Dizer o Direito

domingo, 26 de novembro de 2023

Em uma execução proposta contra a empresa A, será possível redirecionar a execução para penhorar bens da empresa B (integrante do mesmo grupo econômico), mesmo sem a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, consumidor, ajuizou ação contra a empresa Alfa Ltda, fornecedora de serviços.

O juiz condenou a Alfa a pagar R$ 100 mil em favor de João. Houve o trânsito em julgado.

João iniciou o cumprimento de sentença contra a Alfa.

Não se conseguiu penhorar nenhum bem da empresa Alfa.

Diante disso, João pediu o redirecionamento do cumprimento de sentença contra a empresa Beta Ltda, que integra o mesmo grupo econômico da empresa Alfa, havendo, inclusive, identidade de sócios.

João afirmou que esse redirecionamento da execução seria possível, mesmo sem desconsideração da personalidade jurídica, com base no § 2º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 28 (...)

§ 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

 

O pedido de João deve ser acolhido?

NÃO. Isso porque é necessária a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para se alcançar o patrimônio de sociedade integrante do mesmo grupo econômico da executada.

Vamos entender com calma.

O CDC prevê, no art. 28, § 2º, acima transcrito, a responsabilidade subsidiária das obrigações consumeristas entre as sociedades integrantes do mesmo grupo societário.

Essa previsão legal se justifica porque “a confusão patrimonial, em maior ou menor grau, é inerente a todo grupo econômico. O interesse individual de uma sociedade é sempre subordinado ao interesse geral do complexo de empresas agrupadas. Com isto, são praticamente inevitáveis as transferências de ativo de uma sociedade a outra, ou uma distribuição proporcional de custos e prejuízos entre todas elas" (COMPARATO, Fábio Konder; FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle da sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 428).

Vale ressaltar, contudo, que, mesmo existindo, no direito material, a previsão dessa responsabilidade civil subsidiária, é indispensável que sejam respeitadas as normas processuais, garantidoras do contraditório e da ampla defesa. Uma dessas normas processuais que precisa ser garantida é o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Numa interpretação sistemática do Código de Defesa do Consumidor, é possível, inclusive, constatar que a previsão de responsabilidade civil subsidiária das sociedades integrantes de um mesmo grupo encontra-se inserida no § 2º do art. 28, ou seja, na Seção V, que trata da desconsideração da personalidade jurídica:

SEÇÃO V

Da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...)

§ 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

 

Dessa forma, para que uma empresa, pertencente ao mesmo grupo econômico da executada, sofra constrição patrimonial, é necessária prévia observância dos procedimentos específicos da desconsideração da personalidade jurídica, que pode ser instaurada, inclusive, na fase de cumprimento de sentença ou na execução fundada em título executivo extrajudicial, nos termos do art. 134 do CPC:

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

 

Ressalte-se que a instauração do incidente de desconsideração é norma processual de observância obrigatória, como forma de garantir o devido processo legal.

Nesse mesmo sentido, a 3ª Turma do STJ já se manifestou quanto à impossibilidade de mero redirecionamento do cumprimento de sentença àquele que não integrou a lide na fase de conhecimento:

Uma vez formado o título executivo judicial contra uma ou algumas das sociedades, poderão responder todas as demais componentes do grupo, desde que presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, na forma do art. 28, § 2º, do CDC, sendo inviável o mero redirecionamento da execução contra aquela que não participou da fase de conhecimento.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.875.845/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/5/2022.

 

Em suma:

Uma empresa do mesmo grupo econômico da parte executada só pode ter seus bens bloqueados se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica for previamente instaurado, não sendo suficiente mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não integrou a lide na fase de conhecimento. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.864.620-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/9/2023 (Info 789).


Dizer o Direito!