O caso concreto foi o seguinte:
No Estado do Rio de Janeiro, foi editada a Lei nº
5.198/2008, que instituiu, no dia 23 de abril, feriado estadual em celebração
ao Dia de São Jorge.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC) ajuizou ADI contra essa lei.
A alegação é de que o Estado-membro é incompetente para
legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF/88) e que a Lei Federal nº
9.093/95, já prevê, de forma exaustiva, os dias de feriados civis e religiosos.
Além da ofensa formal à Constituição, a Requerente também sustenta que a
fixação de feriados por lei estadual é desproporcional e arbitrária, porque
seria possível homenagear o santo, sem obrigar o fechamento do comércio.
O STF concordou com os argumentos da autora? A Lei
fluminense é inconstitucional?
NÃO.
A Lei federal
nº 9.093/95 dispõe sobre feriados no Brasil nos seguintes termos:
Art. 1º São feriados civis:
I - os declarados em lei federal;
II - a data magna do Estado fixada em lei estadual.
III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do
Município, fixados em lei municipal.
Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei
municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro,
neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.
Para o STF, a Lei federal nº 9.043/95 não restringe a
competência legislativa dos Estados e dos Municípios apenas para os casos que
elenca nem afasta o exercício de proteção dos bens histórico-culturais
imateriais pelos entes federados. Em outras palavras, o rol da Lei nº 9.043/95
não é taxativo. Nas exatas palavras do Min. Edson Fachin:
“(...) a Lei Federal nº 9.093/1995 não
atua como clear statement rule. (...)
(...) como essa disposição não é
acompanhada do vocábulo exclusivamente ou apenas, não fica afastada a
competência do ente federado no exercício da competência de preservação de bens
histórico-culturais imateriais.”
Os entes
federados detêm competência comum para proteger os documentos, as obras e
outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as
paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (art. 23, III, CF/88):
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público;
Além disso,
possuem competência para legislar concorrentemente sobre esse tema (art. 24,
VII, CF/88):
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
(...)
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico;
Essa situação comumente ocorre com o dia da consciência
negra, dia 20 de novembro, instituído em diversos Estados e Municípios, para
preservar a memória da morte de Zumbi de Palmares e de sua luta pela igualdade
racial.
No caso concreto, o Estado do Rio de Janeiro, nos moldes
da proteção visada pela norma, justificou a instituição de feriado de alta
significação étnica ao demonstrar a relevância religiosa e cultural do santo
católico São Jorge.
Assim, na linha de compreensão do federalismo cooperativo
e consoante a atual jurisprudência do STF, deve ser reconhecida a legitimidade
das razões invocadas pelo Poder Público estadual.
Em suma:
É
constitucional — pois inserida dentro da competência comum dos entes federados
para proteger documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, monumentos, paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos (art.
23, III, CF/88), e da competência concorrente para legislar sobre esses temas
(art. 24, VII, CF/88) — a instituição, pela Lei fluminense nº 5.198/2008, de
feriado comemorativo do “Dia de São Jorge”.
STF. Plenário.
ADI 4092/RJ, Rel. Min. Nunes Marques, redator do acórdão Min. Edson Fachin,
julgado em 28/8/2023 (Info 1105).
Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por
maioria, julgou improcedente o pedido e, consequentemente, declarou a constitucionalidade
da Lei nº 5.198/2008, do Estado do Rio de Janeiro.
* O que é clear statement rule?
A repartição de competências é característica fundamental
em um Estado federado (Federação) para que seja protegida a autonomia de cada
um dos seus membros e, por conseguinte, a convivência harmônica entre todas as
esferas, com o fito de evitar a secessão (separação).
A Constituição Federal reparte as competências entre os
entes afirmando as matérias que são de competência privativa da União (art.
22), as que são de competência concorrente (art. 24) e reservando para os
Estados-membros as competências residuais (art. 25, § 1º).
Nos casos em que a dúvida sobre a competência legislativa
recai sobre norma que abrange mais de um tema, deve o intérprete acolher
interpretação que não tolha a competência que detêm os entes menores para
dispor sobre determinada matéria. É o que a jurisprudência norte-americana
denominou de presumption against preemption.
A presunção de que gozam os entes menores para, nos
assuntos de interesse comum e concorrente, legislarem sobre seus respectivos
interesses (presumption against preemption) pode ser afastada, mas desde
que por uma norma federal expressa (clear statement rule).
DOD Plus –
julgado correlato
É constitucional lei municipal que instituía feriado
local para comemorar o Dia da Consciência Negra
É constitucional a instituição, por lei municipal, de feriado
local para a comemoração do Dia da Consciência Negra, a ser celebrado em 20 de
novembro, em especial porque a data representa um símbolo de resistência
cultural e configura ação afirmativa contra o preconceito racial.
STF. Plenário. ADPF 634/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
30/11/2022 (Info 1078).