Caso concreto enfrentado pelo STF
O inciso VIII
do art. 144 do CPC/2015 prevê que:
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções
no processo:
(...)
VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de
seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado
de outro escritório;
A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB propôs ADI
contra o dispositivo.
A Autora alegou que a norma não pode ser aplicada pelo
magistrado, porque este depende de informações que estão com terceiros.
Argumentou que a proibição legal seria irrazoável e
desproporcional, porque o juiz precisaria exigir de seu cônjuge, companheiro ou
parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o 3º grau
inclusive que lhe encaminhasse, diariamente, a relação dos clientes, a fim de
verificar no acervo de processos ou na distribuição de processos, a existência
de clientes do advogado seu parente.
Pontuou que o Código de Ética e Disciplina da OAB não autoriza
o advogado a divulgar ou deixar que sejam divulgadas listas de seus clientes e
demandas.
Os argumentos da autora foram acolhidos pelo STF? Essa
previsão foi declarada inconstitucional?
SIM.
Historicamente, as hipóteses de exceção de impedimento
sempre tiveram como característica o fato de serem aferidas objetivamente pelo
magistrado.
Todavia, a regra descrita no inciso VIII do art. 144 do
CPC/2015 depende de informações trazidas por terceiros para a sua averiguação,
o que nem sempre pode se coadunar com a realidade dos fatos, implicando
consequências indesejadas para a efetividade da jurisdição.
Esse inciso VIII traz uma cláusula aberta e excessivamente
abrangente. Com isso, mostra-se irrazoável e inviabiliza a efetividade da
jurisdição.
O dispositivo impôs ao magistrado o dever de recusar-se a
julgar, sem sequer fornecer os meios para que o julgador avalie a incidência da
norma. Por isso, a causa de impedimento acaba se tornando de inviável
observância.
Na prática, seria necessário verificar se toda e qualquer
parte que litigue já esteve, em algum outro momento, representada por patrono
incluído na situação do inciso VIII do art. 144 do CPC/2015.
Mesmo sendo uma regra previamente estabelecida em lei, a
norma dá às partes a possibilidade de usar o impedimento como estratégia,
definindo quem serão os julgadores da causa. A escolha dos julgadores passa ao
controle das partes, principalmente daquelas com maior poder econômico.
Além disso, a regra prevista pelo dispositivo impugnado
gera uma presunção absoluta de impedimento, em contrariedade ao princípio do
juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF/88).
Para se alcançar a finalidade pretendida com o inciso VIII, já existe
uma regra muito melhor no inciso III do art. 144. Com a previsão do inciso III
já se consegue garantir a imparcialidade esperada do julgador. Confira:
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções
no processo:
(...)
III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou
membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente,
consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau,
inclusive;
(...)
§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de
mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros
advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não
intervenha diretamente no processo.
Nessas situações, torna-se possível aferir, de forma
objetiva, o risco de quebra de imparcialidade.
Em suma:
É
inconstitucional — por violar os princípios do juiz natural, da razoabilidade e
da proporcionalidade — o inciso VIII do art. 144 do Código de Processo Civil
(CPC/2015), que estabelece que o magistrado está impedido de atuar nos
processos em que a parte seja cliente do escritório de advocacia de seu
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, inclusive, ainda que essa mesma parte seja
representada por advogado de escritório diverso.
STF. Plenário.
ADI 5953/DF, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes,
julgado em 22/8/2023 (Info 1104).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria,
julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do inciso VIII
do art. 144 do CPC/2015.