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quarta-feira, 1 de novembro de 2023

É nula a decisão que apenas realiza remissão aos fundamentos de terceiros, desprovida de acréscimo pessoal que indique o exame do pleito pelo julgador e clarifique suas razões de convencimento

O que é fundamentação per relationem?

Trata-se de uma forma de motivação por meio da qual se faz remissão ou referência às alegações de uma das partes, a precedente ou a decisão anterior nos autos do mesmo processo. É chamada pela doutrina e jurisprudência de motivação ou fundamentação per relationem ou aliunde. Também é denominada de motivação referenciada, por referência ou por remissão.

 

A decisão que se utiliza de fundamentação per relationem é válida?

SIM. O entendimento jurisprudencial pacificado é no sentido de que a utilização da fundamentação per relationem, seja para fim de reafirmar a fundamentação de decisões anteriores, seja para incorporar à nova decisão os termos de manifestação ministerial anterior, não implica vício de fundamentação (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp n. 1.7906.66/SP, Min. Felix Fischer, DJe 6/5/2021).

Veja como o tema já foi cobrado em prova:

ý (2023 - CEBRASPE - JUIZ TJDFT) - A jurisprudência veda a chamada fundamentação per relationem, ainda que a decisão faça referência concreta às peças que pretende encampar, transcrevendo as partes delas que julgar interessantes para legitimar o raciocínio lógico que embasa a conclusão a que se quer chegar (Errado)

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

O Ministério Público instaurou procedimento de investigação criminal (PIC) para apurar suposta prática do crime de lavagem de dinheiro.

O membro do Parquet requereu ao juízo a quebra do sigilo bancário de um dos investigados.

O magistrado deferiu o pedido em decisão manuscrita que dizia apenas o seguinte:

“Defiro integralmente os pedidos formulados pelo Ministério Público, às fls. 640/658, nos termos da fundamentação apresentada.”

 

O investigado que foi alvo da quebra de sigilo questionou a decisão alegando que ela seria nula por ausência de fundamentação.

 

O STJ concordou com os argumentos do investigado?

SIM.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a fundamentação per relationem - ou “aliunde” - demanda, ainda que concisamente, a aposição de fundamentação pelo magistrado ou exposição das premissas fáticas que formaram sua convicção para justificar a invasão à esfera privada do cidadão.

Nesse sentido:

É nula a decisão que apenas realiza remissão aos fundamentos de terceiros, desprovida de acréscimo pessoal que indique o exame do pleito pelo julgador e clarifique suas razões de convencimento.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 741.194/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/3/2023.

 

O STJ entendeu que a decisão do juiz, no caso concreto, não foi devidamente fundamentada, motivo pelo qual deve ser anulada, bem como todas as provas obtidas a partir de tal diligência e as daí decorrentes, excetuadas as independentes e não contaminadas.

 

Em suma:

Sob pena de nulidade, a utilização da fundamentação per relationem demanda, ainda que concisamente, acréscimos de fundamentação pelo magistrado ou exposição das premissas fáticas que formaram sua convicção. 

STJ. 6ª Turma. REsp 2.072.790/DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 8/8/2023 (Info 785).

 

DOD Plus – revise julgado correlato

É possível a fundamentação per relationem para decretar ou prorrogar a interceptação telefônica, desde que o magistrado faça considerações autônomas, ainda que sucintas, justificando a medida

Em decisões que autorizem a interceptação das comunicações telefônicas de investigados, é inválida a utilização da técnica da fundamentação per relationem (por referência) sem tecer nenhuma consideração autônoma, ainda que sucintamente, justificando a indispensabilidade da autorização de inclusão ou de prorrogação de terminais em diligência de interceptação telefônica.

STJ. 6ª Turma. RHC 119342-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/09/2022 (Info 751).


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