Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, consumidor, ajuizou ação
contra a empresa Alfa Ltda, fornecedora de serviços.
O juiz condenou a Alfa a pagar R$
100 mil em favor de João. Houve o trânsito em julgado.
João iniciou o cumprimento de
sentença contra a Alfa.
Não se conseguiu penhorar nenhum
bem da empresa Alfa.
Diante disso, João pediu o
redirecionamento do cumprimento de sentença contra a empresa Beta Ltda, que
integra o mesmo grupo econômico da empresa Alfa, havendo, inclusive, identidade
de sócios.
João afirmou que esse redirecionamento da execução seria
possível, mesmo sem desconsideração da personalidade jurídica, com base no § 2º
do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 28 (...)
§ 2º As sociedades integrantes
dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente
responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
O pedido de João deve ser acolhido?
NÃO. Isso porque é necessária a
prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
para se alcançar o patrimônio de sociedade integrante do mesmo grupo econômico
da executada.
Vamos entender com calma.
O CDC prevê, no art. 28, § 2º,
acima transcrito, a responsabilidade subsidiária das obrigações consumeristas
entre as sociedades integrantes do mesmo grupo societário.
Essa previsão legal se justifica
porque “a confusão patrimonial, em maior ou menor grau, é inerente a todo grupo
econômico. O interesse individual de uma sociedade é sempre subordinado ao
interesse geral do complexo de empresas agrupadas. Com isto, são praticamente
inevitáveis as transferências de ativo de uma sociedade a outra, ou uma
distribuição proporcional de custos e prejuízos entre todas elas"
(COMPARATO, Fábio Konder; FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle da
sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 428).
Vale ressaltar, contudo, que,
mesmo existindo, no direito material, a previsão dessa responsabilidade civil
subsidiária, é indispensável que sejam respeitadas as normas processuais,
garantidoras do contraditório e da ampla defesa. Uma dessas normas processuais
que precisa ser garantida é o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica.
Numa interpretação sistemática do Código de Defesa do
Consumidor, é possível, inclusive, constatar que a previsão de responsabilidade
civil subsidiária das sociedades integrantes de um mesmo grupo encontra-se
inserida no § 2º do art. 28, ou seja, na Seção V, que trata da desconsideração
da personalidade jurídica:
SEÇÃO V
Da Desconsideração da
Personalidade Jurídica
Art. 28. O juiz poderá
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
(...)
§ 2º As sociedades integrantes
dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente
responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
Dessa forma, para que uma empresa, pertencente ao mesmo
grupo econômico da executada, sofra constrição patrimonial, é necessária prévia
observância dos procedimentos específicos da desconsideração da personalidade
jurídica, que pode ser instaurada, inclusive, na fase de cumprimento de
sentença ou na execução fundada em título executivo extrajudicial, nos termos
do art. 134 do CPC:
Art. 134. O incidente de
desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial.
Ressalte-se que a instauração do
incidente de desconsideração é norma processual de observância obrigatória,
como forma de garantir o devido processo legal.
Nesse mesmo sentido, a 3ª Turma
do STJ já se manifestou quanto à impossibilidade de mero redirecionamento do
cumprimento de sentença àquele que não integrou a lide na fase de conhecimento:
Uma vez formado o título executivo judicial contra uma ou
algumas das sociedades, poderão responder todas as demais componentes do grupo,
desde que presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade
jurídica, na forma do art. 28, § 2º, do CDC, sendo inviável o mero
redirecionamento da execução contra aquela que não participou da fase de
conhecimento.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.875.845/SP, Rel. Min. Moura
Ribeiro, julgado em 16/5/2022.
Em suma:
Uma empresa do mesmo grupo econômico da parte
executada só pode ter seus bens bloqueados se o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica for previamente instaurado, não sendo suficiente mero
redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não integrou a lide na
fase de conhecimento.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.864.620-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
12/9/2023 (Info 789).