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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Juiz pode autorizar a averbação premonitória em processo de conhecimento, com base no poder geral de cautela

Averbação premonitória

A averbação premonitória está prevista no art. 828 do CPC/2015, que diz:

Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

 

Esse artigo permite que o exequente faça a averbação do ajuizamento da execução em registro público de bens sujeitos à penhora ou arresto.

Explicando em simples palavras:

• O credor ingressa com a execução contra o devedor.

• Logo após o juiz admitir a execução, o credor pode obter uma certidão na secretaria da vara declarando que ele ajuizou uma execução contra Fulano (devedor) cobrando determinada quantia.

• Em seguida, o exequente vai até os registros públicos onde possa haver bens do devedor lá registrados (exs.: registro de imóveis, DETRAN, registro de embarcações na capitania dos portos) e pede para que seja feita a averbação (uma espécie de anotação/observação feita no registro) da existência dessa execução contra o proprietário daquele bem. Isso é chamado de averbação premonitória.

• Assim, se alguém for consultar a situação daquele bem, haverá uma averbação (anotação) de que existe uma execução contra o proprietário.

• Essa providência serve como um aviso ao devedor e um alerta para a pessoa que eventualmente quiser adquirir a coisa, já que eles, ao consultarem a situação do bem, saberão que existe uma execução contra o alienante e que aquele bem não pode ser vendido, sob pena de se caracterizar a fraude à execução.

• Se o devedor alienar ou onerar o bem após o credor ter feito a averbação, essa alienação ou oneração é ineficaz (não produz efeitos) porque haverá uma presunção absoluta de que ocorreu fraude à execução:

Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828 ;

III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V - nos demais casos expressos em lei.

 

Fraude à execução e citação

Regra geral: para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor.

Exceção: mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos (art. 828 do CPC). Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação (§ 4º do art. 828) (art. 792, II).

 

Quais são as funções da averbação premonitória?

A medida executiva prevista no art. 828 do CPC possui duas funções nítidas:

1) tornar pública a existência de demanda executiva em face do devedor, de forma a presumir de maneira absoluta que a alienação do bem, se o conduzir à insolvência, constituirá fraude à execução e tornará ineficaz o negócio jurídico praticado;

2) ao tornar pública a existência da demanda executiva, prevenir a dilapidação patrimonial que possa levar o devedor à insolvência e, assim, orientar outros credores quando negociarem com o devedor.

 

É necessária autorização judicial para que se faça a averbação premonitória? O juiz precisa autorizar ou determinar a medida?

NÃO. Não é necessária deliberação judicial sobre da expedição da certidão premonitória. A certidão é expedida diretamente pelo escrivão ou diretor de secretaria após a aceitação da ação de execução.

Com isso, tão logo seja admitida a execução pelo magistrado competente - única condição para a deflagração da posição jurídica -, surge para o credor exequente o direito potestativo de obter a certidão acerca da existência da demanda executiva para averbá-la no registro competente, não havendo necessidade de nenhuma cognição judicial acerca da existência ou não do direito do exequente.

Assim, preenchidos os requisitos legais, a simples aceitação da ação de execução já autoriza o desencadeamento do procedimento legal para a expedição da certidão premonitória para averbação na matrícula do imóvel de propriedade do devedor, no registro de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

No mesmo sentido:

Enunciado 104-Jornada STJ/CJF: O fornecimento de certidão para fins de averbação premonitória (art. 799, IX, do CPC) independe de prévio despacho ou autorização do juiz.

 

Enunciado 130/FPPC: A obtenção da certidão prevista no art. 844 independe de decisão judicial.

 

Por que premonitória?

A origem do nome “premonitória” está relacionada ao termo “premonição”, que significa o ato de prever ou antecipar algo que está por vir. No contexto da averbação premonitória, o nome é utilizado para indicar que essa medida tem o propósito de antecipar a informação sobre uma ação judicial ou constrição judicial que possa afetar a propriedade de um bem. Assim, a averbação premonitória serve como uma forma de prevenção e alerta aos terceiros interessados, permitindo que tenham conhecimento prévio da situação do bem antes de realizar qualquer negócio envolvendo-o.

 

Leia o restante do art. 828 do CPC, que tem muitas informações importantes sobre o tema:

Art. 828 (...)

§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

§ 4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.

§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

 

A averbação premonitória encontra-se disciplinada no art. 828 do CPC, que se encontra inserido no capítulo que trata sobre execução por quantia certa. Além disso, o dispositivo fala expressamente em processo de execução. Diante disso, indaga-se: é possível que a averbação premonitória seja feita também utilizada no processo de conhecimento?

SIM. No entanto, neste caso, será necessária determinação judicial.

O juiz pode deferir tutela provisória de urgência em processo de conhecimento com a finalidade de averbar a existência da demanda na matrícula de imóvel pertencente aos demandados, de forma semelhante à averbação premonitória prevista no art. 828 do CPC para as ações de execução.

Essa decisão do magistrado deverá ser proferida com base nos requisitos previstos no art. 300 do CPC, ou seja, desde que presentes:

a) a probabilidade do direito (fumus boni iuris); e

b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).

 

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

 

Mas qual é o fundamento legal para o deferimento dessa medida (averbação premonitória em processo de conhecimento)?

O poder geral de cautela do juiz.

O CPC prevê, de maneira expressa, o poder geral de cautela, na parte final do art. 301:

Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

 

O poder geral de cautela assegura ao magistrado o deferimento de todas as medidas que se revelarem adequadas ao asseguramento da utilidade da tutela principal, ainda que sejam coincidentes com aquelas previstas especialmente para a execução.

Embora o art. 301 do CPC preveja algumas medidas cautelares (típicas ou nominadas no sistema processual de 1973), a cláusula geral constante ao final no dispositivo legal (“qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”) autoriza que sejam adotadas quaisquer medidas com a finalidade precípua de garantia da eficácia do processo e da tutela jurisdicional a ser concedida.

Esse poder geral de cautela destina-se a dotar o magistrado de instrumentos suficientes e adequados a garantir a eficácia do processo e, assim, assegurar a utilidade da tutela de mérito a ser ao final concedida.

Desse modo, a base legal para o deferimento da averbação premonitória aos processos de conhecimento não é o art. 828, mas sim os arts. 300 e 301 do CPC, em especial o poder geral de cautela.

Confira a lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero sobre o tema:

“O objetivo do art. 828, CPC, é manter atrelado à tutela jurisdicional o patrimônio do demandado, de modo que seja possível alcançá-lo para eventual atuação da tutela jurisdicional em favor do demandante (arts. 790 e 792, II, CPC). Assim, embora o art. 828, CPC, aluda apenas à admissão de execução como suscetível de averbação, contingência que, em um primeiro momento, parece cifrar essa possibilidade tão somente à execução de títulos extrajudiciais (art. 784, CPC), certo é que também é possível a averbação de requerimento de cumprimento de sentença condenatória (art. 523, CPC), tendo em conta que aí o patrimônio responde igualmente pela satisfação do exequente. Na realidade, a compreensão da ação como direito fundamental à efetiva tutela do direito impõe que a possibilidade de averbação da petição inicial no registro competente se estenda para toda e qualquer demanda capaz de reduzir o demandado ao estado de insolvência. A razão é simples: não há possibilidade de execução frutífera sem que se mantenha íntegro o patrimônio do executado, atrelando-o à finalidade expropriatória. O próprio art. 828, CPC, a propósito, autoriza a interpretação proposta, na medida em que possibilita a averbação à vista da propositura de arresto ou indisponibilidade, que, como é sabido, pode ocorrer a partir da caracterização da verossimilhança do direito alegado e da urgência em prover, não estando atrelados, portanto, à possibilidade de imediata execução. O arresto e a indisponibilidade estão vinculados à futura e eventual execução." (Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 908).

 

Caso concreto julgado pelo STJ (com adaptações):

A incorporadora Alfa queria construir um condomínio de apartamentos.

A empresa Beta firmou acordo com a Alfa para participar do negócio.

A Beta investiu um valor e, em troca, teria direito a um percentual dos lucros decorrentes da venda dos apartamentos.

Ocorre que, após três anos, o empreendimento ainda não havia começado a ser construído.

Diante disso, a Beta ajuizou ação contra a Alfa buscando a devolução do valor investido.

Durante o processo, a Beta requereu ao juízo a expedição de certidão narrando a existência da ação e que ela fosse averbada na matrícula do imóvel da Alfa no qual seria construído o condomínio.

A Beta narrou que a intenção era alertar potenciais compradores sobre o litígio em curso.

O juiz deferiu o pedido argumentando que o imóvel em cuja matrícula se averbou a certidão expedida seria o único de propriedade da Alfa.

 

Em suma:

Embora a previsão da averbação premonitória seja ordinariamente reservada à execução, pode o magistrado, com base no poder geral de cautela e observados os requisitos previstos no art. 300 do CPC, deferir tutela provisória de urgência de natureza cautelar no processo de conhecimento, com idêntico conteúdo à medida prevista para a demanda executiva (art. 829 do CPC).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.847.105-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/9/2023 (Info 789).


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