso, é importante
esclarecer que os procedimentos de cirurgia plástica pós-bariátricos podem ser
diferenciados em três tipos:
i) os procedimentos que
efetivamente se prestam a finalidades reparadoras;
ii) os procedimentos que possuem
finalidades apenas estéticas e
iii) os procedimentos estéticos
que podem se prestar a finalidades reparadoras para determinadas funções de
partes do corpo, havendo comumente, nesses casos, indicação médica
especializada.
Não se tratando de procedimentos
que efetivamente se prestam a finalidades reparadoras, mas, ao contrário, que
dependem da situação peculiar do paciente, havendo dúvidas justificadas acerca
do caráter eminentemente estético da cirurgia, a operadora de plano de saúde
pode se socorrer do procedimento da junta médica estabelecido em normativo da
ANS.
Em outras palavras, se um
procedimento pedido pelo paciente claramente não é para fins reparadores (ex:
uma rinoplastia pós-bariátrica) ou se há dúvidas sobre se procedimento é
principalmente estético, a empresa de plano de saúde pode recorrer a uma junta
médica conforme as regras da ANS para avaliar e determinar a natureza da
cirurgia.
Se isso ocorrer, a junta médica deve
ser custeada pelo plano de saúde, sendo formada por três profissionais:
• o médico assistente do
beneficiário;
• o médico da operadora; e
• o médico desempatador,
escolhido de comum acordo entre as partes.
Há possibilidade, ainda, da junta
médica à distância, em caso de não poder ser presencial ou não houver
profissional especializado na localidade do paciente.
Em suma:
(I) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde
a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico
assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do
tratamento da obesidade mórbida;
(II) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto
ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente
pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do
procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência
técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos
profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário,
em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao
qual não se vincula o julgador.
STJ. 2ª
Seção. REsps 1.870.834-SP e 1.872.321-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 13/09/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1069) (Info 787).
DOD Plus –
julgados correlatos
Plano de saúde não pode negar o custeio de cirurgia de
gastroplastia (indicada para tratamento de obesidade mórbida)
Assim, é abusiva a negativa do plano de saúde em cobrir as
despesas de intervenção cirúrgica de gastroplastia, necessária à garantia da
sobrevivência do segurado.
STJ. 3ª Turma REsp 1.249.701-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 4/12/2012 (Info 511).
A cirurgia para redução do estômago (gastroplastia), indicada
para o tratamento de obesidade mórbida, é procedimento essencial à sobrevida do
segurado, sendo ilegítima a negativa de cobertura das despesas médicas pelo
plano de saúde.
A recusa a cobertura de tratamento é causa de fixação de
indenização por danos morais.
STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 512484/PA, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 22/09/2015.