Dizer o Direito

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

O plano de saúde é obrigado a custear cirurgias plásticas em paciente pós-cirurgia bariátrica?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina pesava 121kg, com 1,58m de altura e IMC 44.

Diante desse quadro obesidade mórbida, houve recomendação médica para cirurgia bariátrica, que foi realizada.

Com a execução da cirurgia, o resultado esperado foi atingido e Regina eliminou 53kg.

Em decorrência da enorme perda de peso, Regina ficou com excesso de pele, com o aspecto de “asas”, o que passou a causar-lhe constrangimento e desconforto, bem como abalo emocional e psíquico.

Regina pediu que o plano de saúde custeasse a realização de cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional para a retirada do excesso de pele. A cirurgia foi indicada pelo médico que assiste Regina.

Diante desse cenário, Regina ingressou com ação de obrigação de fazer contra o plano de saúde pedindo que o réu fosse condenado a autorizar e realizar a cirurgia conforme indicação no laudo médico.

O plano ofereceu contestação na qual afirmou que a cirurgia pretendida tinha finalidade estética, sendo, portanto, excluída da cobertura contratual e do rol de procedimentos obrigatórios previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Vejamos o que o STJ entende sobre o tema.

 

Em regra, os planos de saúde são obrigados a custear a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica?

SIM.

A obesidade mórbida é considerada doença crônica não transmissível, relacionada na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Logo, o tratamento da obesidade mórbida é de cobertura obrigatória nos planos de saúde (art. 10, caput, da Lei nº 9.656/98):

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(...)

 

A operadora de plano de saúde deve arcar não apenas com os tratamentos destinados à cura da doença, mas também com os tratamentos para as consequências da enfermidade.

Assim, não basta a operadora do plano de saúde se limitar ao custeio da cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida. As dobras de pele resultantes do rápido emagrecimento também devem receber atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde, a exemplo da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações pelo atrito, odor fétido e hérnias. Desse modo, não se pode dizer que a retirada do excesso de tecido epitelial seja um procedimento unicamente estético, considerando que possui também um caráter funcional e reparador.

 

Qual é a amplitude dessa cobertura?

Reconhecendo-se que a cirurgia plástica complementar ao tratamento de obesidade mórbida não pode ser considerada simplesmente como estética, falta definir a amplitude da cobertura pelos planos de saúde.

A ANS incluiu no seu “Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde” apenas dois procedimentos específicos para tratar complicações que podem surgir após uma cirurgia bariátrica:

• a dermolipectomia abdominal (substituída pela abdominoplastia); e

• a correção da diástase dos retos abdominais (uma condição em que os músculos do abdome se afastam).

 

Apesar disso, para o STJ, além dos dois procedimentos mencionados, todos os outros procedimentos cirúrgicos que tenham uma finalidade reparadora (ou seja, para corrigir ou melhorar uma condição física ou funcional) também devem ser cobertos ou pagos pelos planos de saúde.

O objetivo de cobrir todos esses procedimentos é garantir uma recuperação completa e abrangente do paciente.

Somente assim, se cumprirá o que determina o art. 35-F da Lei nº 9.656/98:

Art. 35-F.  A assistência a que alude o art. 1º desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.

 

Esse rol de procedimentos e eventos da ANS é explicativo ou exaustivo?

Em junho de 2022, o STJ decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo (STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2022).

Ocorre que, depois de uma grande mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ.

A Lei nº 14.454/2022 alterou o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), incluindo o § 12, que prevê o caráter exemplificativo do rol da ANS:

Art. 10 (...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

 

Vale ressaltar, contudo, que, para o plano de saúde ser compelido a custear, é necessário que esteja comprovada a eficácia do tratamento ou procedimento, nos termos do § 13, também inserido:

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

 

Ainda não se sabe o que o STJ irá decidir depois dessa alteração legislativa.

Vale ressaltar, contudo, que a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS não é importante para o presente caso. Isso porque quer se adote os critérios estabelecidos pela Segunda Seção (EREsps 1.886.929/SP e 1.889.704/SP), quer se considere os parâmetros trazidos pela novel legislação (Lei nº 14.454/2022), a conclusão é a mesma: as cirurgias plásticas reparadoras, complementares ao tratamento de obesidade mórbida, devem ser custeadas pelas operadoras de plano de saúde.

 

Isso significa que toda e qualquer cirurgia plástica estará coberta para os pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica?

NÃO. O plano somente é obrigado a custear as cirurgias plástica de natureza reparadora, devidamente indicadas pelo médico assistente.

Sobre isso, é importante esclarecer que os procedimentos de cirurgia plástica pós-bariátricos podem ser diferenciados em três tipos:

i) os procedimentos que efetivamente se prestam a finalidades reparadoras;

ii) os procedimentos que possuem finalidades apenas estéticas e

iii) os procedimentos estéticos que podem se prestar a finalidades reparadoras para determinadas funções de partes do corpo, havendo comumente, nesses casos, indicação médica especializada.

 

Não se tratando de procedimentos que efetivamente se prestam a finalidades reparadoras, mas, ao contrário, que dependem da situação peculiar do paciente, havendo dúvidas justificadas acerca do caráter eminentemente estético da cirurgia, a operadora de plano de saúde pode se socorrer do procedimento da junta médica estabelecido em normativo da ANS.

Em outras palavras, se um procedimento pedido pelo paciente claramente não é para fins reparadores (ex: uma rinoplastia pós-bariátrica) ou se há dúvidas sobre se procedimento é principalmente estético, a empresa de plano de saúde pode recorrer a uma junta médica conforme as regras da ANS para avaliar e determinar a natureza da cirurgia.

Se isso ocorrer, a junta médica deve ser custeada pelo plano de saúde, sendo formada por três profissionais:

• o médico assistente do beneficiário;

• o médico da operadora; e

• o médico desempatador, escolhido de comum acordo entre as partes.

 

Há possibilidade, ainda, da junta médica à distância, em caso de não poder ser presencial ou não houver profissional especializado na localidade do paciente.

 

Em suma:

(I) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida;

(II) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.

STJ. 2ª Seção. REsps 1.870.834-SP e 1.872.321-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/09/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1069) (Info 787).

 

DOD Plus – julgados correlatos

Plano de saúde não pode negar o custeio de cirurgia de gastroplastia (indicada para tratamento de obesidade mórbida)

Assim, é abusiva a negativa do plano de saúde em cobrir as despesas de intervenção cirúrgica de gastroplastia, necessária à garantia da sobrevivência do segurado.

STJ. 3ª Turma REsp 1.249.701-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2012 (Info 511).

 

A cirurgia para redução do estômago (gastroplastia), indicada para o tratamento de obesidade mórbida, é procedimento essencial à sobrevida do segurado, sendo ilegítima a negativa de cobertura das despesas médicas pelo plano de saúde.

A recusa a cobertura de tratamento é causa de fixação de indenização por danos morais.

STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 512484/PA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/09/2015.


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