Dizer o Direito

sábado, 18 de novembro de 2023

Lei estadual pode instituir feriado comemorativo do Dia de São Jorge?

O caso concreto foi o seguinte:

No Estado do Rio de Janeiro, foi editada a Lei nº 5.198/2008, que instituiu, no dia 23 de abril, feriado estadual em celebração ao Dia de São Jorge.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ajuizou ADI contra essa lei.

A alegação é de que o Estado-membro é incompetente para legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF/88) e que a Lei Federal nº 9.093/95, já prevê, de forma exaustiva, os dias de feriados civis e religiosos. Além da ofensa formal à Constituição, a Requerente também sustenta que a fixação de feriados por lei estadual é desproporcional e arbitrária, porque seria possível homenagear o santo, sem obrigar o fechamento do comércio.

 

O STF concordou com os argumentos da autora? A Lei fluminense é inconstitucional?

NÃO.

A Lei federal nº 9.093/95 dispõe sobre feriados no Brasil nos seguintes termos:

Art. 1º São feriados civis:

I - os declarados em lei federal;

II - a data magna do Estado fixada em lei estadual.

III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal.

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

 

Para o STF, a Lei federal nº 9.043/95 não restringe a competência legislativa dos Estados e dos Municípios apenas para os casos que elenca nem afasta o exercício de proteção dos bens histórico-culturais imateriais pelos entes federados. Em outras palavras, o rol da Lei nº 9.043/95 não é taxativo. Nas exatas palavras do Min. Edson Fachin:

“(...) a Lei Federal nº 9.093/1995 não atua como clear statement rule. (...)

(...) como essa disposição não é acompanhada do vocábulo exclusivamente ou apenas, não fica afastada a competência do ente federado no exercício da competência de preservação de bens histórico-culturais imateriais.”

 

Os entes federados detêm competência comum para proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (art. 23, III, CF/88):

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

 

Além disso, possuem competência para legislar concorrentemente sobre esse tema (art. 24, VII, CF/88):

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

 

Essa situação comumente ocorre com o dia da consciência negra, dia 20 de novembro, instituído em diversos Estados e Municípios, para preservar a memória da morte de Zumbi de Palmares e de sua luta pela igualdade racial.

No caso concreto, o Estado do Rio de Janeiro, nos moldes da proteção visada pela norma, justificou a instituição de feriado de alta significação étnica ao demonstrar a relevância religiosa e cultural do santo católico São Jorge.

Assim, na linha de compreensão do federalismo cooperativo e consoante a atual jurisprudência do STF, deve ser reconhecida a legitimidade das razões invocadas pelo Poder Público estadual.

 

Em suma:

É constitucional — pois inserida dentro da competência comum dos entes federados para proteger documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, monumentos, paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos (art. 23, III, CF/88), e da competência concorrente para legislar sobre esses temas (art. 24, VII, CF/88) — a instituição, pela Lei fluminense nº 5.198/2008, de feriado comemorativo do “Dia de São Jorge”.

STF. Plenário. ADI 4092/RJ, Rel. Min. Nunes Marques, redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/8/2023 (Info 1105).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por maioria, julgou improcedente o pedido e, consequentemente, declarou a constitucionalidade da Lei nº 5.198/2008, do Estado do Rio de Janeiro.

 

* O que é clear statement rule?

A repartição de competências é característica fundamental em um Estado federado (Federação) para que seja protegida a autonomia de cada um dos seus membros e, por conseguinte, a convivência harmônica entre todas as esferas, com o fito de evitar a secessão (separação).

A Constituição Federal reparte as competências entre os entes afirmando as matérias que são de competência privativa da União (art. 22), as que são de competência concorrente (art. 24) e reservando para os Estados-membros as competências residuais (art. 25, § 1º).

Nos casos em que a dúvida sobre a competência legislativa recai sobre norma que abrange mais de um tema, deve o intérprete acolher interpretação que não tolha a competência que detêm os entes menores para dispor sobre determinada matéria. É o que a jurisprudência norte-americana denominou de presumption against preemption.

A presunção de que gozam os entes menores para, nos assuntos de interesse comum e concorrente, legislarem sobre seus respectivos interesses (presumption against preemption) pode ser afastada, mas desde que por uma norma federal expressa (clear statement rule).

 

DOD Plus – julgado correlato

É constitucional lei municipal que instituía feriado local para comemorar o Dia da Consciência Negra

É constitucional a instituição, por lei municipal, de feriado local para a comemoração do Dia da Consciência Negra, a ser celebrado em 20 de novembro, em especial porque a data representa um símbolo de resistência cultural e configura ação afirmativa contra o preconceito racial.

STF. Plenário. ADPF 634/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 30/11/2022 (Info 1078).


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